A peste negra (hoje conhecida como peste
bubônica) provocou devastações na Europa desde o século XIV e modificou o
cenário mental. Estima-se que na grande epidemia dos anos 1348-1350, cerca de
um terço da população européia morreu (aproximadamente 75 milhões de pessoas).
Surtos posteriores continuaram a produzir alta mortalidade e criaram um quadro
de morbidade mental que se difundiu nos séculos seguintes.
O medo da peste e da conseqüente contaminação
passa a fazer parte do cotidiano com diferentes respostas culturais. Na falta
de uma explicação científica que esclarecesse a doença e desenvolvesse
medicamentos, o campo sobrenatural foi evocado e seria o fator explicativo para
a presença da peste.
Acreditava-se
que a doença era uma determinação de Deus para punir a humanidade pecadora,
exigindo penitência e a observação de qualquer sinal nos céus (como a passagem
de cometas ou conjunção de planetas), que poderia estar associada ao início de
uma epidemia. Clamar ao divino a salvação e inclusive fugir de lugares
infectados passa a ser um procedimento comum nas cidades contaminadas.
Este clima de sobrenaturalismo e
desespero frente a uma morte que ocorria em poucos dias após o contágio,
desenvolve uma aproximação com uma escatologia voltada ao além. Constata-se que
a vida é um passamento onde a morte está muito próxima e pode ser muito rápida.
Uma visão equivocada relaciona que a
Idade Média e seus mil anos de duração pode ser definida como a Idade das Trevas.
De fato, o longo período medieval teve várias fases mas a morbidade passa a se
fazer persistente no cotidiano a partir do século XIV (com a peste) quando o
Renascimento (suposto período otimista) começará um lento processo de
constituição. A sensibilidade desenvolvida no desespero das epidemias ficou
expressa na literatura/fontes históricas e também na imagética das artes
visuais. A melancolia, tristeza e morbidade estão presentes em várias obras
produzidas e ainda com forte presença sobrenatural da cristandade.
Uma das criações simbólicas deste estado de
espírito foi a Dança Macabra (ou Dança da Morte), imagens que retratam a morte
assediando os vivos e prometendo levá-los para o túmulo em futuro indeterminado
mas inexorável. Num período de peste, a morte poderia se manifestar com
brevidade excepcional, o que apavorava ainda mais as pessoas desta época. A
mais antiga Dança Macabra remete ao ano de 1425 e eram afrescos dos muros do
cemitério dos Santos Inocentes (Paris) que foram reproduzidos nas gravuras em
livro de Guyot Marchant (1485) e nas gravuras de Hans Holbeins entre outros. Na
representação está a caveira (a morte...) dançando com os mais diferentes
segmentos sociais e evidenciando a sua ação sobre todos os seres vivos: o papa,
o imperador, o cardinal, o rei, o cavaleiro, o
mercador, o médico, o advogado etc.
O necrótico se expressa na
modalidade iconográfica da ‘vanitas’ renascentista, onde a transitoriedade da
vida está sempre relacionada com o absoluto da morte. A imagem do esqueleto
dançando e enfatizando a todos que ninguém escapará à sua visita, foi
reproduzida nos séculos seguintes e chegou até o presente como um recurso
visual, criado a mais de meio milênio, que permanece forte e mórbido. Em tempos
de Ebola a Dança Macabra volta a ser evocada...
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