A imprensa rio-grandina no século XIX, uma das mais
importantes no contexto sul-rio-grandense, tanto pela antigüidade quanto pela
longevidade de suas folhas, teve a sua origem na década de 1830. O jornalismo
literário rio-grandino se desenvolveu desde a década de 1860 até a virada do
século XIX para o XX. Um destes jornais foi o Inúbia que perdurou ao longo do ano de 1868 e era publicado aos
domingos na Tipografia do Artista.
O periódico Inúbia foi lançado num contexto em que o Brasil está atuante na
Guerra do Paraguai e os rumos do conflito ainda não estão definidos. No cenário
local são feitas críticas a comportamentos morais e procedimentos éticos. Uma série
de críticas são dirigidas as mulheres e especialmente a ‘moda francesa’ e a conseqüente
descapitalização dos bolsos dos mantenedores dos novos hábitos. O romance ‘Mulher
dos Olhos Negros’ de Menezes Paredes é um espaço em que esta crítica é exercita.
As caras inovações da moda contemporânea, na década de 1860, faz com que o
autor idealize a forma feminina de se vestir de forma simples e despojada de
todos adornos caros e da moda que estavam sendo oferecidos numa cidade
portuária e comercial que tinha ligação com os principais portos do mundo. Para
Paredes, a forma tradicional de mulher simples e com caráter, seria um fator de
atração para o público masculino intelectualizado e um alívio para os bolsos: “Hoje
uma filha esmaga a pobre gaveta de um pobre pai, que vive de modesto emprego
publico, pedindo-lhe uma rica pulseira de brilhantes, porque no baile passado
viu a filha do comendador tal como uma dessas tetéias: a mulher bonita, entísica
as algibeiras do esposo, querendo um vestido de 300$000 ou 400$000 rs, e a
menina muito modesta, muito poupada, apresentando se em uma reunião familiar
com um simples vestido de musselina, faz do pescoço e orelhas taboletas, onde
expõe pedras no valor de alguns contos de reis, as quais, depois de muitos
suspiros, de muitas imprecações contra a corrupção do século, saem dos cofres
de um gordo papai, boa pessoa, que passa os dias a vender vinténs de cachaça e
libras de toucinho, para pendurar os lucros nas proeminências da filha” (INÚBIA,
5 de abril de 1868).
A corrupção é um dos temas presentes. Inclusive quando
dos festejos do Sete de Setembro no ano de 1868, mesmo no contexto da guerra, o
Inúbia acredita que a elite econômica
da cidade não demonstrou o patriotismo que o momento exigia: “O dia mais
glorioso de nossa cara Pátria; aquele em que ela foi bafejada pelo hálito
vivificante e sacrossanto da liberdade, passou inteiramente despercebido entre
esses que querem pertencer ao grande mundo, mas entre a classe pobre de
dinheiro, porém rica de virtudes, ele foi saudado com frenético entusiasmo. Na
época atual o dinheiro é uma matéria inflamável que devora todos os sentimentos
mais íntimos, que a alma alimenta. Ao contato do dinheiro o patriotismo
arrefeceu, e eis a razão porque só o povo festejou o memorável 7 de setembro”
(INÚBIA, 13 de setembro).
O jornal se torna crítico, mordaz, polêmico e denunciador
sem citar diretamente nome de pessoas, assumindo a feição de jornais da época.
Na matéria Um tipo notável, ataca um
funcionário público que teria vindo de Portugal e que através de intrigas
obteve um cargo público: “Sob o manto da hipocrisia, idolatrando a intriga,
pode por meio dela obter do governo um osso para saciar sua cobiça”. E assegura
que seu papel social é moralizador: “Nossa tarefa está preenchida. A sociedade
compete usar de seus nobres direitos, para que a moral não se curve ao vício e
a perdição; ao contrário aparecerá a desordem e surgirá impreterivelmente o
aniquilamento do edifício social. ” (INÚBIA, 24 de maio). A posição é pregar
uma moralidade que não existe na vida real: “A sociedade que vive na mais
elevada esfera da mais sublime moralidade, pelo grau de civilização em que se
acha colocada, deve repelir de seu grêmio certos vermes, para evitar que as
mazelas que eles possuem lhe vá contaminar” (INÚBIA,17 de maio).
Favorecimentos, o materialismo do dinheiro, patifarias e todo tipo de golpe/falcatrua
era moeda da época nesta sociedade patrimonialista. Esse longo caminho para,
conforme o jornal, tirar ‘vermes’ de circulação social, demonstra ser uma luta
milenar e inesgotável...
Em síntese, a análise do Inúbia permite caracterizar o seu perfil
como transcendendo o campo literário e tendo uma forte tendência para o papel
tradicional da imprensa ligada aos homens públicos que criticavam as diferentes
facetas da sociedade da época. Sua visão sobre a sociedade local pode ser
caracterizada por: uma visão moralizadora do casamento; o amor platônico despertado
pela pureza feminina; críticas as mulheres perdulárias e ligadas a
superficialidade da moda; aversão aos canalhas e cafajestes endinheirados; crença
nas instituições liberais; denúncia a corrupção e aos favorecimentos ilícitos; crença
na difusão da instrução e da literatura para as novas gerações como forma de
enfrentamento do materialismo do dinheiro que dominava a época. Especialmente, fica
a constatação da longa e difícil caminhada a ser trilhada para construir o
culto as letras e a difusão da literatura na sociedade local.
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