Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

sábado, 15 de julho de 2017

MAR DE LAMA

Completando, em breve, o bicentenário da denominação papareia, já se constata um certo desgaste do termo (Aires de Casal na Corografia Brasílica, em 1817, já se refere ao consumo de areia em Rio Grande). Apenas comer areia por séculos já não satisfaz... Em tempos de pós-modernidade é preciso também comer lama, daí o nascimento do tipo gentílico ‘papa lama’. Exatamente! A reflexão é voltada a praia do Cassino que se transformou, nos últimos meses, num mar de lama...
É claro que o fenômeno da lama não nasceu em 2014, mas esta ‘iguaria vinha sendo degustada em doses homeopáticas’ nas últimas décadas, porém, agora a ‘alopatia agressiva’ se assentou na praia do Cassino.
Existem registros anteriores desta deposição mas o fato é que o fenômeno tem se acelerado nos últimos anos comprometendo a sociabilidade desnuda da beira da praia planificada mais antiga do Brasil. Certamente a erosão das margens da lagoa e o material em suspensão carregado para o Oceano devem ser levados em consideração. Cenário ideal para filmes de zumbis ou mutantes que emergem do lameiro já transmutados cenicamente, mas um cenário desconcertante para uma imagem paradisíaca de uma beach no extremo sul do Brasil.
Polêmicas a parte sobre a origem do fenômeno, o fato é que o Cassino virou um ‘Mar de Lama’. O olhar dos transeuntes não está no Mar (Oceano Atlântico) mas na praia que formou um novo oceano constituído por Lama. O que está acontecendo com a praia do Cassino de forma cada vez mais freqüente?
A polêmica reside em duas interpretações: 1)o processo é natural e pode, na linguagem do futebolês, ser assim descrito: “A floculação cobrou o escanteio, a vasa foi cabeceada pela decantação e parou na barreira-restinga que recuou para o goleiro hidrossedimentar”. Era o último lance na partida que terminou em 10 para aos lameiros e zero para os Cassinenses, ou seja, o processo da deposição da lama é natural e nada pode ser feito para detê-lo! Nesta interpretação, estamos frente a passividade de observar o ocaso de uma praia condenada a insalubridade em período curto ou médio do futuro; 2)as dragagens para aprofundar o calado do canal de acesso/Porto do Rio Grande podem estar aumentando sensivelmente a deposição? O voto é secreto e saudavelmente não obrigatório (ao menos nesta coluna) mas estou abrindo mão desta prerrogativa e me posicionando ao lado do professor Lauro Calliari, que defende a ação antrópica neste processo. Mesmo que nas próximas décadas não se consiga chegar a um direcionamento objetivo sobre este tema, a intuição histórica me leva a esta escolha. Foi muito deprimente escutar num programa de TV que, a solução para o problema é simples: a colocação de placas identificando a lama e a rápida adaptação dos freqüentadores ao novo perfil de identidade: os papa-lama!
A pergunta é: o que pode ser feito para minimizar o problema? Qual o custo financeiro para o Cassino se este processo se intensificar e o fluxo de numerário ligado aos freqüentadores reduzir a cada veraneio? O novo papel da Vila Siqueira de 1890 será se restringir a bairro dormitório e alojamento do Polo Naval? 
O problema lançado é que se a polêmica se esticar pelas próximas décadas sem chegar a qualquer conclusão operacional, os procedimentos hoje em andamento nas dragagens não sofrerão qualquer alteração ou não serão buscadas alternativas para amenizar o problema. A praia do Cassino vai se adaptando, ano a ano, a condição de nova identidade construída na lama e assimilando os previsíveis prejuízos daí advindos. E esta aceitação não será nenhuma surpresa! Estes grandes processos econômicos que se processam historicamente no cenário fisiográfico da Barra do Rio Grande no Estuário da Lagoa dos Patos (como o complexo portuário), tem apresentado faces que comprometem a qualidade ambiental e a salubridade urbana. Processos que parecem inquestionáveis mas que são frutos da incapacidade de organização da sociedade civil. Desde os anos 1970 se lutava contra a poluição atmosférica em Rio Grande (terminal de fertilizantes do SuperPorto) e quatro décadas depois estamos na mesma ‘canoa furada’ dos anos 70. Há oito anos se divulga a necessidade de investimentos logísticos e de infra-estrutura urbana frente às demandas do Polo Naval. Frente ao papel estratégico da cidade qual a contrapartida de destaque recebida?
A lama do cassino deve ser mais uma das lamas historicamente entaladas e que ficarão na garganta como uma secreção pós-gripal que nem um expectorante poderoso consegue remover! 
A trilogia macabra acaba soberana neste pós-halloween: areia na cidade; lama no Cassino; e poluição atmosférica por toda parte.




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