“Neste período de grandes
transformações a nível sócio-econômico, onde a tecnologia avança juntamente com
a periferização de grandes parcelas da população, faz-se necessário o
planejamento do espaço urbano já que nele se dão as principais relações de
trabalho, relações sociais, relações político-econômicas e culturais. Portanto
é na cidade onde a população está concentrada e movimenta-se a um nível alucinante
e onde a velocidade como forma de se ganhar mais tempo, ‘dinheiro’, é buscada incessantemente.
Para isso há a necessidade dos espaços urbanos estarem preparados para essas
transformações que ocorrem com um grande dinamismo”. Mais do que nunca, esta
afirmação de Solismar Fraga Martins no artigo ‘Planejamento urbano na cidade do
Rio Grande’ (In: ALVES & TORRES -Orgs. A cidade do Rio Grande: estudos
históricos. Rio Grande: FURG, 1995), mostra-se atual!
18 anos depois da publicação deste
artigo os problemas urbanos em
Rio Grande chegaram a um patamar ainda mais grave. O
crescimento dos últimos sete anos, oriundos do megaprojeto Polo Naval e do
crescimento da frota de veículos evidenciou, drasticamente, as carências
históricas de investimentos e de planejamento de uma urbanidade saudável.
A evolução da área urbana de Rio
Grande processou-se linearmente, estando limitada pelos aspectos físicos desde
os primeiros assentamentos realizados, tanto em relação à expansão desses como
a difícil sobrevivência dos primeiros moradores. O espaço físico onde se
assentou originalmente a cidade é constituído por uma estreita península com
margens e baixios inundáveis e com a presença de dunas móveis. A área da cidade
cresceu com o recurso ao aterramento nos banhados, seja na Lagoa dos Patos ou
no Saco da Mangueira. Conforme Martins, se desde o início do povoamento houve a
preocupação com a busca de novos espaços, estes, assim como os já disponíveis,
não foram plenamente planejados e não havia uma legislação abrangente para que
houvesse um desenvolvimento ordenado e contínuo da cidade. No ano de 1961 foi
criado o Conselho Municipal de Planejamento e Urbanismo e o Escritório de
Planejamento. Em 1971, foi aprovado o primeiro plano de diretrizes urbanas do
Município. O contexto de criação está ligado a perspectiva de crescimento
promovido pela construção do SuperPorto do Rio Grande.
Interessante é observar alguns
problemas de mobilidade viária levantados neste Plano de 1971: vias principais
de trânsito não estarem ligadas com outras vias de menor importância; as ruas
reduzidas do centro da cidade não encontrarem apoio em vias coletoras que as
desafoguem; o principal terminal de transporte se encontra na Praça Tamandaré,
interferindo na fluidez do tráfego central; a necessidade de estruturação da
Estrada dos Carreiros, hoje Avenida Roberto Socoviski; a necessidade de se
duplicar as pistas de entrada na atual Av. Itália e na projetada Roberto
Socoviski; a necessidade de construir-se uma via de contorno à margem norte do
Saco da Mangueira; criar-se um anel externo para servir a um tráfego rápido na
área central da cidade; construir-se calçadões que estão previsto no plano
através da Rua General Bacelar entre as ruas Benjamin Constant e Gal. Neto e na
rua Duque de Caxias entre General Bacelar e Marechal Floriano (este último não
aconteceu) etc.
Quem já vivia em Rio Grande no início da
década de 1970 deve considerá-la muito diferente dos dias de hoje em que
atravessar uma rua passou a ser uma atividade para atletas olímpicos. O fluxo
de automóveis é pateticamente superior... O número de emplacamentos na cidade
se aproxima de 100.000 veículos (fora os milhares com placas de fora da
cidade). Quantos mil veículos circulavam pelas ruas e avenidas da cidade
na
época em que já se considerava preocupante a situação? 5 ou 10 mil? A ‘política
suicida de colocar no mercado brasileiro quase 4 milhões de veículos por ano
sem um equivalente investimento no espaço viário’ tem levado a esta
insustentabilidade na mobilidade urbana.
Duplicações, construção de elevados
para travessia de pedestres e para o deslocamento de veículos tornou-se demanda
essencial. Apenas um exemplo da ‘insanidade’ é o risco de morte diário ao
tentar acessar ou sair do Campus Carreiros da FURG e cruzar/ingressar na Av. Itália.
A banalização do caos faz com que esqueçamos que somente a comunidade da FURG,
com mais de 15 mil pessoas (entre estudantes, funcionários e professores), é
muito maior do que inúmeras cidades do Rio Grande do Sul.
Mas o fato concreto é que o Plano de 1971
ressaltava da necessidade de construção/duplicação da Roberto Socoowski e da
duplicação da Avenida Itália. Quatro décadas depois as duplicações não
aconteceram e o trânsito tornou-se caótico e extremamente perigoso. É claro que o golpe de misericórdia dado na
mobilidade viária foi quando, a poucos anos, um ex-secretário municipal
conseguiu idealizar a ‘comunhão do diabo com o inferno’ ao ‘enfiar goela abaixo
na população’ o estrangulamento do trânsito no sentido Centro-Cassino com a
‘famigerada integração’. Dezenas de milhares de pessoas passam minutos
preciosos do seu dia em veículos (são aproximadamente 110 horas por ano) tentando
se deslocar neste trecho (entre o pórtico e a integração) e emitindo/consumindo
incalculáveis metros cúbicos de monóxido de carbono e outros gases oriundos da
queima – desnecessária - de milhões de litros de combustível por ano.
Insanidade para a saúde física/mental/financeira da população e para a poluição
da atmosfera de uma cidade já comprometida pelas emissões de empresas de
fertilizantes.
Como afirma Martins, a falta de
engajamento e interesse por parte da sociedade é outro problema evidente ao se
planejar um espaço urbano, pois se esse planejamento pretende beneficiar o
coletivo, a sociedade deverá estar representada através das suas mais variadas
instâncias. Porém esse fato não se torna concreto devido à falta de motivação e
interesse pela sociedade em ver e acreditar em uma melhora e em possíveis
mudanças que possam advir desse planejamento.
Manifestações pacíficas – como a de quinta-feira
passada na cidade - trazendo filosoficamente o princípio da construção da
cidadania e buscando contemplar demandas fundamentais para uma vida urbana
saudável, pode ser um passo importante para a construção de uma sociedade civil
organizada em Rio Grande. O
diálogo franco com as esferas administrativas nos três níveis poderia ser um
grande avanço para o enfrentamento das prioridades urbanas no presente, inclusive
fortalecendo a legitimidade dos governantes.
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