Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

quarta-feira, 12 de julho de 2017

PLANEJAMENTO E MOBILIDADE URBANA

“Neste período de grandes transformações a nível sócio-econômico, onde a tecnologia avança juntamente com a periferização de grandes parcelas da população, faz-se necessário o planejamento do espaço urbano já que nele se dão as principais relações de trabalho, relações sociais, relações político-econômicas e culturais. Portanto é na cidade onde a população está concentrada e movimenta-se a um nível alucinante e onde a velocidade como forma de se ganhar mais tempo, ‘dinheiro’, é buscada incessantemente. Para isso há a necessidade dos espaços urbanos estarem preparados para essas transformações que ocorrem com um grande dinamismo”. Mais do que nunca, esta afirmação de Solismar Fraga Martins no artigo ‘Planejamento urbano na cidade do Rio Grande’ (In: ALVES & TORRES -Orgs. A cidade do Rio Grande: estudos históricos. Rio Grande: FURG, 1995), mostra-se atual! 
            18 anos depois da publicação deste artigo os problemas urbanos em Rio Grande chegaram a um patamar ainda mais grave. O crescimento dos últimos sete anos, oriundos do megaprojeto Polo Naval e do crescimento da frota de veículos evidenciou, drasticamente, as carências históricas de investimentos e de planejamento de uma urbanidade saudável.
            A evolução da área urbana de Rio Grande processou-se linearmente, estando limitada pelos aspectos físicos desde os primeiros assentamentos realizados, tanto em relação à expansão desses como a difícil sobrevivência dos primeiros moradores. O espaço físico onde se assentou originalmente a cidade é constituído por uma estreita península com margens e baixios inundáveis e com a presença de dunas móveis. A área da cidade cresceu com o recurso ao aterramento nos banhados, seja na Lagoa dos Patos ou no Saco da Mangueira. Conforme Martins, se desde o início do povoamento houve a preocupação com a busca de novos espaços, estes, assim como os já disponíveis, não foram plenamente planejados e não havia uma legislação abrangente para que houvesse um desenvolvimento ordenado e contínuo da cidade. No ano de 1961 foi criado o Conselho Municipal de Planejamento e Urbanismo e o Escritório de Planejamento. Em 1971, foi aprovado o primeiro plano de diretrizes urbanas do Município. O contexto de criação está ligado a perspectiva de crescimento promovido pela construção do SuperPorto do Rio Grande.
            Interessante é observar alguns problemas de mobilidade viária levantados neste Plano de 1971: vias principais de trânsito não estarem ligadas com outras vias de menor importância; as ruas reduzidas do centro da cidade não encontrarem apoio em vias coletoras que as desafoguem; o principal terminal de transporte se encontra na Praça Tamandaré, interferindo na fluidez do tráfego central; a necessidade de estruturação da Estrada dos Carreiros, hoje Avenida Roberto Socoviski; a necessidade de se duplicar as pistas de entrada na atual Av. Itália e na projetada Roberto Socoviski; a necessidade de construir-se uma via de contorno à margem norte do Saco da Mangueira; criar-se um anel externo para servir a um tráfego rápido na área central da cidade; construir-se calçadões que estão previsto no plano através da Rua General Bacelar entre as ruas Benjamin Constant e Gal. Neto e na rua Duque de Caxias entre General Bacelar e Marechal Floriano (este último não aconteceu) etc.
            Quem já vivia em Rio Grande no início da década de 1970 deve considerá-la muito diferente dos dias de hoje em que atravessar uma rua passou a ser uma atividade para atletas olímpicos. O fluxo de automóveis é pateticamente superior... O número de emplacamentos na cidade se aproxima de 100.000 veículos (fora os milhares com placas de fora da cidade). Quantos mil veículos circulavam pelas ruas e avenidas da cidade
na época em que já se considerava preocupante a situação? 5 ou 10 mil? A ‘política suicida de colocar no mercado brasileiro quase 4 milhões de veículos por ano sem um equivalente investimento no espaço viário’ tem levado a esta insustentabilidade na mobilidade urbana.
Duplicações, construção de elevados para travessia de pedestres e para o deslocamento de veículos tornou-se demanda essencial. Apenas um exemplo da ‘insanidade’ é o risco de morte diário ao tentar acessar ou sair do Campus Carreiros da FURG e cruzar/ingressar na Av. Itália. A banalização do caos faz com que esqueçamos que somente a comunidade da FURG, com mais de 15 mil pessoas (entre estudantes, funcionários e professores), é muito maior do que inúmeras cidades do Rio Grande do Sul.
Mas o fato concreto é que o Plano de 1971 ressaltava da necessidade de construção/duplicação da Roberto Socoowski e da duplicação da Avenida Itália. Quatro décadas depois as duplicações não aconteceram e o trânsito tornou-se caótico e extremamente perigoso.  É claro que o golpe de misericórdia dado na mobilidade viária foi quando, a poucos anos, um ex-secretário municipal conseguiu idealizar a ‘comunhão do diabo com o inferno’ ao ‘enfiar goela abaixo na população’ o estrangulamento do trânsito no sentido Centro-Cassino com a ‘famigerada integração’. Dezenas de milhares de pessoas passam minutos preciosos do seu dia em veículos (são aproximadamente 110 horas por ano) tentando se deslocar neste trecho (entre o pórtico e a integração) e emitindo/consumindo incalculáveis metros cúbicos de monóxido de carbono e outros gases oriundos da queima – desnecessária - de milhões de litros de combustível por ano. Insanidade para a saúde física/mental/financeira da população e para a poluição da atmosfera de uma cidade já comprometida pelas emissões de empresas de fertilizantes.
            Como afirma Martins, a falta de engajamento e interesse por parte da sociedade é outro problema evidente ao se planejar um espaço urbano, pois se esse planejamento pretende beneficiar o coletivo, a sociedade deverá estar representada através das suas mais variadas instâncias. Porém esse fato não se torna concreto devido à falta de motivação e interesse pela sociedade em ver e acreditar em uma melhora e em possíveis mudanças que possam advir desse planejamento.

            Manifestações pacíficas – como a de quinta-feira passada na cidade - trazendo filosoficamente o princípio da construção da cidadania e buscando contemplar demandas fundamentais para uma vida urbana saudável, pode ser um passo importante para a construção de uma sociedade civil organizada em Rio Grande. O diálogo franco com as esferas administrativas nos três níveis poderia ser um grande avanço para o enfrentamento das prioridades urbanas no presente, inclusive fortalecendo a legitimidade dos governantes.  

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