Porto do Rio Grande em 1908

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quarta-feira, 12 de julho de 2017

PENA DE MORTE

Desde a vinda de Martin Afonso de Souza ao Brasil, em 1531, a pena de morte foi instituída e teve vida longa na então colônia de Portugal. Um navegador francês, aprisionado na costa de Pernambuco, foi à primeira vítima de enforcamento.
O Código Penal do Império em seu artigo 38 reiterava que a execução se daria na forca, sendo que esta só seria levantada, conforme aviso de 17 de julho de 1835 “quando necessário, para não estar constantemente às vistas do público”. A lei Imperial de 11 de setembro de 1826 determinava que “a sentença proferida em qualquer parte do Império, que impusesse a pena de morte, não fosse executada sem primeiramente subir a presença do Imperador para poder perdoar ou moderar a pena”, ou seja, cabia ao Imperador autorizar ou cancelar a execução.
A teatralidade e a dramaticidade do ritual de enforcamento buscava um impacto social para o acontecimento mostrando a presença da lei e do castigo: nos dois dias anteriores a execução o condenado ficava em sua cela isolado, onde era colocado um pequeno altar com um crucifixo iluminado por duas velas, sendo visitado por um sacerdote que ouvia a sua confissão. No dia da execução, o préstito seguia pela rua até a frente da igreja mais próxima e o condenado tinha de ouvir a missa até o momento do “levanta a Deus” quando seguia até o local da execução. O pregoeiro então anunciava: “vai-se executar a sentença de morte natural na forca, proferida contra o réu fulano”. A corda era levada ao pescoço do condenado com os pulsos amarrados. No patíbulo o condenado subia os degraus e o carrasco se posicionava atrás dele até que a oração proferida pelo padre dizia “na vida eterna” quando o condenado era lançado ao vácuo com o carrasco montado em suas costas para garantir uma morte rápida e eficiente. A cidade parava para o ato, com a presença de homens livres e escravos. As aulas eram suspensas para que as crianças assistissem a execução enquanto prática pedagógica preventiva.  A caminhada com ampla presença popular buscava socializar o suplício individual através de toda uma ritualização de crime e castigo.
            No dia 5 de março de 1850 a cidade do Rio Grande assistia pela oitava vez a execução de um condenado, um escravo de nome Porfírio que tentara assassinar o seu proprietário de apelido Felipe Galego dono de uma taverna à rua dos Cômoros (atual Silva Paes) esquina com a rua do Castro (Duque de Caxias). Os condenados eram recolhidos a cadeia, local “imundo e promíscuo”, que se localizava no Beco do Corpo da Guarda ou Beco da Cadeia (Zalony) quase esquina com a rua da Praia (Marechal Floriano). O jornal Diário do Rio Grande deste dia informava: “Hoje às 11 horas da manhã vai ser executado o preto Porfírio, que tentou assassinar seu senhor. A forca está armada no Largo do Moinho”. O Largo do Moinho é a praça Barão de São José do Norte que nesta época encontrava-se cercada de madeira e que perdeu o nome de Largo do Moinho passando a denominar-se de Praça da Caridade após o início da construção do edifício do Hospital em 3 de fevereiro de 1850.
O ritual saindo da cadeia às onze horas da manhã seguia pela Marechal Floriano até a praça do enforcamento, aguardando o sino da Igreja Matriz de São Pedro soar às doze badaladas para a execução. No dia 9 de março o jornal O Riograndense publicou uma matéria de cunho literário sobre o enforcamento do escravo: “Já a praça em frente à cadeia estava apinhada de povo... já a Misericórdia com seu estandarte havia chegado e o capelão. Quando o bronze apontava onze horas e o padecente acabava de ser confortado pelo sacerdote, seu único consolador. Todas as autoridades competentes estavam presentes; tudo estava disposto para o cumprimento da lei, quando o préstito seguiu, sua marcha fúnebre e medonha. Adiante, via-se a lúgubre campa dos finados! Após, o estandarte da Misericórdia que os guiava... depois o réprobo e o carrasco, que lhe apontava o caminho da Eternidade... seguido da justiça que apregoava seus crimes e sua sentença de morte..., e do sacerdote que o animava com o perdão de Deus, para todos os seus pecados! Após, todo este hórrido espetáculo, ia o povo!... o povo!... Daí a pouco confrontaram com a Igreja de S. Francisco onde pararam e teve o padecente de ouvir parte da missa como é de lei; finda esta cerimônia seguiram seu destino! Pouco faltava então para o meio dia, quando o desgraçado teve de ver em sua frente o elevado cadafalso que prestes lhe havia dar desesperadora e afrontosa morte! E o carro fúnebre que também o aguardava para conduzir seu cadáver a sepultura!... Com efeito, o momento fatal era chegado! Daí a pouco acabava de soar na torre da Matriz a décima segunda hora, quando o padecente já semimorto, deu seu último arranco de vida... Estava punido o crime... e satisfeita à lei! Queira Deus que todos aqueles que foram testemunhas de tal espetáculo, o tenham sempre em memória e saibam desviarem-se da carreira dos crimes e perversidades... amando a seu próximo como a si mesmo e respeitando a Deus e a lei, como lhes cumpre”.
Os meliantes que hoje freqüentam a praça - escondendo-se para assaltar aqueles que freqüentam o Hospital da Santa Casa - certamente são surdos aos gemidos daqueles que morreram neste local, cujas lamentações e dilacerante dor, preenche todo aquele espaço. Sua brutalidade também não permite que vejam os corpos seculares que sacodem ao ritmo das rajadas de vento. Passados mais de 150 anos, basta ter sensibilidade para ouvir os lamentos e ver os corpos balançando no cenário lúgubre de um entardecer na Praça dos Enforcados.


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