Desde a vinda de Martin Afonso de Souza ao Brasil,
em 1531, a
pena de morte foi instituída e teve vida longa na então colônia de Portugal. Um
navegador francês, aprisionado na costa de Pernambuco, foi à primeira vítima de
enforcamento.
O
Código Penal do Império em seu artigo 38 reiterava que a execução se daria na
forca, sendo que esta só seria levantada, conforme aviso de 17 de julho de 1835
“quando necessário, para não estar constantemente às vistas do público”. A lei
Imperial de 11 de setembro de 1826 determinava que “a sentença proferida em
qualquer parte do Império, que impusesse a pena de morte, não fosse executada
sem primeiramente subir a presença do Imperador para poder perdoar ou moderar a
pena”, ou seja, cabia ao Imperador autorizar ou cancelar a execução.
A
teatralidade e a dramaticidade do ritual de enforcamento buscava um impacto
social para o acontecimento mostrando a presença da lei e do castigo: nos dois
dias anteriores a execução o condenado ficava em sua cela isolado, onde era
colocado um pequeno altar com um crucifixo iluminado por duas velas, sendo
visitado por um sacerdote que ouvia a sua confissão. No dia da execução, o
préstito seguia pela rua até a frente da igreja mais próxima e o condenado
tinha de ouvir a missa até o momento do “levanta a Deus” quando seguia até o
local da execução. O pregoeiro então anunciava: “vai-se executar a sentença de
morte natural na forca, proferida contra o réu fulano”. A corda era levada ao
pescoço do condenado com os pulsos amarrados. No patíbulo o condenado subia os
degraus e o carrasco se posicionava atrás dele até que a oração proferida pelo
padre dizia “na vida eterna” quando o condenado era lançado ao vácuo com o
carrasco montado em suas costas para garantir uma morte rápida e eficiente. A
cidade parava para o ato, com a presença de homens livres e escravos. As aulas
eram suspensas para que as crianças assistissem a execução enquanto prática
pedagógica preventiva. A caminhada com
ampla presença popular buscava socializar o suplício individual através de toda
uma ritualização de crime e castigo.
No
dia 5 de março de 1850 a
cidade do Rio Grande assistia pela oitava vez a execução de um condenado, um
escravo de nome Porfírio que tentara assassinar o seu proprietário de apelido Felipe
Galego dono de uma taverna à rua dos Cômoros (atual Silva Paes) esquina com
a rua do Castro (Duque de Caxias). Os condenados eram recolhidos a cadeia,
local “imundo e promíscuo”, que se localizava no Beco do Corpo da Guarda ou
Beco da Cadeia (Zalony) quase esquina com a rua da Praia (Marechal Floriano). O
jornal Diário do Rio Grande deste dia informava: “Hoje às 11 horas da
manhã vai ser executado o preto Porfírio, que tentou assassinar seu senhor. A
forca está armada no Largo do Moinho”. O Largo do Moinho é a praça Barão de São
José do Norte que nesta época encontrava-se cercada de madeira e que perdeu o
nome de Largo do Moinho passando a denominar-se de Praça da Caridade após o
início da construção do edifício do Hospital em 3 de fevereiro de 1850.
O ritual
saindo da cadeia às onze horas da manhã seguia pela Marechal Floriano até a
praça do enforcamento, aguardando o sino da Igreja Matriz de São Pedro soar às
doze badaladas para a execução. No dia 9 de março o jornal O Riograndense
publicou uma matéria de cunho literário sobre o enforcamento do escravo: “Já a
praça em frente à cadeia estava apinhada de povo... já a Misericórdia com seu
estandarte havia chegado e o capelão. Quando o bronze apontava onze horas e o
padecente acabava de ser confortado pelo sacerdote, seu único consolador. Todas
as autoridades competentes estavam presentes; tudo estava disposto para o
cumprimento da lei, quando o préstito seguiu, sua marcha fúnebre e medonha.
Adiante, via-se a lúgubre campa dos finados! Após, o estandarte da Misericórdia
que os guiava... depois o réprobo e o carrasco, que lhe apontava o caminho da
Eternidade... seguido da justiça que apregoava seus crimes e sua sentença de
morte..., e do sacerdote que o animava com o perdão de Deus, para todos os seus
pecados! Após, todo este hórrido espetáculo, ia o povo!... o povo!... Daí a
pouco confrontaram com a Igreja de S. Francisco onde pararam e teve o padecente
de ouvir parte da missa como é de lei; finda esta cerimônia seguiram seu
destino! Pouco faltava então para o meio dia, quando o desgraçado teve de ver
em sua frente o elevado cadafalso que prestes lhe havia dar desesperadora e
afrontosa morte! E o carro fúnebre que também o aguardava para conduzir seu
cadáver a sepultura!... Com efeito, o momento fatal era chegado! Daí a pouco
acabava de soar na torre da Matriz a décima segunda hora, quando o padecente já
semimorto, deu seu último arranco de vida... Estava punido o crime... e
satisfeita à lei! Queira Deus que todos aqueles que foram testemunhas de tal
espetáculo, o tenham sempre em memória e saibam desviarem-se da carreira dos
crimes e perversidades... amando a seu próximo como a si mesmo e respeitando a
Deus e a lei, como lhes cumpre”.
Os
meliantes que hoje freqüentam a praça - escondendo-se para assaltar aqueles que
freqüentam o Hospital da Santa Casa - certamente são surdos aos gemidos
daqueles que morreram neste local, cujas lamentações e dilacerante dor,
preenche todo aquele espaço. Sua brutalidade também não permite que vejam os
corpos seculares que sacodem ao ritmo das rajadas de vento. Passados mais de
150 anos, basta ter sensibilidade para ouvir os lamentos e ver os corpos
balançando no cenário lúgubre de um entardecer na Praça dos Enforcados.
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