Porto do Rio Grande em 1908

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terça-feira, 18 de julho de 2017

O VINHO DA ILHA

A Ilha dos Marinheiros tem uma história vinícola pioneira, que recua a década de 1840, quando das experimentações com a usa ‘Isabel’, importada dos Estados Unidos pelo comerciante radicado em Rio Grande Thomas Messiter. Estas primeiras mudas de videira Isabel teriam sido enviados de Washington por José Marques Lisboa e recebidos por Messiter. Quando, no ano de 1865, ocorreu a visita do Conde D’Eu a Rio Grande, foi oferecido o vinho da Ilha dos Marinheiros durante os jantares. O jornal Echo do Sul do dia 18 de janeiro de 1912, com entusiasmo, destacou a vinda de um renomado agrônomo da época na expectativa de que o vinho da Ilha tivesse subsídio do governo federal buscando ampliar os negócios. Quase trinta anos depois, a grande enchente de 1941 traria grandes prejuízos também a esta atividade desenvolvida na Ilha. O documento jornalístico do momento que se vivia a atividade vinícola, a cem anos atrás, deixou o seguinte registro.  
“Dr. Gomes do Carmo. Visita importante à Ilha dos Marinheiros. O sr. dr. Gomes Carmo, distinto agrônomo brasileiro, que depois de formado, teve ainda dois anos de assistente em altos estudos da sua especialidade na escola de Montpellier, França, esteve anteontem na Ilha dos Marinheiros, de onde regressou ontem de manhã. Achando-se na secretaria desta redação o nosso prezado amigo o sr. João de Saldanha, na mesma ocasião em que o sr. dr. Gomes Carmo nos deu o prazer da sua visita, conforme a nossa notícia de anteontem, foram os dois apresentados e, logo, o segundo fez uma apelo gentil ao primeiro no sentido de o acompanhar na sua digressão a referida Ilha, visto serem ambos do ofício e ter assim com quem poder conversar em assuntos da missão que ali o levava.
Combinaram-se as coisas de modo que o sr. João Saldanha, não podendo sair da cidade a hora em que o dr. Gomes Carmo partia, em gasolina, com o dr. Carlos Pinto e o major Rodrigo de Souza, faria, entretanto, todo o possível por corresponder a gentileza do convite, indo a Ilha, embora mais tarde, como foi, e ali se encontrariam como de fato se encontraram. É assim que a viagem de estudo do dr. Gomes teve duas fases: uma, com os primeiros dois companheiros, na costa sul da Ilha; outra com o sr. João Saldanha na costa norte, onde estão localizadas as melhores chácaras e as terras em geral são muitíssimo superiores as da costa primeiramente indicada. O sr. dr. Gomes Carmo ficou maravilhado com os produtos das culturas, tanto na totalidade como na qualidade; admirou os vinhedos na exuberância do fruto, muito e belamente desenvolvido; no vigor geral da vara, mau grado a invasão do mildium, em alguns lugares, e sobretudo da anthracnose, devido, em grande parte, diga-se a verdade, a descuidos imperdoáveis do agricultor, que não sulfata em tempo competente nem tantas vezes quantas a vinha necessita.

Em relação às terras, o dr. Gomes Carmo aconselhou, com muito critério científico, o emprego da cal e dos fosfatos (cal hidratada e cinza de ossos) ou de cal de marisco, na qual existe em comum o carbonato e fosfato. Na mesma ocasião e em presença do dr. Gomes Carmo, provou o sr. João de Saldanha, vir dando, há muitos anos, o mesmo conselho, além de outros, as mesmas pessoas que ali se achavam presentes. O dr. Gomes Carmo tudo viu, enfim, e examinou de visu com calma de profissional apaixonado e perito. Finda a inspeção das terras, dos frutos e plantas (...) foram tiradas das competentes pipas e na presença do ilustre visitante, quatro diferentes amostras de vinho, tinto e branco, todo de uva Isabel, desde o superior vinho de mesa, como não há igual no município, nem no estado, até ao tipo da mais fina malvasia para sobremesa de entendidos. O dr. Gomes elogiou muito todos os tipos, fixando mais a sua ponderosa e meditada atenção sobre os brancos, que aliás são de fabricação menos difícil e menos trabalhosa. Da adega passou-se à secção de destilação, anexa mas independente, e aí apreciou a aguardente só de bagaço e borra, que achou, e realmente é, verdadeira especialidade. Aguardente exclusivamente de vinho não havia mais na ocasião. S.S. gostou da disposição da casa, da montagem dos aparelhos e do alambique, que destila uma pipa de cada vez; e referindo-se de novo a dita aguardente, disse achá-la muito superior a muito cognac que por aí se apregoa como artigo de primeira qualidade. De volta a residência, o Gomes Carmo fez a última prova num vinho de vinte e um anos, que o sr. Saldanha fabricou, também de uva Isabel, e que obteve medalha de ouro na última exposição do Rio de Janeiro. S.S., com quanto seja de um temperamento nervoso, não é de arroubamentos. Por estudo ou por ciência própria das coisas, vê e observa com calma prudente e ponderada e por essa razão as suas opiniões são mais apreciáveis. Depois de ter levado a espaços, o dito vinho ao crisol do paladar, apenas disse e foi o bastante: - O melhor vinho da região de Málaga, não é melhor do que este. Isto não é mais vinho, é um licor finíssimo. Em nome dos agricultores da Ilha dos Marinheiros, pedimos ao sr. dr. Gomes Carmo que, pairando como paira lá pelas alturas do Ministério da Agricultura, se interceda por eles quanto em si caiba, de modo que tanto esforço ali despendido, que só conta com a própria iniciativa, seja contemplado na proporção dos seus merecimentos e das suas necessidades.” 

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