Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

terça-feira, 18 de julho de 2017

A CAPITANIA DE SÃO PEDRO E O PORTO DO RIO GRANDE EM 1808

Os escritos deixados por Manoel Antonio de Magalhães (Manoel Antonio de Magalhães. Reflexões políticas interessantes sobre o estado atual da capitania do Rio Grande de São Pedro. Datado de 20 de julho de 1808. In: FREITAS, Décio. O Capitalismo Pastoril. Porto Alegre: EST, 1980, p. 74-102) permite contextualizar o desenvolvimento da Capitania para entender o momento vivido pela Vila e pelo porto do Rio Grande há duzentos anos atrás. Era o ano da vinda de D. João para o Brasil trazendo a Corte portuguesa que fugia da invasão napoleônica. Abertura dos portos e momento de mudança na própria dinâmica do sistema colonial. Em certo sentido, podemos dizer que era o início da decadência do Brasil colonizado e o nascimento do Brasil Independente.

MAGALHÃES, O CONTRATADOR

     Manoel Antonio de Magalhães nasceu em São Bartolomeu da Vila Flor, Portugal, em 1760. Fixou moradia no final do século XVIII em Porto Alegre, exercendo a partir de 1802 funções de administrador do quinto e dízimo, sendo conhecido pela população como Magalhães, o contratador. Faleceu no ano de 1830. Na condição de contratador, Magalhães voltava-se aos interesses fiscais da Coroa Portuguesa que entrava num período de mudanças no pacto colonial metrópole-colônia, afinal, a Coroa Portuguesa está instalada no Brasil a partir de 1808.
    Magalhães elaborou o ensaio dedicado a D. João Reflexões Políticas... onde analisou diferentes aspectos da capitania dos Rio Grande de São Pedro nos primórdios do século 19. Conforme sua definição “a grande experiência que em seis anos colhi na administração dos contratos do quinto e dízimo e municio da tropa de toda a capitania, em que igualmente fui sócio (...) me fez conhecer algumas coisas...”. 
Magalhães observa que a Vila do Rio Grande é a maior da Capitania, com mais de dois mil fogos e nove mil almas, rendendo anualmente de dez para onze mil cruzados. Já a Vila de Porto Alegre sobe de mil e duzentos fogos e seis mil almas, e rende anualmente de seis a sete mil cruzados”.
A atividade pecuarista-charqueadora passava por um período de crise pois uma arroba de carne salgada na Capitania custava 440 a 480, mais fretes e direitos sendo vendido em Porto Alegre por 720. Porém, diariamente chegava de Montevidéu charque por 400 a 480 colocando “em precipício todo o comércio desta capitania, que bem se deve ser a maior força dele a carne, por isso parece que a exportação de gênero de um país estrangeiro deve ser proibida, a querer salvar esta capitania do abismo em que se vai precipitar. Continuando a entrar nessa a sobredita carne”.
Outros problemas afligiam a pecuária. Um deles era à escassez de sal que chegava a um consumo anual de 200 mil alqueires na Capitania. Magalhães considera que deveria ser exploradas salinas em Cabo Frio, na Paraíba, Pernambuco e no Assú. Outro problema era o do contrabando de gado: “É bem verdade que pode haver alguma fraude na entrada por exemplo: em lugar de cinqüenta entraram cem e não pagar senão cinqüenta, por serem os campos largos e os homens que nisto traficam pela maior parte pouco escrupulosos”. O rebanho era constituído de 75% de gado selvagem e criado de forma extensiva, propondo o contratador que os fazendeiros fossem obrigados a fazerem nas suas fazendas os rodeios nos seus gados. Somado a isto, ocorrida à venda de escravos para países platinos, prática que era criticada pelo Contratador: “jamais se deverá consentir a exportação do domínio de toda a América portuguesa escravo algum, pois não só é enfraquecer as nossas colônias (...) mas dar forças ao inimigo, ao mesmo tempo que todas as nossas capitanias se acham na maior necessidade deles...”.
As atividades econômicas tinham como centro a criação de gado e as charqueadas, porém, o autor defende a diversificação produtiva com a agricultura, coleta e atividades artesanais. Considerava que o clima é o melhor do mundo com ares muito puros e sadios, estando ausente epidemias. Havia terras férteis que produziam quase todas as frutas da Europa, mais inferiores em qualidade, mas toda a casta de grãos, hortaliças, couve-flor, brotos, repolhos, alface. “Tem esta capitania de mais a mais o que não tem as outras, a vantagem de muito trigo, couros e carnes que produz. Há muito leite de vaca, cabras e ovelhas, e destas últimas se não faz caso, mas, ou seja, dos pastos onde o não saberem fazer os queijos e manteigas, jamais chegam a fazer-se como os da Irlanda...”. Magalhães lamentava que poucas pessoas criavam porcos pois o plantio de milho, abóbora e legumes para alimenta-los era viável. Ressaltava que a produção de cana-de-açúcar produzia uma boa aguardente mas o açúcar, pela falta de engenhos, era de baixa qualidade. “O arroz é muito bom e de excelente gosto, produz muito bem, mas, não se cuida dele e antes se compra o de fora. Tem várias madeiras de construção, não são tão boas como as do norte do Brasil. Sei que há seis ou sete pés de oliveira na capitania e que se dão muito bem se as plantassem. Em um pé vi eu mesmo azeitonas maduras sem diferença das nossas de Portugal; mas como leva anos, a formar-se, e há muita preguiça e falta de indústria, não se cuida deste grande ramo de comércio que ao diante seria de muitas vantagens”.
A renda da capitania excedia trezentos mil cruzados. Entram pela barra anualmente de 230 ou 240 embarcações de seis, oito, até doze mil arrobas, e todas saem carregadas. Há continuamente navegando nos rios acarretando as cargas os ditos barcos a mais de cem iates, ou canoas, que carregam de 1000 a 1500 arrobas. A importação no ano de 1804 para esta capitania chegou a novecentos e trinta contos, subindo a exportação a 1111 contos. No ano de 1805 chegou a importação a montar 1058 contos e a exportação a 1215 contos. Nos anos de 1806 chegou a importação a 1163 contos e a exportação a 1057 contos. No de 1807 chegou a importação a 1217 contos e a exportação a 1109 contos. Magalhães encerra o seu ensaio ressaltando que a Capitania necessitava muito da ajuda de Sua Majestade para o seu desenvolvimento, investimento que no futuro seria de grande utilidade para o monarca.

       Magalhães publicou uma relação de comerciantes que atuavam na Vila do Rio Grande de São Pedro há duzentos anos atrás, observando-se entre outros Fernandes Braga que era o presidente da Província quando da eclosão da Revolução Farroupilha e Francisco Marques Lisboa, pai do Almirante Tamandaré: “Antonio Francisco dos Anjos, Antonio Francisco dos Santos Abreu, Antonio Gomes Rosa da Cunha, Antonio Rodrigues Fernandes Braga, Antonio de Sá Araújo, Agostinho Moreira Machado, Baltazar Gomes Viana, Carlos Cosme dos Reis, Cipriano Rodrigues Barcelos, Domingos Velho da Silva, Domingos Rodrigues, Domingos de Castro e Antiqueira, Francisco Marques Lisboa, Francisco Barbosa Ferreira, Francisco Ferreira Barbosa, Hipólito José Fernandes, José Vieira da Cunha, José Pinto Martins & Comp., Joaquim José da Cruz Secco, José Thomaz da Silva, José Rodrigues de Barcelos, João Francisco Vieira Braga, José Vieira Lima, José Antônio de Bitancourt, Justino José de Oliveira, José Duarte Nunes, José de Barros Coelho, José Ferreira de Araújo, José de Souza, Ignácio dos Santos Abreu, Padre José Martins Chaves, José Joaquim Bezerra, José de Freitas Guimarães, Miguel Cunha Pereira, Matheus da Cunha Teles, Manoel Ferreira Nunes, Manoel José da Silva Guimarães, Manoel Álvaro de Morais, Manoel Albino Rodrigues de Carvalho, Manoel José de Oliveira Guimarães, Nicolau Cosme dos Reis, Paulino Gomes de Seixas".

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