Os escritos deixados por Manoel
Antonio de Magalhães (Manoel Antonio de Magalhães. Reflexões
políticas interessantes sobre o estado atual da capitania do Rio Grande de São
Pedro. Datado de 20 de julho de 1808. In: FREITAS, Décio. O Capitalismo
Pastoril. Porto Alegre: EST, 1980, p. 74-102) permite contextualizar o
desenvolvimento da Capitania para entender o momento vivido pela Vila e pelo
porto do Rio Grande há duzentos anos atrás. Era o ano da vinda de D. João para
o Brasil trazendo a Corte portuguesa que fugia da invasão napoleônica. Abertura
dos portos e momento de mudança na própria dinâmica do sistema colonial. Em
certo sentido, podemos dizer que era o início da decadência do Brasil
colonizado e o nascimento do Brasil Independente.
MAGALHÃES, O
CONTRATADOR
Manoel Antonio de Magalhães nasceu em São Bartolomeu da
Vila Flor, Portugal, em 1760. Fixou moradia no final do século XVIII em Porto Alegre ,
exercendo a partir de 1802 funções de administrador do quinto e dízimo, sendo
conhecido pela população como Magalhães, o contratador. Faleceu no ano
de 1830. Na condição de contratador, Magalhães voltava-se aos interesses
fiscais da Coroa Portuguesa que entrava num período de mudanças no pacto
colonial metrópole-colônia, afinal, a Coroa Portuguesa está instalada no Brasil
a partir de 1808.
Magalhães elaborou o ensaio dedicado a
D. João Reflexões Políticas... onde analisou diferentes aspectos da
capitania dos Rio Grande de São Pedro nos primórdios do século 19. Conforme sua
definição “a grande experiência que em seis anos colhi na administração dos
contratos do quinto e dízimo e municio da tropa de toda a capitania, em que
igualmente fui sócio (...) me fez conhecer algumas coisas...”.
Magalhães observa que a Vila do Rio Grande é a maior da
Capitania, com mais de dois mil fogos e nove mil almas, rendendo anualmente de
dez para onze mil cruzados. Já a Vila de Porto Alegre sobe de mil e duzentos
fogos e seis mil almas, e rende anualmente de seis a sete mil cruzados”.
A atividade pecuarista-charqueadora passava por um
período de crise pois uma arroba de carne salgada na Capitania custava 440 a 480, mais fretes e
direitos sendo vendido em
Porto Alegre por 720. Porém, diariamente chegava de
Montevidéu charque por 400 a
480 colocando “em precipício todo o comércio desta capitania, que bem se deve
ser a maior força dele a carne, por isso parece que a exportação de gênero de
um país estrangeiro deve ser proibida, a querer salvar esta capitania do abismo
em que se vai precipitar. Continuando a entrar nessa a sobredita carne”.
Outros problemas afligiam a pecuária. Um deles era à
escassez de sal que chegava a um consumo anual de 200 mil alqueires na
Capitania. Magalhães considera que deveria ser exploradas salinas em Cabo Frio , na Paraíba,
Pernambuco e no Assú. Outro problema era o do contrabando de gado: “É bem
verdade que pode haver alguma fraude na entrada por exemplo: em lugar de
cinqüenta entraram cem e não pagar senão cinqüenta, por serem os campos largos
e os homens que nisto traficam pela maior parte pouco escrupulosos”. O rebanho
era constituído de 75% de gado selvagem e criado de forma extensiva, propondo o
contratador que os fazendeiros fossem obrigados a fazerem nas suas fazendas os
rodeios nos seus gados. Somado a isto, ocorrida à venda de escravos para países
platinos, prática que era criticada pelo Contratador: “jamais se deverá
consentir a exportação do domínio de toda a América portuguesa escravo algum,
pois não só é enfraquecer as nossas colônias (...) mas dar forças ao inimigo,
ao mesmo tempo que todas as nossas capitanias se acham na maior necessidade
deles...”.
As atividades econômicas tinham como centro a criação de
gado e as charqueadas, porém, o autor defende a diversificação produtiva com a
agricultura, coleta e atividades artesanais. Considerava que o clima é o
melhor do mundo com ares muito puros e sadios, estando ausente epidemias.
Havia terras férteis que produziam quase todas as frutas da Europa, mais
inferiores em qualidade, mas toda a casta de grãos, hortaliças, couve-flor,
brotos, repolhos, alface. “Tem esta capitania de mais a mais o que não tem as
outras, a vantagem de muito trigo, couros e carnes que produz. Há muito leite
de vaca, cabras e ovelhas, e destas últimas se não faz caso, mas, ou seja, dos
pastos onde o não saberem fazer os queijos e manteigas, jamais chegam a
fazer-se como os da Irlanda...”. Magalhães lamentava que poucas pessoas criavam
porcos pois o plantio de milho, abóbora e legumes para alimenta-los era viável.
Ressaltava que a produção de cana-de-açúcar produzia uma boa aguardente mas o
açúcar, pela falta de engenhos, era de baixa qualidade. “O arroz é muito bom e
de excelente gosto, produz muito bem, mas, não se cuida dele e antes se compra
o de fora. Tem várias madeiras de construção, não são tão boas como as do norte
do Brasil. Sei que há seis ou sete pés de oliveira na capitania e que se dão
muito bem se as plantassem. Em um pé vi eu mesmo azeitonas maduras sem
diferença das nossas de Portugal; mas como leva anos, a formar-se, e há muita
preguiça e falta de indústria, não se cuida deste grande ramo de comércio que
ao diante seria de muitas vantagens”.
A renda da capitania excedia trezentos mil cruzados.
Entram pela barra anualmente de 230 ou 240 embarcações de seis, oito, até doze
mil arrobas, e todas saem carregadas. Há continuamente navegando nos rios
acarretando as cargas os ditos barcos a mais de cem iates, ou canoas, que
carregam de 1000 a
1500 arrobas. A importação no ano de 1804 para esta capitania chegou a novecentos
e trinta contos, subindo a exportação a 1111 contos. No ano de 1805 chegou a
importação a montar 1058 contos e a exportação a 1215 contos. Nos anos de 1806
chegou a importação a 1163 contos e a exportação a 1057 contos. No de 1807
chegou a importação a 1217 contos e a exportação a 1109 contos. Magalhães
encerra o seu ensaio ressaltando que a Capitania necessitava muito da ajuda de
Sua Majestade para o seu desenvolvimento, investimento que no futuro seria de
grande utilidade para o monarca.
Magalhães publicou uma relação de
comerciantes que atuavam na Vila do Rio Grande de São Pedro há duzentos anos
atrás, observando-se entre outros Fernandes Braga que era o presidente da
Província quando da eclosão da Revolução Farroupilha e Francisco Marques
Lisboa, pai do Almirante Tamandaré: “Antonio Francisco dos Anjos, Antonio
Francisco dos Santos Abreu, Antonio Gomes Rosa da Cunha, Antonio Rodrigues
Fernandes Braga, Antonio de Sá Araújo, Agostinho Moreira Machado, Baltazar
Gomes Viana, Carlos Cosme dos Reis, Cipriano Rodrigues Barcelos, Domingos Velho
da Silva, Domingos Rodrigues, Domingos de Castro e Antiqueira, Francisco
Marques Lisboa, Francisco Barbosa Ferreira, Francisco Ferreira Barbosa,
Hipólito José Fernandes, José Vieira da Cunha, José Pinto Martins & Comp.,
Joaquim José da Cruz Secco, José Thomaz da Silva, José Rodrigues de Barcelos,
João Francisco Vieira Braga, José Vieira Lima, José Antônio de Bitancourt,
Justino José de Oliveira, José Duarte Nunes, José de Barros Coelho, José
Ferreira de Araújo, José de Souza, Ignácio dos Santos Abreu, Padre José Martins
Chaves, José Joaquim Bezerra, José de Freitas Guimarães, Miguel Cunha Pereira,
Matheus da Cunha Teles, Manoel Ferreira Nunes, Manoel José da Silva Guimarães,
Manoel Álvaro de Morais, Manoel Albino Rodrigues de Carvalho, Manoel José de
Oliveira Guimarães, Nicolau Cosme dos Reis, Paulino Gomes de Seixas".
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