Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

terça-feira, 18 de julho de 2017

A REVOLUÇÃO COMERCIAL

A constituição de um grupo mercantil no Rio Grande do Sul esteve ligado aos interesses de negociantes do Rio de Janeiro neste comércio e nas transações com a Colônia do Sacramento. Segundo Helen Osório, as vinculações econômicas e sociais dos negociantes da praça do Rio de Janeiro com o espaço do Rio Grande de São Pedro remontam a 1737, data da fundação do primeiro estabelecimento oficial português, e a todo esforço de manutenção da Colônia do Sacramento como entreposto do comércio luso-brasileiro. As exportações de charque, couro e trigo, através do Porto da Vila do Rio Grande tornaram-se relevantes em nível de abastecimento interno da América Portuguesa a partir da década de 1780. Esta circulação representou de 28 a 49% do valor das exportações (com exceção dos metais preciosos) do Rio de Janeiro para Portugal no período de 1802 a 1807. Excetuando-se os couros, cujo mercado central era a Europa, os produtos oriundos da Capitania do Rio Grande de São Pedro distribuíam-se pelas praças do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. A produção destinada ao mercado interno colonial, garantia um maior equilíbrio desta demanda frente às crises econômicas internacionais que envolviam a exportação para Portugal. Se o maior comprador de charque sulino foi a Bahia, o principal parceiro comercial foi o Rio de Janeiro, pois para esta cidade dirigia-se a maioria do trigo e produtos agrícolas, provindo do Porto do Rio de Janeiro, dois terços dos escravos importados pela Capitania do Rio Grande, além de produtos têxteis e manufaturas européias.
Para a historiadora Helen Osório, os principais negociantes do Rio Grande do Sul eram majoritariamente externos à Capitania e foram correspondentes ou momentaneamente sócios dos homens de grosso trato do Rio de Janeiro. Foi comum a constituição de sociedades comerciais entre irmãos, como é o caso José Antônio Guimarães estabelecido no Rio de Janeiro e Manuel José de Oliveira Guimarães, que transferiu-se para a Vila do Rio Grande após 1796. Manuel casou-se na Vila e morreu em 1812. Tornara-se um dos maiores comerciantes da região e charqueador, possuindo 135 escravos, porém, continuava dependente dos capitais do irmão que comerciava no Rio de Janeiro. A forte praça comercial carioca, apresentava uma elite mercantil mais antiga e rica, que monopolizava o setor financeiro estabelecendo a dependência de segmentos econômicos periféricos. As instabilidades econômicas e as dificuldades de implementação do capitalismo liberal, fizeram com que a elite mercantil diversificasse os investimentos para fugir de uma falência total ao aplicar todos os capitais num ramo específico de negócios. Um exemplo desta diversificação são os comerciantes-charqueadores que possuíam lojas, barcos, produziam charque, emprestavam dinheiro, além de possuírem atividades ligadas a estância e a produção agrícola.

O COMÉRCIO NA VILA DO RIO GRANDE
          Conforme Maria Luiza Queiróz, o desenvolvimento da Freguesia e Vila do Rio Grande nas duas primeiras décadas do século XIX esteve, sem dúvida, vinculado estreitamente à expansão da região pelotense, mas o seu desligamento não trará efeitos sensíveis sobre a dinâmica de sua evolução. Prevalece, até o fim do período colonial, a centralização das atividades econômicas da Capitania em torno da pecuária e do charque, cujas transações comerciais eram centralizadas no porto e Vila do Rio Grande. Através do porto, Rio Grande garantiu um considerável nível de desenvolvimento, que refletiu-se no crescimento da área urbana. Este desenvolvimento ganhou um vulto assombroso se consideradas as críticas condições que marcaram sua existência ao longo dos mais de setenta anos decorridos desde sua fundação e, sobretudo, se levado em conta que as suas condições físicas adversas prevalecem, ainda, nesta fase de prosperidade.
Para Queiróz, no início do século XIX, Rio Grande é o principal centro de comércio da Capitania, estando o crescimento sócio-econômico ligado diretamente ao movimento portuário, o qual repercute num aumento da demanda de serviços portuários e de reparos de navios o que constitui uma fonte de geração de empregos. Surgiu uma elite comercial muitas vezes associada aos setores de produção do interior da Freguesia ou da Capitania. A formação desta elite remonta a década de 1780 contando a Vila, no ano de 1808, a presença de quarenta comerciantes. Desses, a preponderância é de portugueses seguidos de comerciantes oriundos da Colônia do Sacramento, do Rio de Janeiro, de Viamão e  da Ilha de Santa Catarina. Dos três comerciantes restantes, um era espanhol, um era italiano e somente um era natural da Freguesia do Rio Grande. John Luccock considerou Rio Grande como “o maior mercado do Brasil Meridional” destacando que os principais negociantes da Capitania estavam estabelecidos na Vila. Segundo a autora, nenhum exagero incorre na afirmação de que todo o progresso e desenvolvimento da Vila do Rio Grande adveio da sua função comercial e da ação interessada e direta de seus comerciantes, diante de seus problemas mais graves, substituindo a inércia a que a Câmara local se via obrigada em razão de contar com rendimentos que não garantiam, sequer, a sua própria manutenção.
           No ano de 1822, a Vila estava constituída por vinte e quatro lojas de fazendas, quinze armazéns de atacado, três boticas, dois ferreiros, dois tanoeiros, dois ourives, duas lojas de louça, dois latoeiros e um caldeiro, estando a maior parte destas casas  comerciais situadas na rua da Praia, junto ao porto. As melhores residências construídas com tijolos e lenhas, trazidos de Porto Alegre, e várias com sacadas e balcões de ferro, pertenciam aos comerciantes. Neste ano, haviam seis ruas principais correndo paralelas ao porto, cruzadas por becos estreitos, inexistindo calçamento. A presença da areia dificultava inclusive o deslocamento dos pedestres ou carroças, e no caso de fortes ventos, o comércio era obrigado a fechar as portas. A população pobre, ocupando cabanas feitas de barro e cobertas de palha, habitavam o setor antigo da Vila, constituído por quatro ruas paralelas e becos. 
             Em 1823, foram concluídas as obras de construção do porto e a dragagem do cais, permitindo que navios com mais de duzentas toneladas, que até então só tinham acesso ao Porto de São José do Norte, ancorassem no Porto da Vila do Rio Grande. Foram obras realizadas com a participação financeira dos comerciantes da Vila, os quais estiveram envolvidos também em outras obras públicas como a edificação de um teatro. O papel comercial, nos primórdios do século XIX, superou a função militar da Vila. Até o símbolo inicial da ocupação bélica, o desativado Forte Jesus-Maria-José, passou a sediar um semáforo sinalizador para os navios que navegavam pela barra. Para John Luccock, os canhões herdados dos espanhóis que ainda encontravam-se no Forte, foram montados sobre carretas que estavam colocadas num círculo suficientemente distante do canal para não causar o mínimo aborrecimento a um inimigo que se aproximava e se desmantelariam ao primeiro disparo.

          O ritmo comercial da Vila redefine o seu papel histórico de praça militarizada passando para centro portuário de escoamento de toda produção da Capitania dirigido ao mercado interno brasileiro. Como observou Auguste de Saint-Hilaire, a Vila era o centro de considerável comércio de carne seca, de couros, sebo e trigo. Negociantes ricos os há em quantidade; o mobiliário das casas e a aparência dos homens demonstram em geral a abastança deste grupo comercial. 
Ilustração: Porto Velho no final do século XIX. Biblioteca Rio-Grandense.


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