A constituição de um grupo mercantil no Rio Grande do Sul
esteve ligado aos interesses de negociantes do Rio de Janeiro neste comércio e
nas transações com a Colônia do Sacramento. Segundo Helen Osório, as
vinculações econômicas e sociais dos negociantes da praça do Rio de Janeiro com
o espaço do Rio Grande de São Pedro remontam a 1737, data da fundação do
primeiro estabelecimento oficial português, e a todo esforço de manutenção da
Colônia do Sacramento como entreposto do comércio luso-brasileiro. As
exportações de charque, couro e trigo, através do Porto da Vila do Rio Grande
tornaram-se relevantes em nível de abastecimento interno da América Portuguesa
a partir da década de 1780. Esta circulação representou de 28 a 49% do valor das exportações
(com exceção dos metais preciosos) do Rio de Janeiro para Portugal no período
de 1802 a
1807. Excetuando-se os couros, cujo mercado central era a Europa, os produtos
oriundos da Capitania do Rio Grande de São Pedro distribuíam-se pelas praças do
Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. A produção destinada ao mercado interno
colonial, garantia um maior equilíbrio desta demanda frente às crises
econômicas internacionais que envolviam a exportação para Portugal. Se o maior
comprador de charque sulino foi a Bahia, o principal parceiro comercial foi o
Rio de Janeiro, pois para esta cidade dirigia-se a maioria do trigo e produtos
agrícolas, provindo do Porto do Rio de Janeiro, dois terços dos escravos
importados pela Capitania do Rio Grande, além de produtos têxteis e manufaturas
européias.
Para a historiadora Helen Osório, os principais
negociantes do Rio Grande do Sul eram majoritariamente externos à Capitania e
foram correspondentes ou momentaneamente sócios dos homens de grosso trato do
Rio de Janeiro. Foi comum a constituição de sociedades comerciais entre irmãos,
como é o caso José Antônio Guimarães estabelecido no Rio de Janeiro e Manuel
José de Oliveira Guimarães, que transferiu-se para a Vila do Rio Grande após
1796. Manuel casou-se na Vila e morreu em 1812. Tornara-se um dos maiores
comerciantes da região e charqueador, possuindo 135 escravos, porém, continuava
dependente dos capitais do irmão que comerciava no Rio de Janeiro. A forte
praça comercial carioca, apresentava uma elite mercantil mais antiga e rica,
que monopolizava o setor financeiro estabelecendo a dependência de segmentos
econômicos periféricos. As instabilidades econômicas e as dificuldades de
implementação do capitalismo liberal, fizeram com que a elite mercantil
diversificasse os investimentos para fugir de uma falência total ao aplicar
todos os capitais num ramo específico de negócios. Um exemplo desta
diversificação são os comerciantes-charqueadores que possuíam lojas, barcos,
produziam charque, emprestavam dinheiro, além de possuírem atividades ligadas a
estância e a produção agrícola.
O COMÉRCIO
NA VILA DO RIO GRANDE
Conforme Maria Luiza Queiróz, o
desenvolvimento da Freguesia e Vila do Rio Grande nas duas primeiras décadas do
século XIX esteve, sem dúvida, vinculado estreitamente à expansão da região
pelotense, mas o seu desligamento não trará efeitos sensíveis sobre a dinâmica
de sua evolução. Prevalece, até o fim do período colonial, a centralização das
atividades econômicas da Capitania em torno da pecuária e do charque, cujas
transações comerciais eram centralizadas no porto e Vila do Rio Grande. Através
do porto, Rio Grande garantiu um considerável nível de desenvolvimento, que
refletiu-se no crescimento da área urbana. Este desenvolvimento ganhou um vulto
assombroso se consideradas as críticas condições que marcaram sua existência ao
longo dos mais de setenta anos decorridos desde sua fundação e, sobretudo, se
levado em conta que as suas condições físicas adversas prevalecem, ainda, nesta
fase de prosperidade.
Para Queiróz, no início do século XIX, Rio
Grande é o principal centro de comércio da Capitania, estando o crescimento
sócio-econômico ligado diretamente ao movimento portuário, o qual repercute num
aumento da demanda de serviços portuários e de reparos de navios o que constitui
uma fonte de geração de empregos. Surgiu uma elite comercial muitas vezes
associada aos setores de produção do interior da Freguesia ou da Capitania. A
formação desta elite remonta a década de 1780 contando a Vila, no ano de 1808, a presença de quarenta
comerciantes. Desses, a preponderância é de portugueses seguidos de
comerciantes oriundos da Colônia do Sacramento, do Rio de Janeiro, de Viamão
e da Ilha de Santa Catarina. Dos três
comerciantes restantes, um era espanhol, um era italiano e somente um era
natural da Freguesia do Rio Grande. John Luccock considerou Rio Grande como “o
maior mercado do Brasil Meridional” destacando que os principais negociantes da
Capitania estavam estabelecidos na Vila. Segundo a autora, nenhum exagero
incorre na afirmação de que todo o progresso e desenvolvimento da Vila do Rio
Grande adveio da sua função comercial e da ação interessada e direta de seus
comerciantes, diante de seus problemas mais graves, substituindo a inércia a
que a Câmara local se via obrigada em razão de contar com rendimentos que não
garantiam, sequer, a sua própria manutenção.
No ano de 1822, a Vila estava
constituída por vinte e quatro lojas de fazendas, quinze armazéns de atacado,
três boticas, dois ferreiros, dois tanoeiros, dois ourives, duas lojas de
louça, dois latoeiros e um caldeiro, estando a maior parte destas casas comerciais situadas na rua da Praia, junto ao
porto. As melhores residências construídas com tijolos e lenhas, trazidos de
Porto Alegre, e várias com sacadas e balcões de ferro, pertenciam aos
comerciantes. Neste ano, haviam seis ruas principais correndo paralelas ao
porto, cruzadas por becos estreitos, inexistindo calçamento. A presença da
areia dificultava inclusive o deslocamento dos pedestres ou carroças, e no caso
de fortes ventos, o comércio era obrigado a fechar as portas. A população
pobre, ocupando cabanas feitas de barro e cobertas de palha, habitavam o setor
antigo da Vila, constituído por quatro ruas paralelas e becos.
Em 1823, foram concluídas as obras de construção
do porto e a dragagem do cais, permitindo que navios com mais de duzentas
toneladas, que até então só tinham acesso ao Porto de São José do Norte,
ancorassem no Porto da Vila do Rio Grande. Foram obras realizadas com a
participação financeira dos comerciantes da Vila, os quais estiveram envolvidos
também em outras obras públicas como a edificação de um teatro. O papel
comercial, nos primórdios do século XIX, superou a função militar da Vila. Até
o símbolo inicial da ocupação bélica, o desativado Forte Jesus-Maria-José,
passou a sediar um semáforo sinalizador para os navios que navegavam pela
barra. Para John Luccock, os canhões herdados dos espanhóis que ainda
encontravam-se no Forte, foram montados sobre carretas que estavam colocadas
num círculo suficientemente distante do canal para não causar o mínimo
aborrecimento a um inimigo que se aproximava e se desmantelariam ao primeiro
disparo.
O ritmo comercial da Vila redefine o seu
papel histórico de praça militarizada passando para centro portuário de escoamento
de toda produção da Capitania dirigido ao mercado interno brasileiro. Como
observou Auguste de Saint-Hilaire, a Vila era o centro de considerável comércio
de carne seca, de couros, sebo e trigo. Negociantes ricos os há em quantidade;
o mobiliário das casas e a aparência dos homens demonstram em geral a abastança
deste grupo comercial.
Ilustração: Porto Velho no final do século XIX. Biblioteca Rio-Grandense.
Ilustração: Porto Velho no final do século XIX. Biblioteca Rio-Grandense.
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