Domingos Faustino Corrêa. |
“Em nome de Deus Amém, Eu o Comendador Domingos achando-me em pleno gozo das minhas faculdades intelectuaes, resolvi despor para depois da minha morte, dos bens que possuo pela forma seguinte: antes, porem, de o fazer entendo que preciso as seguintes declarações: Que nasci e fui batizado na Freguezia do Thaim e sou filho legitimo do Senhor Faustino Corrêa e de sua esposa Senhora Dona Izabel de Bruno Corrêa, ambos fallecidos há muitos anos. Que fui casado em primeiras nupceas com a Senhora Dona Leonor Maria Corrêa, fallecida, de cujo consorcio não tivemos filhos, etc (...) Ano do Nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristho de mil oitocentos e setenta e tres. Aos onze dias do mês de junho nesta cidade do Rio Grande em casa de moradia do Comendador bem conhecido de mim tabelião e das testemunhas abaixo assinadas...”.
O comendador Correa nasceu no Taim em 1790 e faleceu
aos 83 anos nos Canudos, Taim sendo enterrado no cemitério de Santa Isabel. Em
Minas Gerais teria enriquecido com atividades de exploração de pedras preciosas
e construído um grande patrimônio em imóveis e terras no Brasil e Uruguai.
O artigo de Virgilina Gularte Fidelis de
Palma “O Processo de Inventário do Comendador Domingos Faustino Correa” (https://www.tjrs.jus.br)
esclarece sobre um assunto que se tornou uma lenda no imaginário popular. Vou
extrair, da publicação, algumas passagens que possam sintetizar algumas
interpretações sobre o assunto.
Para a autora o processo que estudou é um dos
“mais famosos, se não o mais famoso que tramitou em foros brasileiros. A
análise dos mais de mil volumes, uma autêntica pesquisa arqueológica, foi a
obra-prima da articulista, cuja realização exigiu muitos anos. O núcleo do
trabalho é o exame minucioso dos testamentos do Comendador e de sua mulher,
Leonor Maria Correa, pleno de cláusulas complexas, fruto do capricho dos
testadores”.
O processo de inventário do Comendador
Domingos Faustino Correa é, com certeza, o feito que mais tempo demandou na
Justiça do Rio Grande do Sul. O Comendador, no leito de morte, mandou redigir
seu testamento em 11 de junho de 1873, vindo a falecer 18 dias após. O
inventário deu entrada em Juízo em 27 de junho de 1874. O processo tramitou em
Juízo por 107 anos, gerando uma verdadeira corrida atrás do “ouro” deixado pelo
inventariado.
Ao longo desse tempo, milhares de “herdeiros”
se habilitaram à herança, cuja meação do Comendador jamais foi partilhada aos
supostos herdeiros. A esposa do Comendador, Dona Leonor Maria Correa havia
falecido no ano de l865 e também deixou lavrado seu testamento, datado de 04 de
maio de 1850. Pode-se dizer que foi o testamento dela o embrião da celeuma
criada em torno da fortuna do casal. Ao morrer, Dona Leonor, que não teve
filhos, instituiu seu marido, o Comendador Domingos Faustino Correa,
usufrutuário universal da meação de seus bens no espólio. Ao lavrar seu
testamento, o Comendador nomeou dois inventariantes: um para o Império do
Brasil, o Dr. Pio Angelo da Silva e outro para proceder ao inventário dos bens
situados no Estado Oriental (Uruguai), Dom Carlos Regles. Há notícias,
inclusive, de que lá também tramitou um feito de inventário tão complexo quanto
o processo em tela.
Caprichoso nas disposições e rico na
imaginação foi o Comendador Domingos Faustino Corrêa ao lavrar seu testamento.
Um verdadeiro labirinto de idéias e de disposições quase impossíveis de serem
cumpridas, além da exclusão de herdeiros de sua esposa falecida. Ele deixou uma
légua e meia de campo para suas, como escrito no testamento, “crias” (14 filhos
dele com escravas), e distribuiu sua fortuna para amigos como exemplo o dr. Pio
Angelo da Silva que era seu inventariante e testamenteiro além de compadres,
sobrinho, sobrinha etc.
Dessa forma, para responder por que tanta
demora no deslinde do feito, é preciso dividir o processo em duas fases de
tramitação: a fase em que a Justiça estava atrelada ao arbítrio dos governantes
e em que já havia um enorme número de herdeiros arrolados na petição inicial,
pois além dos três irmãos de Dona Leonor Maria havia os descendentes de onze
irmãos do Comendador, ou seja, por cabeça, quatorze pessoas litigando. Tudo
isso associado à demora relativa aos prazos, que a lei a todos concede. A outra
fase é a da década de 1970, quando, por meio de rescisória, o processo foi
novamente reaberto e se possibilitou uma avalanche de petições de todas as
partes do mundo. Até hoje, contadas 50 das 483 caixas, obteve-se um total de
1.952 petições e 6.336 “habilitados”, em um período médio de seis meses, porém,
somente dois foram considerados como herdeiros.
Quanto à avalanche de petições, ocorrida na
década de 1970, uma verdadeira corrida ilusória atrás da fortuna do Comendador,
constata-se que teve início em 1966 com a morte do inventariante José Joaquim
de Oliveira Cardoso, cuja notícia só veio aos autos dois anos depois. A
inventariante que o substituiu e, também, a última que atuou no feito
habilitou-se em 1968, só peticionando nos autos em 1972. A partir daí, com a
petição da última inventariante, na qual constava um fantasioso rol de 109 bens
imóveis de propriedade do Comendador, começou toda a propaganda em torno da
suposta “herança”, noticiada na imprensa do mundo inteiro como “ouro caído do
céu” ou a “herança do século”. A fantasia desse novo rol de bens demandou uma
exaustiva pesquisa em Cartórios de Registros de Imóveis, no Arquivo Público e
no INCRA e só teve fim com uma nova palavra de ordem do Tribunal de Justiça,
arquivando definitivamente o processo em 1984.
Quanto à questão da notícia corrente de que
ninguém nada recebeu, não é verdade. No início do processo, os herdeiros de
Dona Leonor Maria Correa receberam sua parte na herança, como se vê,
claramente, pelas prestações de contas do testamenteiro, à época. Esses
comprovantes demandam volumosa documentação nos autos, tudo devidamente registrado.
Foi a meação do Comendador que gerou toda a celeuma, e por duas razões: pelo
quase imensurável rol de habilitados e pelas disposições caprichosas do
testador que possibilitavam sempre aos advogados novos argumentos às decisões
judiciais; e a modernização da Justiça gaúcha associada às mudanças no Direito
das pessoas e das coisas possibilitou se arrastasse o litígio por mais de um
século, garantindo, por exemplo, aos usufrutuários das terras do Comendador o
direito de peticionar e obter a usucapião.
O mito da herança hoje repousa - enquanto
fonte para a pesquisa - no Centro de Documentação Histórica da FURG. Ali se
encontra o volumoso processo que tem mais de 500.000 folhas e que teve mais de
50 mil supostos herdeiros da fortuna.
A vergonha desse processo é que o comendador deixou bem claro, enquanto o último bisneto viver o inventário não pode ser aberto o que me diz que ainda há bisnetos vivos próximo dos 100 anos e por essa lógica, os únicos herdeiros necessários são os tataranetos, minha geração, tudo o que foi feito antes trata-se de incompetência lamentável do judiciário e do Estado brasileiro, que não preservou as ordens do réu, que grafou bem claro para que todos entendessem seu desejo, punindo 3 gerações que segundo ele, não mereciam tal reconhecimento e que só seus tataranetos paralelos, teriam essa fortuna como seu bem, já que seus filhos escravos receberam parte da fortuna.
ResponderExcluirPelo que soube foram reconhecidos somente dois herdeiros. Foram divulgados os seus nomes? Eles algum dia ainda poderão ter acesso a esses bens?
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