A imprensa da cidade do Rio Grande deixou
inesgotáveis registros de acontecimentos e perspectivas que a população vivia
em algum momento do tempo. Os escritores construíam cenários positivos ou
negativos, em movimentos voltados ao passado e projetados ao futuro. Um exemplo
é um articulista que assina com as iniciais “A. E.” autor de “O Passado e o
Presente” publicado no Diário do Rio
Grande de 19 de outubro de 1853. Ele faz um balanço de uma década: o
período entre 1843 a 1853. Ou seja, durante a Revolução Farroupilha e após este
processo. Muitos articulistas ressaltam que a cidade estagnou economicamente
durante a Revolução entrando em decadência. Além de receber muitos refugiados,
alguns moradores da cidade migraram para fora do Rio Grande do Sul durante a
guerra civil.
Na perspectiva do articulista, Rio Grande em
1853 “já não é aquela cidade onde só chegavam os refugiados de Porto Alegre,
Pelotas, Jaguarão e mais vilas da campanha, por temor da revolta de 1835; não,
ela tem tomado uma outra vereda, e o espírito temorato que nos dominava de todo
se tem evacuado; há dez anos, esta bela cidade vivia despida de tudo quanto lhe
é digno, e privada até de seus velhos filhos e caros afeiçoados; ela vivia,
não, ela jazia qual colônia desprezível situada em campina estéril. Cessa a
revolta de 1835, nova vista apresenta o Rio Grande: uns retiram-se e outros buscam a pátria
querida e a olhos vistos cresce a população de dia-a-dia, assim marchando a
nossa cidade, o acanhamento desaparece, e após dele surge a inteligência; as
primeiras necessidades se vão efetuando, o gênio empreendedor põe-se em campo,
e no lidar de dois lustros, eis que se apresenta a cidade do Rio Grande qual
Moscou. Há dez anos pouco mais era que o antigo abarracamento das tropas
portuguesas em 1738, ela que no longo espaço de um século e um lustro nada
desenvolveu, tem mostrado agora o processo que levamos.
Até 1843, seu comércio era diminuto, seu
ancoradouro limitado, sua população fraca e desenvolvimento algum mostrava, a
navegação interior pouco mais orçava de uma dúzia de pequenos iates e um único
vapor mercante que navegava para Pelotas. E hoje? A cidade do Rio Grande é a
primeira da província; mergulhada em um comércio enorme, conta no seu
ancoradouro mais de oitenta navios de barra-afora; sua navegação interior
computa-se a 200 iates e 6 vapores. Ela contém hoje uma boa alfândega e regular
praça de mercado público acabadas no período destes 10 anos; contém rica casa
do comércio, uma companhia de seguros, uma caixa filial anexa ao Banco do Brasil,
sua barra tem um dos melhores e mais ricos faróis do Brasil, um telégrafo, um
vapor de reboques. Conta com um soberbo prédio para as sessões da Câmara
Municipal, júri e mais autoridades, um espaçoso e elegante hospital militar,
dois grandes quartéis, sendo uma obra rica, um bem organizado gabinete de leitura,
duas empresas tipográficas com dois jornais mercantis diários; está se
construindo uma admirável casa de caridade (apesar do pio e bem montado
estabelecimento que existe já desse gênero), uma gigantesca cadeia civil e uma
fortificação que será eterna, ao oeste da cidade. A cidade do Rio Grande tem
muitas propriedades de mais de um andar, de alto preço e bom gosto; tem algumas
fábricas e muitas oficinas; ao sul da cidade o antigo ‘pântano’ é uma cidade;
tem-se aberto várias ruas e feito grandes melhorias a bem de seu
aformoseamento”.
Estes ufanismos excessivos acabam quase
sempre em decepção, mas são relevantes para o pesquisador caracterizar mudanças
urbanas que estão ocorrendo, nas quais os articulistas fazem uma contraposição entre o decadente e o novo,
como se a cidade renascesse das ruínas. Este novo, ao degradar-se ou não
corresponder às expectativas, será alvo de críticas pelas gerações futuras que
buscam novos referenciais de modernidade. Um acontecer dialético inerente ao
processo civilizatório.
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