Porto do Rio Grande em 1908

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quarta-feira, 12 de julho de 2017

O TEATRO DOS VAMPIROS DO POLITEAMA

O tradicional “Teatro dos Vampiros” pela primeira vez estava se apresentando em Rio Grande, tendo feito a sua última escala no Porto de Laguna. Foi apenas um espetáculo, pois estavam de passagem para a turnê em Buenos Aires. O líder do grupo se chamava Armand e vinha de Paris, onde fazia um grande sucesso numa cidade que respirava muitas trevas antes de virar o cartão-postal da cidade luz da Belle Époque. As vielas estreitas e escuras escondiam muitos segredos de desaparecimentos de inúmeros moradores que dias depois apareciam boiando no Rio Sena. A banalização da morte em tempos de alta mortalidade e de inúmeros suicídios, somada a decomposição avançada, fazia com que os sinais óbvios da drenagem de sangue e de orifícios sutis no pescoço não fossem percebidos. Os comentários de que eles moravam nas catacumbas de Paris, junto a um antigo cemitério, também não chamou a atenção dos parisienses.
Apesar de toda literatura vampírica que passou a assolar a Europa Ocidental desde a década de 1730, ninguém se importou que os atores do “Teatro dos Vampiros” eram oriundos da região da Romênia, região tradicional de relatos do vampiro eslavo. Na França, acreditava-se estar num mundo moderno, de intensa Revolução Industrial e deslocamento de população camponesa para a periferia de Paris, passando despercebido os detalhes mais óbvios da epidemia vampírica reinante. A população ainda estava mergulhada na voracidade dos antigos problemas das doenças agora catalisadas para os espaços das vielas estreitas cada vez mais saturadas pelos antigos camponeses expulsos de suas terras. A barbárie que assolava o proletariado e assustava a aristocracia/burguesia pelo nível de violência social, pesava mais do que as antigas lendas. Afinal, o consumo de gim era tão alto e a sífilis devorava os corpos com uma voracidade tal que uma horda de vampiros não passava de um parque de diversões ou um espetáculo mambembe a mais. Os parisienses achavam divertido e assustador assistir a “simulação” da ação sanguinária durante as apresentações! Shows de aberrações eram comuns no século XIX, com pessoas ou animais deformados que chamavam a atenção do público embrutecido pelas difíceis condições de vida, pelas guerras contínuas ou pela restrita assimilação dos princípios iluministas das luzes e da razão. Construir a fraternidade num mundo de brutalidade já era um grande desafio que andava lado a lado com todo um passado de bruxarias, violências e mortos vivos que vagavam pelas cidades européias. As fronteiras iam se tornando cada vez mais abertas à circulação de migrantes frente à expansão do capitalismo. O planeta vai se tornando pequeno e interligado por uma grande rede de rotas de navegação.
Uma destas rotas traz o “Teatro dos Vampiros” a Rio Grande e a única apresentação ocorrida naquela noite do dia 3 de julho de 1884 foi inesquecível! Noite fria e de vento cortante, Teatro Politeama lotado e grande movimentação de pessoas em sua frente, na atual Praça Xavier Ferreira (no local do prédio da Câmara do Comércio desde 1941). Continuamente chegavam charretes e em frente ao teatro os lampiões iluminavam sua fachada de madeira e as luzes projetavam imagens distorcidas nas águas do cais do Porto Velho que ficava ao fundo. 
Os atores não foram vistos durante o dia, saindo do navio após o Sol se pôr e foram direto para o teatro. O espetáculo teve início e a encenação girava em torno de personagens masculinos e femininos, recitarem termos demoníacos e frases que enfatizavam uma psique envolta em sombras e delírios. Contavam histórias de mortos que retornavam de suas covas alguns dias depois de serem enterrados e acabavam provocando uma estranha doença em que as pessoas iam enfraquecendo, se tornando pálidas e emagreciam até falecerem.  Também contavam histórias de vilas européias em que nenhuma pessoa sobreviveu após receberem a visita de um grupo mambembe (o “Circo dos Vampiros”) cujos atores teriam transmitido uma estranha doença. O ponto alto foi quando dois intérpretes, trajados com capas pretas e máscaras, arrastaram uma jovem (que embarcou no Porto de Laguna) que gritava pedindo socorro, num nível de realismo que deixa a platéia apreensiva e chocada com a parcial nudez da moça que chocou os presentes e que fez dilatar as pupilas dos homens e constranger as mulheres. Neste tempo, os homens freqüentavam os espaços públicos ou lúdicos armados, o que era comum também no teatro. Um cidadão esbraveja e saca o seu revólver ameaçando os atores e exigindo que larguem a aflita jovem. Uma mulher com um manto negro e maquiagem de morta viva, saída da plateia, segura a mão do homem e diz que ele vai estragar a representação da peça e que todos eram apenas intérpretes. A gritaria no Politeama se transforma em silêncio e a peça é retomada com vigor redobrado e os gritos da jovem se tornam ainda mais dilacerantes e reais, que fariam até Anne Rice se arrepiar. Assim como parecia real o sangue que começou a escorrer do seu pescoço quando um dos personagens, o líder Armand, lhe beija agressivamente o pescoço e ela desmaia. Na sequência, com avidez, todos os integrantes se lançam ao corpo da mulher e parecem sugar o seu sangue como se tivessem pressa para bebê-lo ainda quente. A cortina se fecha abruptamente! A plateia por instantes fica estagnada nas cadeiras e os atores não mais aparecem! O responsável pelo teatro, o Sr. Albano, avisa num berro que rompe a estática: o espetáculo acabou!
Antes do Sol nascer no horizonte o navio partiu para Buenos Aires e o “Teatro dos Vampiros” ficaria no esquecimento não fosse o desaparecimento de uma jovem de 18 anos, que fora vista pela última vez caminhando antes da apresentação numa área escura da Praça Xavier Ferreira. Será que ela teria se juntado voluntariamente ao grupo para a apresentação em Buenos Aires? 

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