A Ilha dos Marinheiros atraiu a atenção das
autoridades portuguesas que ocuparam a margem sul do canal do Rio Grande a
partir de fevereiro de 1737. Em 1739,
a Ilha foi dividida pelo comandante do Rio Grande André
Ribeiro Coutinho em três sesmarias pertencentes a Antônio dos Anjos, Antônio
Araújo Vilella e Antônio Pereira de Farias, que deveriam conter a derrubada
indiscriminada da mata nativa. Porém, em 1744, a propriedade da Ilha
foi alterada, passando para Marçal da Silva Veiga.
DOCUMENTO DE 1780
Sebastião Bettamio relatou em texto de 1780, a devastação que a
Ilha já havia sofrido e as alternativas para continuidade da exploração da
madeira: “Defronte da vila em distância por mar de menos de uma légua, está uma
ilha chamada dos Marinheiros, na qual tem sesmarias e datas de terras alguns
particulares, e como dali vem a lenhas para a vila pelas não haver mais
próximas, foram isentas da sesmaria e datas, assim as lenhas como os capins que
servem para cobertas de casas, a fim de que tanto a Fazenda Real como os
moradores da vila se pudessem livremente utilizar das ditas lenhas e capins. Os
cortes de lenhas e madeiras tem sido tão extraordinários, e tão sem regra, de
tempo a esta parte, que já é necessário entrar muito no interior da ilha, e com
dificuldade para trazer a lenha, que virá a acabar-se com detrimento grave dos
moradores da vila, se não der alguma providência, a qual me parece fácil
obrigando ou acautelando que nas cervas dos quintais e nos pântanos da vila há,
que se não semeiam por serem alagadiços, se plantem matos, ou árvores
destinadas somente à lenhas, porque não só haverá abundância de lenhas, mas até
cada um a terá em sua casa para seu gasto, não sendo também má a lenha do
pessegueiro, que bom será plantem muitos, porque crescem na vila com grande
facilidade. Em qualquer parte a Vila onde se pretenda fazer poços ou cacimbas,
como lá lhe chamam, se acha água em pequena altura, e em muitas partes capaz de
beber; suposto que nem todos usam dela, porque a mandam buscar à dos
Marinheiros em que já se falou, onde há um rio corrente de excelente água, mas
não deixa de ser incomodo o ir-se buscar esta água tão longe, sendo necessário
embarcações, etc.”
A ILHA NO SÉCULO XIX
O militar Domingos José Marques Fernandes faz referência
à Ilha em 1804. “Não admira que em lagos de vinte até quarenta léguas de
comprimento haja ilhas; mas é para notar que não se vejam nas lagoas de que temos
falado, e se achem nas correntes do Rio Grande, e de outros, como vamos
indicar. Logo três léguas acima da barra do Rio Grande se encontra a primeira
das ilhas mencionadas, e se chama dos Marinheiros; tem cinco léguas de
comprimento, e tem quatro até meia légua de largura: esta ilha é plana, e por
tanto muito úmida e inabitável; serve de criar lenha para consumo das povoações
vizinhas, como são a Vila de S. Pedro e o lugar de S. José do Norte e outros: e
ainda mesmo para as embarcações que ali entram. Tem preciosos olhos dágua doce,
que é preferida pelos povos à de terra firme; e principalmente pela gente
náutica para embarque. É a mesma ilha um admirável viveiro de papagaios, que
ela cria diferentes dos de fora dela, tanto em figura, como em serem mais
dóceis e galantes que os outros. Além desta ilha se seguem várias outras até
Porto Alegre; mas não há que dizer de alguma delas”. Em seu diário (1820),
Auguste de Saint-Hilaire afirmou que não esteve na “Ilha dos Marinheiros, mas
todos concordam que tem ela duas léguas e meia de comprimento. E em grande
parte, coberta de mato e é la que se vai buscar a lenha necessária para os
hospitais e quartéis. Encontra-se aí uma excelente fonte de água potável, cuja
qualidade pude bem apreciar, à mesa do Major Matheus.”
A Ilha, no século XIX, continuou a ser
fornecedora de madeira e também de água potável, além de ter sediado o Quilombo
do Negro Lucas o qual foi desbaratado em 1833. No final da década de 1830,
foi introduzida a viticultura através do comerciante Thomas Messiter e do
incremento da produção agrícola na década de 1850, com o cultivo da cebola,
milho e feijão. A população neste período chegou a 1.000 pessoas sendo 25%
escravos negros. Em 1868, o Barão Homem de Mello esteve na Ilha e observou a
fertilidade da horticultura, relatou as oliveiras, macieiras, pessegueiros,
damasqueiros, butiás, ameixeiras, cerejeiras, laranjeiras e parreirais da uva
moscatel e americana. A importância assumida fez com que surgisse um debate na
Câmara Municipal do Rio Grande para separação da Ilha da cidade (passando a ser
o 1º Distrito) e de uma comissão para viabilizar a construção de uma ponte na
década de 1850. Projetos da ligação a seco, persiste a cerca de 150 anos.
Conforme José Carlos Ruivo em meados do século XIX “a Ilha passará a ter
expressiva significação econômica, como região produtora capaz de suprir não só
a cidade e arredores, mas também de exportar alimentos para outros estados do
país”.
A paisagem atual da Ilha, a formação de
cômoros de areia e a devastação da mata nativa, foi um quadro historicamente
construído pela ação antrópica. Segundo Márcia Maciel, esta exploração
desregrada que estendeu-se por dois séculos, provocou a derrocada da mata
nativa resultando no surgimento de um imenso deserto de areia no interior da
Ilha. “O solo arenoso, desprovido de proteção arbórea e composto por uma ínfima
cobertura vegetal, tornou-se vulnerável à ação dos processos intempéricos e
antrópicos posteriores. A atuação constante dos fenômenos no meio foram
gradativamente descaracterizando a paisagem da ilha gerando um crescente
problema para a comunidade local”. Com a ausência da vegetação e o
descobrimento do solo arenoso, os ventos transportam as dunas provocando o
soterramento de casas e propriedades.
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