Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

terça-feira, 18 de julho de 2017

ILHA DOS MARINHEIROS

        A Ilha dos Marinheiros atraiu a atenção das autoridades portuguesas que ocuparam a margem sul do canal do Rio Grande a partir de fevereiro de 1737. Em 1739, a Ilha foi dividida pelo comandante do Rio Grande André Ribeiro Coutinho em três sesmarias pertencentes a Antônio dos Anjos, Antônio Araújo Vilella e Antônio Pereira de Farias, que deveriam conter a derrubada indiscriminada da mata nativa. Porém, em 1744, a propriedade da Ilha foi alterada, passando para Marçal da Silva Veiga.
       Em Rio Grande, na indisponibilidade de material de pedra, as fortificações e residências acabavam sendo construídas com madeira, arbustos e lama. A restrita disponibilidade de madeira em Rio Grande fez com que as autoridades buscassem na mata nativa da Ilha dos Marinheiros o suprimento necessário, inclusive para a população sobreviver as baixas temperaturas do inverno. Não causa estranheza que um mapa de 1737 de autoria de Silva Paes, assinala a presença da Ilha na cartografia lusitana da época (denominada de Ilha do Marinheyro). Uma embarcação era destacada para conduzir soldados que retirariam madeira e trariam para o consumo em Rio Grande. Além da madeira, a qualidade da água da Ilha passou a ser apreciada pela população da Vila do Rio Grande. Com a invasão espanhola a Vila, a exploração de madeira pode ter se intensificado. Em 1790, o militar português Domingos Barreto faz referência a uma grande ilha chamada de “Marinheiro, muito fértil; nela se encontram todos os auxílios necessários para se poder fazer naquele continente uma bem regulada povoação”, referindo-se à fertilidade e a abundância de hortaliças.

DOCUMENTO DE 1780

          Sebastião Bettamio relatou em texto de 1780, a devastação que a Ilha já havia sofrido e as alternativas para continuidade da exploração da madeira: “Defronte da vila em distância por mar de menos de uma légua, está uma ilha chamada dos Marinheiros, na qual tem sesmarias e datas de terras alguns particulares, e como dali vem a lenhas para a vila pelas não haver mais próximas, foram isentas da sesmaria e datas, assim as lenhas como os capins que servem para cobertas de casas, a fim de que tanto a Fazenda Real como os moradores da vila se pudessem livremente utilizar das ditas lenhas e capins. Os cortes de lenhas e madeiras tem sido tão extraordinários, e tão sem regra, de tempo a esta parte, que já é necessário entrar muito no interior da ilha, e com dificuldade para trazer a lenha, que virá a acabar-se com detrimento grave dos moradores da vila, se não der alguma providência, a qual me parece fácil obrigando ou acautelando que nas cervas dos quintais e nos pântanos da vila há, que se não semeiam por serem alagadiços, se plantem matos, ou árvores destinadas somente à lenhas, porque não só haverá abundância de lenhas, mas até cada um a terá em sua casa para seu gasto, não sendo também má a lenha do pessegueiro, que bom será plantem muitos, porque crescem na vila com grande facilidade. Em qualquer parte a Vila onde se pretenda fazer poços ou cacimbas, como lá lhe chamam, se acha água em pequena altura, e em muitas partes capaz de beber; suposto que nem todos usam dela, porque a mandam buscar à dos Marinheiros em que já se falou, onde há um rio corrente de excelente água, mas não deixa de ser incomodo o ir-se buscar esta água tão longe, sendo necessário embarcações, etc.”

A ILHA NO SÉCULO XIX

O militar Domingos José Marques Fernandes faz referência à Ilha em 1804. “Não admira que em lagos de vinte até quarenta léguas de comprimento haja ilhas; mas é para notar que não se vejam nas lagoas de que temos falado, e se achem nas correntes do Rio Grande, e de outros, como vamos indicar. Logo três léguas acima da barra do Rio Grande se encontra a primeira das ilhas mencionadas, e se chama dos Marinheiros; tem cinco léguas de comprimento, e tem quatro até meia légua de largura: esta ilha é plana, e por tanto muito úmida e inabitável; serve de criar lenha para consumo das povoações vizinhas, como são a Vila de S. Pedro e o lugar de S. José do Norte e outros: e ainda mesmo para as embarcações que ali entram. Tem preciosos olhos dágua doce, que é preferida pelos povos à de terra firme; e principalmente pela gente náutica para embarque. É a mesma ilha um admirável viveiro de papagaios, que ela cria diferentes dos de fora dela, tanto em figura, como em serem mais dóceis e galantes que os outros. Além desta ilha se seguem várias outras até Porto Alegre; mas não há que dizer de alguma delas”. Em seu diário (1820), Auguste de Saint-Hilaire afirmou que não esteve na “Ilha dos Marinheiros, mas todos concordam que tem ela duas léguas e meia de comprimento. E em grande parte, coberta de mato e é la que se vai buscar a lenha necessária para os hospitais e quartéis. Encontra-se aí uma excelente fonte de água potável, cuja qualidade pude bem apreciar, à mesa do Major Matheus.”
            A Ilha, no século XIX, continuou a ser fornecedora de madeira e também de água potável, além de ter sediado o Quilombo do Negro Lucas o qual foi desbaratado em 1833. No final da década de 1830, foi introduzida a viticultura através do comerciante Thomas Messiter e do incremento da produção agrícola na década de 1850, com o cultivo da cebola, milho e feijão. A população neste período chegou a 1.000 pessoas sendo 25% escravos negros. Em 1868, o Barão Homem de Mello esteve na Ilha e observou a fertilidade da horticultura, relatou as oliveiras, macieiras, pessegueiros, damasqueiros, butiás, ameixeiras, cerejeiras, laranjeiras e parreirais da uva moscatel e americana. A importância assumida fez com que surgisse um debate na Câmara Municipal do Rio Grande para separação da Ilha da cidade (passando a ser o 1º Distrito) e de uma comissão para viabilizar a construção de uma ponte na década de 1850. Projetos da ligação a seco, persiste a cerca de 150 anos. Conforme José Carlos Ruivo em meados do século XIX “a Ilha passará a ter expressiva significação econômica, como região produtora capaz de suprir não só a cidade e arredores, mas também de exportar alimentos para outros estados do país”.
           A paisagem atual da Ilha, a formação de cômoros de areia e a devastação da mata nativa, foi um quadro historicamente construído pela ação antrópica. Segundo Márcia Maciel, esta exploração desregrada que estendeu-se por dois séculos, provocou a derrocada da mata nativa resultando no surgimento de um imenso deserto de areia no interior da Ilha. “O solo arenoso, desprovido de proteção arbórea e composto por uma ínfima cobertura vegetal, tornou-se vulnerável à ação dos processos intempéricos e antrópicos posteriores. A atuação constante dos fenômenos no meio foram gradativamente descaracterizando a paisagem da ilha gerando um crescente problema para a comunidade local”. Com a ausência da vegetação e o descobrimento do solo arenoso, os ventos transportam as dunas provocando o soterramento de casas e propriedades.

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