A belle
époque é um conceito que procura abarcar o período da relativa paz na
Europa que se estende entre o final da guerra franco-prussiana em 1871 e o
início da I Guerra Mundial em 1914. Este período foi caracterizado pelo
desenvolvimento científico, tecnológico e artístico, um período de paz e
prosperidade burguesa que o grande conflito mundial colocou em crise. Tendo
Paris como capital cultural deste processo, as cidades de formação ou
influência ocidental buscaram reproduzir estes novos referenciais culturais de
tecnologia e consumo, expressando a modernidade numa sala de cinema, na
aquisição de automóvel ou telefone, nas roupas, na valorização dos prédios
públicos ou particulares. A Exposição Universal de Paris de 1900 buscou
sintetizar as múltiplas possibilidades tecnológicas desta crença no ilimitado
progresso técnico-científico burguês.
Nestes “belos tempos” o
desenvolvimento do capitalismo gerou nas elites brasileiras a disposição em se
colocarem em sintonia com as forças da civilização e do progresso das nações da
Europa Ocidental: a palavra-chave de um mundo agrário e ruralizado passa a ser
‘modernidade urbana’. Para além de uma imagem idealizada, a belle époque
se expressou em Rio Grande num contexto de inúmeros problemas sociais, urbanos,
administrativos e de má distribuição da riqueza gerada pelo comércio de
exportação-importação e especialmente pela industrialização.
O surgimento da grande indústria no
Rio Grande do Sul ocorreu com a tecelagem Rheingantz fundada em 1873 e que
chegou a empregar, nas décadas seguintes, até dois mil operários. Rio Grande
continuava a passar por transformações urbanas devido ao incremento industrial
que se acelerara desde a década de 1890. A cidade que no ano de 1900 tinha
29.000 habitantes passa em 1920 para aproximadamente 50.000. A atração por
emprego nas indústrias em expansão traz milhares de pessoas de outras
localidades para Rio Grande provocando a expansão de cortiços e locais de
moradia insalubre. Este acentuado crescimento populacional que é o maior já registrado
em toda a história da cidade até então, está acompanhado de altos índices de
mortalidade que chegam a superar em alguns períodos os de natalidade.
A industrialização veio acompanhada de
inúmeros problemas de ordem social e urbana. Assim como outras cidades
brasileiras, as autoridades procuram adotar algumas medidas que estivessem em
sintonia com os princípios da modernidade: bonde, eletricidade, instalação de
esgotos, saneamento da sujeira e dos dejetos, calçamento, fornecimento de água,
segurança pública, educação, aformoseamento de praças públicas. Porém, a
demanda de necessidades em investimentos é maior que os recursos financeiros
disponíveis e os problemas se estabelecem mais rápido do que as respostas do
poder público. As atividades de lazer estavam ligadas aos passeios, as
confeitarias, aos cafés, aos restaurantes, aos cine-teatros Sete de Setembro e
Politeama Rio-Grandense, clubes, bailes, caminhadas nas praças Xavier Ferreira
e Tamandaré, excursões/veraneios na praia de banho Vila Siqueira/Cassino,
apresentações teatrais na Sociedade União Operária entre várias outras
atividades lúdicas. No ano de 1908, a cidade começava a mudar o seu perfil
portuário quando a Companhia Francesa do Porto do Rio Grande assumiu uma missão
de grande envergadura: a construção do Porto Novo, a edificação dos Molhes da
Barra que garantisse um calado de 10 metros no canal de acesso a área portuária
e a modernização do Porto Velho. Milhares de trabalhadores participaram das
obras, a maioria procedente da metade sul do Estado.
O índice de mortalidade infantil era
dos piores do mundo para aquele período pois cerca de 50% das crianças que
nasciam acabavam falecendo até os dois anos de idade. As crianças morriam pelas
precárias condições de higiene e devido à desnutrição. As precárias condições
de informação e escolaridade da população adulta (50% eram analfabetos)
favoreciam as péssimas condições higiênicas nos cuidados das crianças. As
adulterações de produtos como o leite era comum além deste produto já ser
consumido deteriorado pelas dificuldades de conservação pela ausência de
refrigeração. Entre os adultos a maior causa mortis está ligada aos
problemas respiratórios em especial, a tuberculose pulmonar. A expansão
industrial com as atividades coletivas realizadas em espaços restritos,
contribuiu para a difusão e os altos índices de tuberculose.
A vida econômica da cidade circulava
em torno de seu porto, mas ele representava até o fim do século XIX, o limite
de expansão para a realização de um projeto capitalista para o Estado. No seu
entorno, na praça principal e na zona a ela circundante se localizava os
prédios públicos, a Alfândega e a Intendência Municipal. A riqueza que
circulava vinha do capital mercantil diante de uma industrialização incipiente,
gerando a transferência de excedentes na construção de prédios suntuosos,
teatros, igrejas, clubes sociais que representavam o poder da elite local,
constituída por industriais, comerciantes de exportação e importação e
aristocracia rural.
Em Rio Grande, as últimas décadas do
século XIX e as primeiras do século XX sinalizavam que, com o desenvolvimento
tecnológico, ocorreria o triunfo da modernidade. O crescente otimismo burguês
do domínio da natureza através da técnica e da ciência é a palavra de ordem.
Progresso e tecnologia andavam lado a lado para reorganizar o espaço urbano em
sintonia com o crescimento industrial e das atividades econômicas. A
modernidade passa a ser associada à República implantada no Brasil em 1889
enquanto o retrógrado estaria nos referenciais cotidianos da Monarquia
‘falecida’. O desenvolvimento do capitalismo e os novos conhecimentos que
passam pela técnica, cultura e até pelo saber médico, evidencia os novos tempos
fundados na modernidade. A ciência e a técnica são associadas ao progresso
civilizatório que passa pela logística urbana dos bondes ou pela difusão da luz
elétrica, dos telefones, do cinema, do avião, dos navios que apresentam maiores
recursos técnicos para a navegação. Mesmo que os problemas sociais gerados por
este rápido processo industrial que duplica a população local nas três
primeiras décadas do século XX resulta num ‘insólito’ estado de miséria em
grande parte da cidade, o “cartão-postal” a ser divulgado da Belle Époque
em Rio Grande foi o dos cenários que ostentam os avanços para uma vida urbana
moderna.
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