Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

quarta-feira, 12 de julho de 2017

A VIDA MILITARIZADA NO RIO GRANDE DO SUL

20 anos após o final da Revolução Farroupilha, em 1865, o imaginário do combatente rio-grandense ainda permanecia vivo na memória dos brasileiros de outras províncias. Especialmente do Rio de Janeiro, capital do Império, de onde partiram as estratégias que levaram a derrocada revolucionária, cujo movimento era caracterizado pelos imperiais como “atos e barbáries perpetradas por rebeldes”.
Antes da Revolução Farroupilha já se fazia presente na sociedade rio-grandense a vida militar que marcou desde os primórdios a ocupação e povoamento no contexto do confronto com os espanhóis. Entre 1737 e 1777, tensões e conflitos militares entre luso-brasileiros e espanhóis conduziram o processo histórico. Porém, a fronteira militarizada ou também chamada de “a estalagem do Império” criou uma identidade aguerrida e afeita aos conflitos envolvendo os países platinos. O maior de todos estes conflitos estava apenas iniciando em 1865: a Guerra do Paraguai. Os recrutamentos na Província do Rio Grande do Sul foram os mais expressivos quantitativamente em todo o Brasil: o perfil de bons combatentes e de uma vida militarizada encravada em fronteiras de belicosidade e complementaridade cultural contribui para definir este papel. A imprensa registra criticamente o alto índice de recrutamento forçado e a retirada de homens produtivos das atividades do campo ou urbanas em detrimento da economia rio-grandense. A luta contra os espanhóis, a Revolução Farroupilha e os conflitos com o Uruguai deixaram um legado de respeito à bravura que foi amplamente utilizado quando do desenrolar da Guerra do Paraguai.   
Um documento escrito por volta de 1848, pelo diplomata Antonio Manoel Corrêa da Câmara (Ministro da República Rio-Grandense até 1843 e diplomata do Império) buscou caracterizar os hábitos dos rio-grandenses a partir de seu convívio com os farroupilhas/rio-grandenses:

“Sóbrio, ativo, generoso e bravo; amigo sincero e inimigo não desprezível; firme como um rochedo, e de invencível constância na maior adversidade; entusiasta da gloria e para consegui-la anhelando os combates, e correndo após o perigo com avidez insaciável; mas preferindo as mais rudes fadigas de vivíssimas operações militares á estação inativa dos cantonamentos, e a que resulta das nossas guarnições de paz; menos disposto ao serviço de infante que ao de cavaleiro, sem deixar de desempenhar qualquer deles quando lhe é destinado; dispersando-se algumas vezes, e retirando-se mais por incapacidade do chefe, do que por falta de animo no campo de batalha; sensível em extremo ao beneficio, e perdoando poucas vezes um ultraje inclinado ao belo sexo, cuja sociedade cultiva com urbanidade e delicadeza não vulgares, e que se fazem notáveis até nas classes menos educadas; sofrendo o frio, a fome, a sede, e a calma intensa com resignação e paciência admiráveis; geralmente talentosos e aptos para cultivar as ciências, em que muito teria aproveitado se de mais tempo as leis e as instruções que as fomentam, e mais felizes circunstâncias tivessem concorrido para ajudá-los; bom pai, excelente marido, e filho respeitoso, o cidadão Rio-Grandense foi talhado de molde para exercer as virtudes cívicas e guerreiras, que o fazem recomendável, e será indubitavelmente tão bom agricultor e fabricante, como tem sido solicito criador de gado. Tudo deve-se esperar finalmente de um povo, que atravessando a cega mal conduzida guerra civil de seu país, que a todo o momento provocado pelo exemplo contagioso de tantas outras províncias, que constantemente arremessadas para o charco imundo da brutalidade, imoralidade, impudor e desenvoltura da asquerosa imprensa brasileira (aliquanta exceptione concessa), nem assim foi possível degradá-lo e corrompê-lo, conservando-se intacto seu gênio cavalheiro, seus brios, modéstia, dignidade e honra” (reproduzido por Domingos de Araújo e Silva. Dicionário Histórico e Geográfico da Província de S. Pedro -1865).

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