20 anos após o final da Revolução
Farroupilha, em 1865, o imaginário do combatente rio-grandense ainda permanecia
vivo na memória dos brasileiros de outras províncias. Especialmente do Rio de
Janeiro, capital do Império, de onde partiram as estratégias que levaram a
derrocada revolucionária, cujo movimento era caracterizado pelos imperiais como
“atos e barbáries perpetradas por rebeldes”.
Antes da Revolução Farroupilha já se fazia
presente na sociedade rio-grandense a vida militar que marcou desde os primórdios
a ocupação e povoamento no contexto do confronto com os espanhóis. Entre 1737 e
1777, tensões e conflitos militares entre luso-brasileiros e espanhóis
conduziram o processo histórico. Porém, a fronteira militarizada ou também
chamada de “a estalagem do Império” criou uma identidade aguerrida e afeita aos
conflitos envolvendo os países platinos. O maior de todos estes conflitos
estava apenas iniciando em 1865: a Guerra do Paraguai. Os recrutamentos na
Província do Rio Grande do Sul foram os mais expressivos quantitativamente em
todo o Brasil: o perfil de bons combatentes e de uma vida militarizada encravada
em fronteiras de belicosidade e complementaridade cultural contribui para
definir este papel. A imprensa registra criticamente o alto índice de recrutamento
forçado e a retirada de homens produtivos das atividades do campo ou urbanas em
detrimento da economia rio-grandense. A luta contra os espanhóis, a Revolução
Farroupilha e os conflitos com o Uruguai deixaram um legado de respeito à
bravura que foi amplamente utilizado quando do desenrolar da Guerra do
Paraguai.
Um documento escrito por volta de 1848, pelo diplomata
Antonio Manoel Corrêa da Câmara (Ministro da República Rio-Grandense até 1843 e
diplomata do Império) buscou caracterizar os hábitos dos rio-grandenses a
partir de seu convívio com os farroupilhas/rio-grandenses:
“Sóbrio, ativo, generoso e bravo; amigo sincero e inimigo
não desprezível; firme como um rochedo, e de invencível constância na maior
adversidade; entusiasta da gloria e para consegui-la anhelando os combates, e
correndo após o perigo com avidez insaciável; mas preferindo as mais rudes fadigas
de vivíssimas operações militares á estação
inativa dos cantonamentos, e a que resulta das nossas guarnições de paz; menos
disposto ao serviço de infante que ao de cavaleiro, sem deixar de desempenhar
qualquer deles quando lhe é destinado; dispersando-se algumas vezes, e
retirando-se mais por incapacidade do chefe, do que por falta de animo no campo
de batalha; sensível em extremo ao beneficio, e perdoando poucas vezes um ultraje
inclinado ao belo sexo, cuja sociedade cultiva com urbanidade e delicadeza não
vulgares, e que se fazem notáveis até nas classes menos educadas; sofrendo o frio,
a fome, a sede, e a calma intensa com resignação e paciência admiráveis;
geralmente talentosos e aptos para cultivar as ciências, em que muito teria aproveitado
se de mais tempo as leis e as instruções que as fomentam, e mais felizes circunstâncias
tivessem concorrido para ajudá-los; bom pai, excelente marido, e filho
respeitoso, o cidadão Rio-Grandense foi talhado de molde para exercer as
virtudes cívicas e guerreiras, que o fazem recomendável, e será
indubitavelmente tão bom agricultor e fabricante, como tem sido solicito
criador de gado. Tudo deve-se esperar finalmente de um povo, que atravessando a
cega mal conduzida guerra civil de seu país, que a todo o momento provocado
pelo exemplo contagioso de tantas outras províncias, que constantemente
arremessadas para o charco imundo da brutalidade, imoralidade, impudor e
desenvoltura da asquerosa imprensa brasileira (aliquanta exceptione
concessa), nem assim foi possível degradá-lo e corrompê-lo, conservando-se
intacto seu gênio cavalheiro, seus brios, modéstia, dignidade e honra”
(reproduzido por Domingos de Araújo e Silva. Dicionário Histórico e Geográfico
da Província de S. Pedro -1865).
Nenhum comentário:
Postar um comentário