Há quase 160 anos ocorreu uma das maiores
manifestações públicas da história da cidade. Com a epidemia de cólera ceifando
diariamente, o desespero levou os moradores as ruas para exigir ações das
autoridades. Uma das manifestações foi a organização de uma procissão de
penitência clamando que o poder divino livrasse os moradores do flagelo. Numa
população de cerca de 12.000 pessoas a morte de quase quinhentas e o contágio
da doença por possivelmente mais de um terço da população, a comoção chegou às
raias da histeria coletiva.
Lado a lado com a procissão dos desesperados, estavam às
críticas aos membros da Câmara de Vereadores por não terem comparecido a
atividade. O jornal O Povo (22 de dezembro de 1855) relatou detalhes da estética
dos desesperados que tinham familiares doentes ou que já haviam falecido pelo
mal: “um povo aterrado e contrito em procissão de penitência, sábado percorreu
as ruas da cidade implorando do Senhor, que dele tenha compaixão. O coração
estalava-nos de dor ouvindo as preces de uma mãe aflita. Tremíamos ouvindo o
brado de compunção da escravatura aterrada ao último ponto”. A penitência que
impuseram algumas senhoras causou revolta pois mulheres acompanhavam a
procissão de pés descalços e algumas amparavam sobre a cabeça o pesado andor de
Nossa Senhora, “arrancaram-nos lágrimas de compaixão, e de íntimo do peito
bradamos contra os causadores de nossa aflição. Inocentes meninos calçando por
penitência a fria areia como os delicados pés nus, não conhecendo o perigo
expuseram-se a ser infectados do flagelo. Quando uma população inteira procura
os recursos da fé e nela só confia é que o coração humano sangra em lenta
agonia”. Segundo o articulista, “a ira de Deus pesa sobre nós e com o
arrependimento e constrição queremos abrandá-la”. O clima de comoção e
desespero é detalhado nas imagens de uma mãe que tendo em seus braços “seu
filhinho correndo-lhe lágrimas pelas faces, caídos os cabelos e descalços os
pés, soluçava orando; e sua oração era triste e fervorosa que devia ser ouvida
do Onipotente”. A tragédia familiar também foi representada por uma esposa
cheia de “desesperação e quase sem acordo arrancava orando o seu cabelo e
penitente implorava pelo esposo e por si. Uma velha carregada de anos, arrimada
ao seu bastão, a custo movia os mal-seguros passos e rodeada de seus filhos
suplica ao céu movia os lastimosos olhos”. Era um “quadro triste e majestoso! O
orgulho humano abatido recorria ao seu último arrimo – a fé! A pobreza, a
escravatura, a mocidade e a velhice, sem distinção, na simplicidade de seus
corações, orava com fervor ao Onipotente. Em todos os semblantes impressos de
melancolia via-se pintada a desesperação, a mágoa de um povo inteiro. O prazer,
o riso, de todos tinha fugido, dando lugar a negro e profundo desespero”.
A epidemia de cólera teve como epicentro o
cemitério do BomFim daí a insistência no tema pelo redator José da Costa
Azevedo: “O que exigia o povo? O cemitério dentro da cidade, cheio de
cadáveres, quando uma epidemia devastadora flagela a população; - os miasmas de
cólera que se desprendem de suas covas, infeccionando a atmosfera que alimenta
a vida” (O Povo, 29 de dezembro de 1855).
A pressão da imprensa local e as
manifestações populares levaram ao abandono do cemitério do BomFim e o início
dos enterramentos no cemitério extra-muros, além das trincheiras, afastando os
mortos dos vivos num processo inexorável em nível de mentalidades. A morte
reproduzia a morte (pelo suposto contágio atmosférico) e sua presença é lançada
para o cemitério que garantia uma distância segura para os moradores que
estavam dentro dos muros da cidade antiga. Era a transição para o surgimento de
um novo espaço de expansão urbana, que três décadas depois recebeu a indústria
Rheingantz, a Estação Ferroviária e um crescente número de operários que deram
identidade ao bairro que nascia: a Cidade Nova.
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