Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

sexta-feira, 5 de julho de 2024

ENTARDECER NA AVENIDA ITÁLIA

 

Fotografias: Luiz Henrique Torres, 05-07-2024, 17h50.

Sexta-feira ao entardecer é dos melhores horários para se deslocar pela Avenida Itália. 

Com a eterna duplicação (previsão de início era 2019, iniciou em junho de 2022 e nenhum trecho ainda foi liberado), transitar nesta avenida se tornou a realização de um sonho para quem deseja completar sua alma com solavancos persistentes nos desvios e nos inúmeros buracos que mudam de posição diariamente. 

Este é um excelente local, um campo de testes, para as montadoras testarem seus automóveis, especialmente, na qualidade da suspensão. O veículo que sobreviver uma semana circulando diuturnamente sem romper as molas e gemer as bielas, será premiado com a medalha de melhor suspensão automotiva do mundo. 

Ao longo da Avenida Itália se observa veículos da obra, pessoas atravessando, carroças, bicicletas, ônibus, caminhões, ambulâncias, motos ultrapassando com rapidez, automóveis gentilmente se tocando até afundarem os para-choques. Só falta ver Virgílio levando Dante pela mão e seguirem para os desafios das profundezas do Inferno. 

No escuro, ofuscado pelos faróis dos outros veículos, se busca imaginar onde será o próximo desvio ou qual a próxima cratera lunar para se lançar. Observar a pavimentação já pronta que voltou a ser destruída, pois esqueceram de colocar os canos de drenagem pluvial (antes tarde do que nunca). Defino a Avenida Itália como "um tocante pedaço da urbanidade que reluta em tentar te enlouquecer". 

Esta visceral relação pode estar ligada a experiência cotidiana. Há 33 anos que percorro a Avenida Itália (juntando a Avenida Presidente Vargas) e por cálculos rasteiros cheguei a quilometragem aproximada que já percorri: 198 mil quilômetros. Às vezes a matemática permite comprovar a hipótese que carregas de que porque a tua alma vai ficando dilacerada com certas paisagens. 

Porém, a resiliência permite buscar a beleza na fealdade! Em mais de uma hora para percorrer uns 10 quilômetros foi possível fluir o viés poético em dois momentos: 

Uma hora de boa música e um pôr-do-sol maravilhoso

O primeiro vislumbre assustou um pouco a visão, pois parecia um tornado de fogo no horizonte. Na Era dos Eventos Climáticos a imaginação começa a projetar o improvável. De fato, esta configuração é um lindo efeito das nuvens congeladas pela nova massa polar. As nuvens estão sendo bombardeadas pelos raios solares e se encontram próximas ao horizonte onde os efeitos luminosos são catalizados pelas partículas suspensas. 

No aconchego do gabinete do poderoso Peugeot que emite uma súplica perturbadora das rodas dianteiras (guinchos de carro velho) que imploram aposentadoria, ignoro o clamor, e recordo ao idoso veículo, que a reforma da previdência não contempla os seus lamurios: ele só tem 90 pontos (90 mil quilômetros) e precisa somar 101. Claro, quando chegar no 101 mil quilômetros a pontuação sobe...  

Desculpem a fuga do assunto, pois quando dois chorões se juntam para os queixumes previdenciários... 

Retomando... no aconchego do gabinete veicular foi possível escutar uma hora de música (enquanto houver música há esperança). Uma fotografia mostra o caótico cenário externo do trânsito (e da temperatura de 8º) enquanto o cenário sonoro interno é divino: música de meio século no passado, 1974, Chris de Burgh Flying

Vejamos o trecho final:

Pois tentar é a antiga arte de provar que o mundo é redondoFor trying is that ancient art of proving that the world is round

Oh voando, oh-ohOh flying, oh-ohMentindo, oh-ohLying, oh-ohChorando, oh-ohCrying, oh-ohSuspirando, oh-ohSighing, oh-ohTentando, oh-ohTrying, oh-ohE morrendo, oh-ohAnd dying, oh-ohPois morrer é aquela antiga arte de cultivar flores no soloFor dying is that ancient art of growing flowers in the groundÉ simYes, it is.

Nenhum comentário:

Postar um comentário