Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

sábado, 4 de maio de 2024

MAPA DA ENCHENTE DE 1941 EM RIO GRANDE

Acervo: Luiz Henrique Torres. 
 Relutei muito em escrever esta matéria, pois poderia ser entendido como alarmismo. Mas, estou indo em frente, especialmente, devido ao alerta de elevação do nível da Lagoa dos Patos emitido pela Defesa Civil na sexta-feira e válido até hoje, sábado. Esta elevação não tem a ver com o que acontece desde ontem em Porto Alegre. Aquele será outro impacto e o mais preocupante. Infelizmente, a Lagoa já está cheia e deverá aumentar a vazão quando as marcas históricas de cota do Guaíba, de quase cinco metros, chegarem ao Estuário da Lagoa dos Patos. 

Depois do que tenho visto acontecer em municípios do Rio Grande do Sul e em Porto Alegre, o impossível está se tornando realidade. 

Considerava improvável/impossível que quatro ou cinco dias de chuva pudessem se transformar no caos que estamos vivenciando. Na enchente de 1941 foram semanas de chuva até chegar aquela situação crítica. Foram dois anos de El Niño fortes em 1940-1941. O que estamos vendo acontecer neste final de abril e início de maio é de difícil compreensão: em período tão curto uma precipitação brutal. 

Portanto, é preciso estar alerta para o que também poderá acontecer em Rio Grande e região. 

Como tenho um material documental/fotográfico e cartográfico que utilizei para escrever um livro sobre a enchente de 1941 em Rio Grande, resolvi disponibilizar aqui no blog um mapa da área atingida pela enchente naquele ano. Trata-se de uma mapa da cidade para o ano de 1938 em que as áreas alagadas pela enchente receberam um leve sombreamento com lápis. Uma atitude brilhante de Carlos Santos para identificar e visualizar cartograficamente o avanço das águas pela cidade. 

Precisamos considerar que são 83 anos no passado e muitos referenciais espaciais da cidade mudaram devido a expansão urbana. As cotas de altitude e aterramento poderão alterar o avanço das águas? A própria Lagoa dos Patos sofreu alterações com aterramentos e assoreamento que contribuirá para deter o avanço ou propiciará um avanço ainda maior? Quando este manancial extraordinário de água chegar o vento sul irá represar (como em 1941) ou contribuir para o escoamento no Oceano Atlântico? Qual foi a declividade com que foram edificados aterros em relação ao nível das ruas? A maior profundidade do calado do Canal de Acesso e dos cais no espaço portuário contribuirão para intensificar o escoamento? As casas de máquinas nos canaletes estão em condições de retirar o excesso de água? 

Perguntas que não tenho dados técnicos ou científicos para responder e que também dependerão das condições do tempo - quando ocorrer o evento dentro de alguns dias. 

Só o que tenho é o documento histórico do alcance da enchente em 1941. Caberá ao leitor fazer uma análise mais detalhada de seu interesse em identificar os pontos de alagamento no passado e o local atual. Este Relatório da Prefeitura Municipal do Rio Grande foi elaborado por Carlos da Silva Santos no ano de 1941. 

Esclareço: não há analogia científica ou bola de cristal para afirmar que onde alagou em 1941 se repetirá numa possível enchente que se avizinha. Também não se pode afirmar que onde não ocorreu alagamentos não venha a ocorrer nos próximos dias. As construções na cidade mais que triplicaram desde aquela época. Espaços então nativos com várzea da Lagoa ou do Saco da Mangueira hoje são áreas edificadas. 

Vejamos uma interpretação preliminar do mapa:

A área que provocou os maiores alagamentos foi o entorno do Saco da Mangueira e trechos (não a totalidade) de algumas ruas: Vila Santa Teresa, Refinaria Ipiranga, áreas da Abicop, Lar Gaúcho, Navegantes (residenciais que não existiam) se estendendo até o atual Camelódromo. A inundação tomou o rumo da direita e seguiu paralela ao Canalete da Barroso até a Lagoa dos Patos (trechos da Andradas, João Alfredo, Senador Corrêa, Apelles Porto Alegre, Zalony, Barão do Cotegipe, Dr. Nascimento, General Vitorino, General Câmara, Conde de Porto Alegre, Silva Paes, República do Líbano, Coronel Sampaio, Marechal Floriano, Marechal Andréa, Almirante Barroso etc. Observem atentamente as áreas inundadas observando a imagem. Áreas da Capitania dos Portos, Regatas e o Clube Honório Bicalho foram muito atingidos. O alto nível da Lagoa dos Patos e do Saco da Mangueira deve ter sido o fator para o amplo alagamento junto a Barroso. A ampla área do atual Bairro Getúlio Vargas não registrou alagamentos no mapa.  

Ainda na área de ação do Saco da Mangueira, para o lado esquerdo, a inundação acompanhou o trajeto da Avenida Rheingantz (mas sem cobrir a pista), ao adentrar na atual Avenida Presidente Vargas a água passa a cobrir a pista e assim segue pela Av. Santos Dumont até a altura da Junção. Aí termina a considerada área de expansão urbana em 1941. Observa-se que todas as ruas perpendiculares a Av. Presidente Vargas na direção do Saco da Mangueira ficaram com uma lâmina de água. 

A enchente na direção da Lagoa dos Patos tem sua linha máxima de demarcação no Matadouro (limite da expansão urbana na época). Por outras informações do relatório sei que o Bosque foi bastante atingido pelas águas que avançaram 550 metros da Lagoa em direção ao continente. Iniciamos a observação no Matadouro (ao lado da atual Escola Cipriano Porto Alegre) na Rua Jockey Clube e o traçado da rua parece mais próximo da margem da Lagoa. A distância pode ter modificado e estar mais distante da margem. Observa-se que água chegou a primeira e por vezes segunda quadra nesta área que se estende entre a Rua Jockey Clube e a Rua Henrique Pancada. Adentrando a Avenida Portugal, a partir da Quinze de Novembro, observa-se que o avanço da Lagoa foi da margem até a Avenida Portugal, abarcando todas as ruas internas em sua extensão. Cruzando o Canalete e ingressando na Rua Aquidaban, o cenário foi bastante grave, pois, a água chegou ao limite desta rua e atingiu, na época, todas as ruas internas, inclusive a Fábrica da Leal Santos, o Hospital da Santa Casa tendo uma lâmina de água encoberto até a Praça Barão de São José do Norte. O avanço da água se manteve entre a margem da Lagoa (hoje Francisco Campelo) até a Marechal Floriano (especialmente entre Benjamin Constant até a Barroso. A Coronel Sampaio foi muito impactada e parte da Praça Xavier Ferreira ficou uma  lâmina de água, enquanto o Mercado Público e Alfândega ficaram cercados. A Rua Riachuelo, foi das mais atingidas, com água cobrindo a rua. Os armazéns do Porto Velho, na Riachuelo, ficaram a poucos centímetros de serem invadidos. Muitos trapiches de indústrias que foram construídos entre a Avenida Portugal e a Rua Riachuelo foram destruídos pela correnteza. Muitas indústrias tinham seu parque industrial junto a Lagoa dos Patos e tiveram pesados danos pela invasão das águas nos equipamentos, matérias-primas ou produtos já manufaturados. Os prejuízos materiais e econômicos foram muito elevados, inclusive pela produção ser interrompida por semanas, conforme registrado no Relatório. 

A população de Rio Grande em 1941 era de 61.000 habitantes. O número de pessoas recolhidas a abrigos de emergência foi de 3.905 e um número ignorado foi para casa de parentes e amigos. Considero um número muito elevado e que hoje, hipoteticamente, poderia ser ainda maior. Atualmente, a população mais que triplicou. A área de expansão urbana cresceu muito e também faz parte de áreas de risco para alagamento? 

O mapa não mostra, mas o impacto nas ilhas foi devastador. A Torotama ficou 34 dias com uma lâmina de um metro de água e cerca de 2.000 bovinos morreram. Basicamente, ficou desabitada naquele período. Na Ilha dos Marinheiros, os agricultores tiveram severas perdas. Nas Ilhas este foi o cenário de prejuízos na agricultura (basicamente total), morte de grande parte do gado e perdas para os pescadores (equipamentos e inviabilidade de sair para pescar).  

Espero que o material divulgado tenha alguma utilidade para destacar da necessidade em ficar alerta para o que venha a ocorrer nos próximos dias. Proteger em lugares secos os documentos para que não molhem e tantas outras ações que podem minimizar perdas como subir móveis. 

Diferente das tragédias ocorridas nas regiões em que os rios sobem muito rápido e as encostas podem colapsar, em Rio Grande a água sobre gradualmente e possibilita a retirada da população para áreas seguras. Não há registro de mortes em 1941. Mas naquela época se atentou a uma grande mobilização de deslocamento de população atingida ou áreas de risco, havendo um esforço da comunidade como um todo, não apenas das autoridades, para dar condições básicas de superação do período. 

Fiquem sintonizados em avisos da Defesa Civil e sigam as orientações. Esta é a esfera de competência para alertas em que as vidas estão em perigo. 

Reproduzo a informação: "Para receber os alertas no celular, basta o cidadão enviar uma mensagem de SMS para 40199 com o CEP de seu endereço. A Defesa Civil recomenda que todos façam o cadastro, pois esse canal de comunicação é considerado um importante aliado na prevenção e mitigação dos efeitos de desastres naturais".

Ressalto que o documento tem 83 anos e a qualidade para reprodução não foi a melhor possível. A primeira imagem é o mapa e as três seguintes são trechos do mapa que permitiram visualizar com um pouco mais de ampliação. 






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