Porto do Rio Grande em 1908

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domingo, 11 de fevereiro de 2024

A LENDA DE RITA PIRES

 

Júlia Lopes de Almeida. In: https://www.elfikurten.com.br

Em sua visita a Porto Alegre em maio de 1918, a escritora Júlia Lopes de Almeida fez uma visita a Casa de Correção. 

Neste presídio referência no Rio Grande do Sul, Júlia Lopes escutou a estória da lenda de Rita Pires. O trecho do livro "Jornadas no Meu País" (Ed. Francisco Alves, 1920) é transcrito a seguir: 


“A fazer girar entre os dedos uma faquinha de osso lavrada pelos presos, conta-nos o Snr. Diretor a curiosa e comovedora lenda da Rita Pires. Senhora de fartos haveres e de rígidas ideias, firme nos seus princípios de intransigência e de severidade fez Rita Pires doação a sua cidade de Porto Alegre de um grande e magnífico terreno com a condição de que nele fosse construída a cadeia. Para dormir seus sonos sossegados queria saber em baixo de ferro todos os ladrões da redondeza e algemados todos os malfeitores. 

Ora aconteceu esta coisa espantosa: concluído o edifício de grossas paredes e seguras portas, a primeira pessoa que a Justiça se viu forçada a encarcerar lá dentro foi, — ó tristeza dos acasos da sorte! — o filho amado da própria doadora. A violência daquele choque terrível e inesperado a pobre mulher sucumbiu. Estalou-lhe o coração, morreu de tristeza.

 Mas desde então, de longe em longe há quem afirme tê-la visto a horas caladas da noite a caminhar lavada em lágrimas por entre os muros da Correção. Com um xalinho vermelho sobre os ombros, a cabeça nua a reluzir na prata dos cabelos, um vestido caseiro a cobrir-lhe as fôrmas magras, ela esgueira-se dos corredores para os pátios, passando rente às sentinelas que estremecem de pavor, ou penetra nos cárceres mais resguardados, quedando-se a contemplar com infinita mágoa os prisioneiros moços. 

Uma vez mesmo, á clara luz do sol um oficial novo no serviço da Correção e que não conhecia ainda a história da Rita Pires, mandou um guarda saber o que desejava ali uma velhota que ele via da janela, no ângulo de uma área interna. O guarda foi imediatamente e voltou sem ter visto nem os vestígios de mulher alguma, ao que o oficial retrucou que isso era impossível, porque ele a vira no mesmo instante em que lhe dera a ordem; e por sinal que era uma velhota em cabelo e com um xalinho vermelho sobre os ombros magros. O guarda desmaiou. 

A alma triste da Rita Pires não se desprende da grande mágoa que sofreu nesta vida transitória, e gira em torno a ela na eternidade como uma louca falena em torno a uma luz inextinguível".


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