Linhas de bondes e trem em Rio Grande. Acervo: Allen Morrison. http://www.tramz.com/br/rg/rg.html |
O leitor do blog que reside em Curitiba Pedro Paulo Fazio Carvalho me fez um questionamento sobre a data correta de quando os bondes elétricos começaram a circular na cidade do Rio Grande. Teria sido em 1911 ou 1912.
A maioria dos autores remete a 1912. Inclusive a obra que mais consulto e respeito sobre o tema cuja capa é reproduzida abaixo:
Vamos contextualizar, brevemente, esta questão.
Inicialmente, os bondes à tração animal são inaugurados em Rio Grande em 1884. A partir de 1908, a Companhia Francesa do Porto do Rio Grande, passa a atuar na cidade com o objetivo de construir os Molhes da Barra, o Porto Novo, revitalizar o Porto Velho, trazer a luz elétrica (no dia 12 de dezembro de 1911 fizeram testes de fornecimento de luz elétrica durante o dia) e implementar os bondes elétricos.
No jornal Echo do Sul do dia 5 de dezembro de 1911 é publicada a carta de um usuário dos bondes em que ele faz pesadas críticas a Companha Francesa e aos seus funcionários: má administração dos serviços e falta de escrúpulos e decoro dos funcionários que fazem a manutenção das linhas. O trajeto em foco é o "Matadouro" que segundo o usuário "em breve desaparecerá com a reforma que se pretende realizar, eletrificando as linhas de carris urbanos". Ou seja, havia a expectativa da eletrificação das linhas e não a efetivação.
Primeira notícia sobre viagem de bonde elétrico em Rio Grande. Echo do Sul, 11-12-1911. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense. |
As primeiras informações sobre a implementação do serviço remontam ao dia 11 de dezembro de 1911. Conforme o Echo do Sul: "É um verdadeiro sacrifício um passeio de bonde, atualmente. O exíguo serviço que temos é pessimamente atendido. Encontros de veículos, baldeações, arreamentos que se parte, mulas que disparam, descarrilamentos, toda sorte, enfim, de contrariedades encontram os que, para se divertirem, procuram os bondes. Um horror! -Trafegou ontem entre o cemitério e o Parque um bonde elétrico, que andou sempre repleto".
Constatamos que o serviço prestado pela Companhia Francesa era péssimo. E surge a informação que no dia 10 de dezembro um bonde elétrico percorreu o trecho entre o cemitério (frente a indústria Rheingantz) até o Parque (atual pórtico e na época a Estação de onde partiam/chegavam os trens para o balneário Cassino). Terá sido a primeira experiência com elétricos? Pelo menos foi a data mais antiga que encontrei no jornal.
E as reclamações sobre o serviço continuaram no jornal do dia 15 de dezembro: "Continua péssimo, insuportável e até irritante o serviço de bondes. É raro o dia em que a imprensa não tem que registrar novos desastres e desmandos, parecendo que aquela secção da Companhia Francesa ninguém se entende. Se fossemos citar todos os fatos que por aí ocorrem, a atestar o desidioso serviço que nos está sendo proporcionado, teríamos de dar-nos ao trabalho de encher colunas sobre colunas. Para pano de amostra basta que seja aqui assinalado que um desses veículos, no qual tivéssemos o mau gosto de embarcar ontem, à tarde, levou da esquina do colégio Leão XIII à porta do Echo do Sul (na rua Marechal Floriano) cerca de 40 minutos, depois de uma verdadeira odisseia. Encontros de bondes, a cada passo, parecendo que aquilo está acéfalo, descarrilamentos, muares cansados - um inferno. Bem razão teve o boleeiro quando, num dos encontros disse: -Se agora é assim, faço ideia quando vierem os elétricos... E é mesmo."
Ou seja, também na linha da Marechal Deodoro (Cidade Nova) não estava implantado os elétricos e a estrutura das linhas estava péssima.
No dia 18 de dezembro temos esta notícia: "O Parque Rio-Grandense, agora servido por bondes elétricos, está se aparelhando para receber, amanhã, os seus visitantes. Assim é que haverá bom serviço de líquidos e doces, música, tiro ao alvo com prêmio aos vencedores". Junto a Estação ferroviária para o Cassino operava um restaurante que inclusive projetava filmes ao ar livre e agora contava com o "serviço por bondes elétricos".
No mesmo jornal do dia 18 de dezembro se afirma que os bondes elétricos "trafegaram ontem (17) até o escurecer nas linhas da rua Aquidaban ao Sport Club e do Cemitério ao Parque, conduzindo crescido número de pessoas".
Notícia do dia 21 de dezembro de 1911: "Os Elétricos. A Companhia Francesa está ativando o assentamento dos trilhos à rua 24 de Maio e Marechal Floriano, afim de inaugurar as viagens do centro da cidade ao Parque, a 1 de Janeiro próximo".
Ou seja, em alguns trajetos os bondes estão funcionando neste mês de dezembro de 1911. Porém, as queixas são muitas: "Está sendo alvo de gerais censuras o novo serviço de bondes elétricos, inquestionavelmente mal feito e pior dirigido, parecendo que o Rio Grande está condenado a nunca ter um serviço bem atendido. Acresce que uma viagem ao Parque, partindo o bonde da Praça da Caridade (atual Praça Barão de São José do Norte - proximidades da Aquidaban), custa nada menos de 400rs o que representa uma verdadeira extorsão. Para que o público vá insensivelmente pagando a direção dos bondes arranjou as baldeações. Assim é que, quem embarca na Praça da Caridade, para 200rs. Chegando o veículo ao Cemitério, ali passar-se-à para outro carro em direção ao Parque aparecendo logo a seguir o condutor, a cobrar mais 200rs. Porque não fazem o serviço direto, sem as incomodas baldeações, anunciando desde logo que a passagem custa 400 réis? São gerais as queixas contra tal fato e, se não nos enganamos, é da alçada do governo do município olhar para estas coisas, acautelando os interesses do povo, que não podem e não devem estar à mercê da vontade discricionária dos srs. dos bondes. Houve domingo um descarrilamento além do Cemitério. Devido à colocação dos novos trilhos à rua Uruguaiana, existem aí nos rails antigos uns buracos. Pela manhã um dos muares que tiravam o bonde caiu no buraco, passando-lhe o carro por cima. O pobre animal morreu esmagado. Não obstante essa morte servir de exemplo, à tarde deu-se fato idêntico, morrendo outro muar. Os passageiros que ontem embarcaram num bonde que vinha para a cidade a uma hora, além das dificuldades da viagem, passaram pelo desgosto de verem-se cheios de gorgulhos. Gorgulhos (besouros ou carunchos) no bonde, é o que nos faltava!". Echo do Sul, 26 de dezembro de 1911.
Um fato pitoresco, no meio do caos que era andar de bondes neste período, ocorreu no domingo (dia 24) a tarde "quando trafegava o elétrico n.5 pela rua Rheingantz, um cavalariano da polícia achou ao lado dos trilhos um revólver de grande valia, naturalmente perdido por algum dos muitos passageiros que viajaram naquela linha". Echo do Sul, 26 de dezembro de 1911.
Em matéria que publiquei no blog em 22 de junho deste ano "Bonde Elétrico" é reproduzido anúncio com os horários de bondes elétricos em Rio Grande a partir de 25 de setembro de 1912. A impressão é que os bondes começam a funcionar a partir deste momento. De fato, algumas linhas já funcionam desde 10 de dezembro de 1911 e foram se ampliando nos meses seguintes. O problema é que a qualidade do serviço era péssima e as reclamações dos usuários eram sistemáticas. A concessão da Companhia Francesa passava pelo acompanhamento da Intendência Municipal do Rio Grande a qual foi tão pressionada pela opinião pública que publicou nos jornais uma portaria exigindo reparos urgentes e qualidade no serviço de bondes elétricos sobre pena de sanções a Companhia. Em poucas semanas a empresa realizou muitas obras e estava dando este ar de inauguração dos serviços - os quais já existiam -, mesmo que precariamente, a pelo menos 10 meses.
Obrigado Professor Torres pelos esclarecimentos.Estou cada vez mais apaixonado pela História e principalmente pelas postagens da minha cidade natal - Rio Grande.👏👏
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