Porto do Rio Grande em 1908

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quarta-feira, 12 de julho de 2023

O CINE GLÓRIA

 

Cine Glória cerca do final dos anos 1950. Esquina das ruas Benjamin Constant com Dr. Nascimento. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense. 

“Ir ao cinema era quase uma obrigação, a gente nos fins de semana já sabia que o programa era aquele, era ir ao cinema não é? É porque vinham filmes muito bons, tanto europeus como americanos. Então a gente gostava de assistir a esses filmes. Antes da sessão, ficávamos reunidos na ante-sala conversando e trocando ideias, contando as novidades, fazendo as fofocas (risos)”. Walter Albrecht

 

             O Cine Glória ainda faz parte da memória de grande parte da população da cidade do Rio Grande. Milhares de filmes foram projetados nesta que era uma das salas mais modernas construídas até os anos dourados (anos 1950) no Brasil. 

Como participei recentemente da banca de monografia de conclusão do Curso de História Bacharelado (FURG) defendida por Fernando Marrera com o tema “Circuito Cinematográfico Glória”, farei uma breve abordagem das informações trazidas por esta monografia em relação, especificamente, ao Cine Glória.

O surgimento da Empresa Francisco Cupello & Cia. Ltda que passou a ser mais conhecida como Circuito Cinematográfico Glória, estendeu sua atuação por várias cidades do Rio Grande do Sul e de outros estados brasileiros. Em Rio Grande, as duas principais salas de cinema que formaram este Circuito foram o Cine Sete de Setembro (inaugurado em 1949 no local do antigo Teatro Sete de Setembro) e o Cine Glória. A empresa defendia a ‘modernização’ no setor cinematográfico, construindo salas de projeção com o que havia de maior avanço técnico para a época.   

O Cine Glória foi inaugurado no mesmo ano em que o Cine-Teatro Politeama foi demolido: 1955. O antigo prédio do Politeama localizado na rua Duque de Caxias esquina com General Câmara, marcou a cultura local durante décadas mas não correspondia mais a nova visão ‘modernizadora’ que o Circuito Glória implementava. O jornal Rio Grande de 26 de outubro de 1955 deixou este registro: “Silencioso e vazio, o velho Politeama-Riograndense, de tantas glórias passadas, aguarda, agora, que os demolidores ponham abaixo as suas paredes. Grandes atores do passado, cantores que brilharam sob as luzes da sua ribalta, jovens e velhos artistas que no seu palco vislumbraram a gloria e conheceram as urzes do fracasso, levantam-se hoje, como fantasmas redivivos, e sacudindo a poeira do tempo, dão a velha casa de espetáculos o seu adeus, que é o adeus de todos nós a uma época perdida no cemitério da história”. 

No Cine Sete de Setembro e no Glória, o padrão arquitetônico art-déco foi utilizado para atender as exigências modernas das construções, trazendo um aspecto limpo e sóbrio. As principais alterações da Empresa no aspecto estrutural se faziam no âmbito da fachada do edifício, na instalação de luzes indiretas, na aquisição de poltronas anatômicas e na instalação de acessórios de decoração que garantissem elegância às novas salas.

 Em 5 de julho de 1955, o jornal Rio Grande noticiava: “O povo riograndino terá, dentro em breve, a maior sala de espetáculos cinematográficos à sua disposição. Empresa progressista, Cinema Cupello S.A., tomando a si o comércio da projeção cinematográfica em nossa cidade, não estacionou sobre as salas existentes e, poucos anos depois do início de sua atividade entre nós, já apresentava o novo 7 de setembro, dotado com todos os requisitos de um cinema moderno. Surgiu então, o projeto do Cine Teatro Glória, a ser erguido na rua Dr. Nascimento, defronte ao C.E. Lemos Junior. E, daí a execução, um curto período”.

Nascia a maior sala de cinema que a cidade já teve! A inauguração do Glória, apesar do prédio não estar completamente pronto, ocorreu em 3 de dezembro de 1955 com a exibição do filme ‘Um Fio de Esperança’. A sala também era chamada de Palácio do Cinemascope, um sistema de projeção criado em 1953 e que proporcionava maior fidelidade na imagem e no som. O Cine Glória comportava 2.500 lugares e contava com um amplo hall de entrada. As poltronas eram anatômicas e distribuídas em plateia alta e plateia baixa, sendo o cinema com maior capacidade na zona sul do Estado. Conforme a revista Cinelândia (circulava nos cinemas a partir de 1950), o Cine Glória possuía projetores que custavam 600 mil cruzeiros cada um, além de ‘som estereofônico perspecta, direcional, de alta fidelidade e que é servido por 17 alto falantes’ (Cinelândia, 04-12-1955).

O croqui para a construção do Cine Glória exibe a fachada com a presença de vitrines e lojas nas laterais, com ênfase na aglomeração do público ao redor desses espaços. As vitrines eram destinadas principalmente a confeitarias, cafés, lojas de vestuário, evidenciando as atividades comerciais associadas a sétima arte e também a articulação entre consumo e sociabilidade. Na sala de espera também estava a bomboniere como mais um espaço de sociabilidade. É preciso ressaltar, como fez Fernando Marrera que “num momento em que a televisão ainda não existia ou ainda era um privilégio de poucos, o cinema era um ponto difusor das notícias ao redor do mundo e o local de encontro para o público assistir aos primeiros seriados semanais, aos últimos filmes do momento e prestigiar a vida social ativa que se criava no entorno das salas”.

Diga-se que esta forte relação entre a população da cidade e a arte cinematográfica foi sendo construída na primeira metade do século XX. Este espaço de sociabilidade e cultura já estava amadurecido quando da inauguração do Cine Glória em 1955.

*Esta matéria foi publicada no dia 23 de abril de 2013 no caderno cultural O Peixeiro do Jornal Agora

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