O processo de imigração alemã e italiana
no Rio Grande do Sul do século XIX será delineado a partir das reflexões da
profa. Sandra Pesavento em seu livro História do Rio Grande do Sul
(1980), Porto Alegre, Mercado Livre.
Muito se produziu depois desta obra de
divulgação, porém, estou me fundamentando em seus apontamentos por ser o
primeiro livro sobre a história Rio-Grandense que fiz a leitura. Isto ocorreu
em 1982 ao cursar a graduação em História na Universidade Federal de Santa
Maria. A perspectiva historiográfica se enquadra no revisionismo dos anos
1970-1980 que mudou enfaticamente a forma de pensar a formação histórica do Rio
Grande do Sul. Outra questão foi a coragem de uma acadêmica em escrever para um
público não especializado sobre abordagens e interpretações não tradicionais ainda
distantes da sociedade mais ampla.
Portanto, aos atuais alunos da
disciplina História do Rio Grande do Sul I (FURG) vamos visitar algumas
perspectivas interpretativas dos primórdios da década de 1980 sobre o processo da
imigração alemã e italiana para o Extremo-Sul do Brasil.
Conforme Sandra Pesavento, a vinda de imigrantes estrangeiros para o Brasil no século XIX é um movimento que se insere no processo mais amplo da expansão do capitalismo a nível mundial. No plano europeu, o desenvolvimento do capitalismo em países como a Alemanha e a Itália foi capaz de gerar um excedente populacional sem terra e sem trabalho, que se converteu num foco de tensão social intenso. A acumulação de capital de um lado, a concentração da propriedade do solo e a emergência da indústria tiveram como contrapartida a expulsão do camponês da terra e a desarticulação do trabalho artesanal.
Pintura A Saída dos Imigrantes (italianos) autoria de Angiolo Tomasi (1896). |
Navio com imigrantes alemães. In: Revista de História da BNRJ. |
Do ponto de vista das nações que
receberam os fluxos migratórios, como o Brasil, a entrada dos imigrantes
possibilitou que, internamente se desse o processo de transição de mão de obra
escrava para a mão de obra livre. Em especial, São Paulo, com a sua frente
pioneira no oeste, revelou-se a área por excelência para atração de mão de obra
europeia.
No que toca à inserção do Rio Grande do
Sul nesse processo, é necessário explicitar os interesses do centro cafeicultor
com relação a uma província periférica. Há dois momentos fundamentais: o
primeiro diz respeito à imigração alemã, iniciada em 1824, e o segundo à imigração
italiana, que se desenvolve a partir de 1875.
Chegada dos alemães a São Leopoldo em 1824. Pintor Ernest Zeuner. |
Já com referência à vinda dos italianos, o interesse do centro, ao que parece, se prenderia primordialmente a dois fatores básicos: promover o abastecimento do mercado interno brasileiro gerado pelo complexo cafeeiro e formar no Sul núcleos coloniais imigrantes bem sucedidos que pudessem servir como foco de atração à imigração estrangeira para o país. Uma vez chegados no país, muitos imigrantes, que pensavam tornarem-se pequenos proprietários, acabavam sendo desviados para o trabalho nas fazendas de café de São Paulo.
O que deve ser considerado, todavia, é
que do ponto de vista da oligarquia regional a imigração não atendia aos seus
interesses nem vinha solucionar seus problemas, uma vez que os imigrantes
vinham trabalhar para si e não resolver problemas de falta de braços na
pecuária.
Alemães e a mata virgem. In: Museu Histórico de São Leopoldo. |
A partir da década de 1840 até 1870, é
possível apreciar o desenvolvimento de uma agricultura comercial de gêneros de
subsistência para a capital da província. Dos anos 1870 em diante, a
agricultura colonial alemã já atingia uma fase de poder exportar para o centro
do país, abastecendo o mercado interno gerado pelo café.
Paralelamente aos gêneros agrícolas
exportados (milho, feijão, batata, mandioca, trigo), as colônias
especializaram-se também na produção de toucinho e da banha, artigos de alto
valor unitário em face da precariedade dos transportes da época.
Entretanto, todo esse desenvolvimento da
agricultura colonial alemã não veio beneficiar diretamente o pequeno
proprietário, mas, sim, aquele que realmente acumulava capital através das
atividades de abastecimento do mercado interno: o comerciante.
O comércio realizava-se em etapas, desde a "picada" aberta na mata ao longo da qual se delimitavam os lotes agrícolas até a venda rural, no entroncamento das picadas. Daí os produtos seguiam até a casa comercial do núcleo (São Leopoldo), sendo, após, levados até o centro do país, Buenos Aires e até mesmo Hamburgo.
Máximo postal "Alemães" (1974), Brasil Correio. |
É possível observar sua marcha
ascensional em termos de acumulação de capital, desde a venda rural até a
constituição de grandes casas de comércio de importação e exportação em Porto
Alegre. A acumulação de capital ocasionada pelo grande comércio foi responsável
por duas alterações básicas: por um lado, a importação de produtos do exterior
contribuiu para desestimular um artesanato de base familiar que se fazia ao
nível dos núcleos coloniais para suprir as necessidades essenciais. Por outro
lado, o surgimento da indústria se liga também à presença da acumulação de
capital.
Antes da década de 1880, contudo, a
indústria concentrou-se preferencialmente em Rio Grande e Pelotas, visando mais
ao abastecimento do mercado nacional do que às necessidades locais.
O comerciante enriquecido diversificou
paulatinamente suas atividades, aplicando capital não só na indústria como em
empresas de navegação, bancos, companhias de seguros, loteamentos, hotéis.
Dentro de uma realidade onde o poder
regional era dominado por latifundiários da pecuária, as possibilidades de
atuação política dos imigrantes foram quase nulas. Destacou-se aqui, além da
figura do comerciante, a elite cultural alemã. Juntas controlavam as câmaras de
vereadores a nível municipal e, a partir de 1881, a deputação estadual. Em 1881,
a Lei Saraiva estendeu o direito de votar aos acatólicos e aos estrangeiros
naturalizados. Os elementos enriquecidos da Colônia alemã atuaram como uma
ponte entre a massa de pequenos proprietários e a oligarquia pecuarista. Em
troca do apoio à situação política vigente era possível conseguir algum
atendimento às necessidades dos imigrantes.
Selo filatélico Imigração Italiana (1950). |
No que diz respeito aos italianos, que
ingressaram a partir de 1875, chegaram à província em uma situação de
desvantagem se com parada com à dos alemães, 50 anos antes. As melhores terras
já se achavam ocupadas e coube aos italianos receber lotes ainda menores (25ha)
na encosta da serra. O lote era vendido a crédito, e o prometido subsídio para
alimentação que seria concedido por um ano foi cancelado. A única ajuda com que
o imigrante italiano contou foi aquela advinda do trabalho remunerado de 15
dias por mês na abertura de estradas.
Os italianos, ao chegarem, já
encontraram uma rede de comercialização montada pelos alemães à sua espera para
o escoamento do que viessem a produzir. Se, de um lado, isso facilitava a
comercialização de seus produtos, de outro os tornava submissos ao capital
alemão. Além disso, todos os artigos da policultura, que poderiam produzir,
teriam de enfrentar a concorrência dos produtos alemães. A saída encontrada
pelos novos imigrantes foi a especialização de determinadas zonas coloniais italianas
num só tipo de artigo: o vinho, que encontrou um amplo mercado de consumo no
centro do país, entre a população de origem italiana.
Imigrantes italianos em Caxias do Sul 1904. In: Museu Municipal de Caxias do Sul. |
De um modo geral, os núcleos italianos
ainda se dedicaram ao plantio do milho e à criação de suínos para fabricação de
banha. No conjunto, globalmente, o advento de imigração estrangeira para o Rio
Grande do Sul foi capaz de atenuar, no que tange à economia provincial, a
relativa estagnação que atravessava a pecuária sulina. O progressivo
crescimento dos produtos coloniais na pauta das exportações, nas quais
continuavam preponderando os tradicionais produtos pecuários, contribuiu para
que, na virada do século, o Rio Grande do Sul fosse cognominado de
"celeiro do país".
Máximo postal "Italianos" 1974, Brasil Correio. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário