Cassino em 1908. Proximidades do atual Barracão. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense. |
No
Balneário Cassino, desde que começaram os banhos de mar em 1890, os pontos em que
os banhistas ficavam/ficam sempre foi nos mesmos locais?
Os
cordões de dunas frontais sempre estiveram no mesmo lugar – desde o ano de 1890?
Questões
intrigantes e que somente a pesquisa pode ajudar a esclarecer.
Como poderia
ter dito Jack, o Estripador, “vamos por partes”!
Comecemos a caminhada com a primeira
imagem do Cassino que foi publicada no jornal O Bisturi em dezembro de 1890.
Este é
o desenho em bico de pena da Vila Sequeira/Cassino ou também chamada de Praia do Mar Grosso:
Acervo: Biblioteca Rio-Grandense. |
Se
observa a circunferência em que a água se encontra com a terra, as estruturas para troca
de roupa, os banhistas e um pouco mais ao fundo está o Restaurante Chalet dos Dois
Bicos. Esta construção é o prédio mais avançado em direção ao beira-mar e
ficava na parte central da esquina das Avenidas Rio Grande e Paris. A Avenida
Paris é atualmente denominada de Atlântica. Parece muito estranho mas a água
chegava na altura do atual Barracão e em situações de ressaca, molestava o
Restaurante do Chalet dos Dois Bicos que tinha sua parte inferior vazada para enfrentar as águas. Portanto, seria uma completa insanidade construir a
SAC e o Supermercado Guanabara nos locais atuais. Mas as coisas mudaram a partir da década de 1910...
Outra observação que pode ser feita do desenho é referente aos desníveis no terreno que podem ser dunas parcialmente removidas. Portanto, na Av. Atlântica (e arredores) se localizava os cordões originais.
Planta do Cassino, 1916. In: PINHEIRO, Maria T.G. A Fundação do Balneário Cassino ao final do Século XIX..., Florianópolis, 1999. |
Se a beira-mar ficava próxima ao atual Barracão o cordão de dunas tinha de ficar mais afastado: as águas do Oceano promovem a erosão e desfazem as dunas. Elas precisam ficar um pouco distantes do choque das ondas. Ou seja, as dunas deveriam estar, em termos gerais, na altura da esquina das Avenidas Rio Grande e Atlântica.
Avenida Rio Grande em 1920. No canto direito está o Chalet dos Dois Bicos. O Oceano está se afastando do nosso ponto de georeferenciamento. |
As dunas que
estavam dentro da área do loteamento do Balneário Cassino devem ter sido
removidas para garantir o acesso pela Avenida Rio Grande até o local dos banhos
de mar. Parte foi utilizada para nivelar os terrenos e cobrir áreas alagadiças. Parte foi usada como material
de construção, especialmente, quando tem material conchífero associado. O
processo de remoção de dunas se estendeu por mais de um século e é uma
discussão recente...
Está
cada vez mais confuso? Talvez não.
Cometi
um grave erro ao observar as dunas e projetar sua perenidade. Imaginava que o
cordão atual de dunas ainda era remanescente da formação ocorrida entre
5.000-5.000 no passado quando o Oceano recuou e a lâmina de água salgada
desapareceu de grande parte da área territorial do município. No interior das
dunas poderia ser encontrado artefatos das Tradições Umbu (uma ponta de
projétil de 6.000 anos?), Vieira (cerâmica de 2.000 anos?) ou Tupiguarani
(cerâmica pintada de quase 1.000 anos?). De fato, as dunas atuais, as frontais a praia
e algumas mais recuadas, são fruto de um século ou bem menos. Quanto muito se
encontraria artefatos da Tradição Homo Sapiens Papareius: garrafas,
chinelos, bitucas, material de pesca etc. Ou seja: as dunas junto a praia são
recentes.
O
quanto são recentes? Menos de cem anos...
Cordão de dunas no sentido Molhe Oeste - Av. Rio Grande. Fotografia de março de 2023. |
Em relação a 1890 as dunas não estão no mesmo lugar. E o banho de mar também mudou de endereço. E o fator da mudança se chama Molhes da Barra!
A sua construção foi o
fator para o recuo das águas do Oceano Atlântico numa restrita porção do
Litoral Sul (do Rio Grande do Sul): impactou no Cassino e também na Praia do
Mar Grosso em São José do Norte. A hidrodinâmica modificou-se radicalmente, e no
caso do Cassino, a área de areia ampliou entre 600-700 metros em relação a projeção
original do Balneário.
Diga-se
que a construção dos Molhes da Barra teve início em 1891, apenas um ano após o
surgimento do Balneário. Porém, as obras andaram muito pouco por cerca de vinte
anos. Motivo pelo qual não deve ter impactado o nível das águas. Quando a
Companhia Francesa assumiu as obras é que as coisas mudaram num ritmo rápido,
pois, os Molhes foram construídos entre 1910-1915. Com esta construção a
hidrodinâmica e a sedimentação foram modificadas nos arredores dos dois braços
de pedra impactando as áreas próximas. Entre 1911 e 1919, junto ao Molhe Oeste,
ocorreu um recuo de 620 metros da linha média de água. Até meados da década de 1950 o a linha de
praia chegou a 720 metros de aumento (EIA/RIMA, Ampliação dos Molhes da Barra,
1998).
Reforçando
a resposta as questões iniciais:
Não! O
local dos banhos de mar mudou e muito entre 1890 e 2023! Atualmente, é
necessário caminhar (a partir do Barracão) cerca de 600 metros para chegar até
a água.
Não! O
cordão de dunas atual (o frontal...) não existia em 1890! O recuo das águas possibilitou (com a ajuda essencial do vento nordeste e da areia muito fina) a sua formação em outros locais da linha de praia.
Beira-mar no Cassino, 1908. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense. |
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