"Esta rota direta se faz em meio a belos vales cercados de florestas de pinheiros. Ela oferece um único obstáculo para a passagem dos carros. É um valo do qual as bordas são cobertas de rochedos e o declive é acentuado. Para facilitar a passagem dos carros seria necessário ver se podemos contornar esta montanha. (…) Por volta das 5 horas da tarde chegaram minha charrete, meu pessoal, minhas ovelhas, meus jumentos e meus cavalos, felizmente. Eu parti dia 11 de fevereiro. Estou chegando 6 de março. Quer dizer que levei 25 dias para vir de São Borja até aqui (Santa Cruz). Como houve dias em que caminhei muito pouco e outros em que não caminhei nada, uma charrete pode facilmente vir de São Borja até aqui em 20 dias e uma tropa de gado ou de outros animais pode vir em 15 dias".
Aimé Bonpland
No diário do naturalista Aimé Bonpland está este registro de sua chegada a Santa Cruz do Sul no dia 6 de março de 1849. A noção de espaço e tempo mudou muito. Bonpland calcula que de charrete se demorava 20 dias desde a saída de São Borja até a chegada em Santa Cruz. A distância entre as duas cidades é de 438 quilômetros e em velocidade módica (80 km), pode ser percorrida em 5 horas e 48 minutos. Ou seja, no mesmo dia é possível fazer o percurso de automóvel e inclusive retornar neste mesmo dia ao ponto inicial. O passageiro pode dormir em todo o percurso e zerar qualquer experiência ou significado de sua passagem sem a tecnologia de viagens mais rápidas viabilizadas por estradas que possibilitem o deslocamento, a noção de temporalidade se arrastava junto com a noção arrastada de distância.
Fico imaginando a percepção de Bonpland, com seu espírito de observação aguçadíssimo, por períodos tão longos se arrastando em carroças, cavalos, a pé, numa percepção direta da natureza que estende na vegetação, nas elevações e declives, na passagem dos cursos d'água, nas intempéries mais brandas ou mais aflitivas, na visualização de animais em coxilhas ou nas matas.
O tempo que se arrasta, ao mesmo tempo é dinâmico pois está repleto de experiências e visões das fisiografias físicas e humanas que residem nas paisagens.
Os diários dos naturalistas mostram olhares aguçados e curiosos, passagens lentas que possibilitam a reflexão sobre os cenários. Fazer a leitura destes diários de viajantes estrangeiros é voltar a um tempo de processos lentos, de cobertura vegetal e presença animal abundante, de observações ímpares sobre existências que se perderam no passado. E as observações dia, eram caligraficamente transposta para o papel na luz tênue de um lampião fumegante.
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