A Ilha
dos Marinheiros começou a ser visitada pelos luso-brasileiros em 1737, com o
objetivo de retirada de madeira e de água potável para Rio Grande. O lobisomem em Portugal é um personagem
conhecido há séculos e estava na bagagem dos imigrantes que chegaram a Rio
Grande. Muitos imigrantes lusitanos povoaram a Ilha e trouxeram este
imaginário...
Era noite de lua cheia! No barco de um
pescador artesanal saí do Bosque e fomos até o Porto do Rei, pois queria passar
a noite pescando na Lagoa das Noivas, no interior a Ilha dos Marinheiros.
Pescar numa Lagoa para quem mora em Rio Grande é como fazer o caminho contrário
numa cidade em que o Oceano Atlântico e o Estuário da Lagoa dos Patos dão
acesso a peixes caracteristicamente marinhos. Em vez de pescar Tainha, Anchova,
Bagre e Linguado a pescaria é de peixes de água doce como a Traíra e o Jundiá!
Além da predileção pelo diferente pesou muito a paisagem maravilhosa da Lagoa
das Noivas, além da sensação de isolamento da urbe relativamente próxima, mas,
cujos sons e poluição vão ficando à distância.
Coloquei as linhas de espera na água e subi na duna mais alta do entorno
para contemplar ao horizonte a cidade. Por volta de 18h30 surgiu à lua cheia
maravilhosamente avermelhada e grandiosa se erguendo entre os prédios distantes.
Cenário perfeito, pois até uma luz natural iluminaria o entorno da Lagoa que
poderia receber a visita de alguma cobra cruzeiro (ou cruzeira) que circula
entre o entardecer e a noite.
A noite era dos
peixes e não do solitário pescador! Os espécimes pequenos levavam a isca, e o
anzol, voltava brilhante de tanto serem polidos pelos pequenos e míseros
ladrõezinhos. Todavia, o melhor estava para ser reservado... Quando o silêncio
formou uma espessa muralha em que qualquer som pode ser escutado já que a
atenção não está dispersa, eis que um uivo súbito me congelou cada músculo. O
primeiro pensamento foi que uma alcateia de lobos acabara de “tomar o poder” na
Ilha dos Marinheiros. Porém, o som se repetiu e a lua permitiu observar no alto
da duna uma criatura acocada e com a cabeça inclinada para o alto. Era
meia-noite e o despertador do licantropo soara de forma aterradora no ouvido do
pescador! O primeiro pensamento é de não estar sozinho, mas daí a estar com um
lobo enorme que parecia não querer andar apenas com as quatro patas. Seria Lon
Chaney Jr (o Talbot do filme “Lobisomem” de 1941?). Sempre vem a cabeça o "Cão
dos Baskerville" de Conan Doyle numa situação como esta. Foi à curiosidade (às
vezes, a fatal curiosidade) que me levou a um gesto insano: ir em direção a
criatura que encerrara a sua desesperada cantoria com aquela lua que de
maravilhosa passou a fantasmagórica. Seria uma boa ideia?
Recordei antigas
histórias que escutei de ilhéus. Por volta de 1880, quando bois ou cavalos
apareciam mortos tendo os seus pescoços rasgados pelos dentes de algum animal,
os aldeões formavam um grupo e percorriam a Ilha caçando os lobisomens que
furtivamente se esquivavam do enfrentamento. Lobisomens teriam sido mortos e
eram carneados para fazer pelegos que eram usados como amuletos contra novos
ataques. Nestes mais de dois séculos de ocupação da Ilha a relação foi se
tornando equilibrada e os enfrentamentos foram desaparecendo. Ao lembrar disso,
refleti que não precisava olhar o lobisomem em seus olhos, apenas imaginar a
sua existência. Como se entendesse esse equilíbrio tênue entre licantropos e
humanos, o lobisomem da Ilha lançou um último uivo para a lua cheia e
desapareceu da duna. Deve ter ido em busca de algum lagarto, cobra ou mamífero
que permitisse saciar a fome intensificada pela luz da lua cheia.
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