Breve,
caricata, lúdica, documental, sentimental... É como defino esta HQ do
cartunista e ilustrador João Spacca de Oliveira (ou Spacca, 1964).
A HQ Debret em Viagem Histórica e Quadrinhesca ao
Brasil (Companhia das Letras, capa flexível, colorida, 22x17cm, p.48, 2006)
se debruçou sobre o pintor francês Jean Debret (1768-1848) e trouxe para
linguagem dos quadrinhos alguns olhares incisivos de um dos mais argutos
observadores do cotidiano brasileiro.
Conforme
Elaine Dias na apresentação Debret nos Trópicos (p. 5 a 8 da HQ): “Jean-Baptiste
Debret, o principal personagem da arte brasileira no século XIX, integrou a
chamada Missão Artística Francesa e foi o maior articulador da fundação da
Academia de Belas-Artes no Rio de Janeiro. Responsável por formar a primeira
geração de artistas brasileiros voltados à produção artística oficial,
representou de maneira marcante, através da ilustração e da gravura, os
diversos grupos que compunham a sociedade carioca daquele período”.
Seu olhar
sobre as populações indígenas era de uma curiosidade não abarrotada de
etnocentrismo e eurocentrismo. Sua curiosidade antropológica residia mais na
busca da valentia e da esfera cultural das sociedades indígenas do que na visão
do “bom selvagem” rousoniano. De tal forma que fazia comparações em que
colocava no mesmo nível de autoridade um chefe indígena, em relação a um grego
ou romano: “Tudo aquilo que o homem concebeu como ideias filosóficas elevadas,
admiráveis ou mesmo estranhas encontra-se em princípio em germe, no índio
selvagem...”.
Na página 21 é construído um diálogo (com base
nas anotações de Debret) que remete as práticas cotidianas dos lugares sociais
e a visão iluminista de que o avanço na educação traria a igualdade que não era
observada no Brasil:
“Entre os
dois extremos da civilização, o nobre das florestas e o nobre da cidade, ambos
livres e orgulhosos, Debret localiza o homem cativo, que realiza todos os
trabalhos físicos. [Comentário de Debret nos quadrinhos – Tudo assenta, neste
país, no escravo negro. O mulato é o homem mais robusto do Rio, oprimido pelo
branco que o despreza, e detestado pelo negro. Já o português trata o branco
brasileiro de mulato. Somente a
civilização poderá destruir esses elementos de desordem: materialmente, pela
mistura mais frequente dos dois sangues, e moralmente pelo progresso da
educação].
Debret
permaneceu 15 anos no Brasil documentando o período de transição da permanência
do “espírito colonial” durante o Reino Unido de D. João VI, a Independência do
Brasil e o início do Império, a abdicação de D. Pedro I e a aclamação do menino
de cinco anos D. Pedro II. Portanto, momentos decisivos da formação histórica
brasileira.
Debret
chegou ao Brasil em março de 1816 e retornou a França em julho de 1831. O seu
olhar artístico se voltou ao povo brasileiro, às comidas, os utensílios, da
cuia de chimarrão aos balaios, as festas, os funerais, o carnaval, as
residências dos nobres e as casas comunais dos índios, o multicolorido da
presença dos escravos e os seus sofrimentos.
Felizmente para os brasileiros, este projeto
que cobriu parte de sua vida, foi publicado em três volumes nos anos de 1834,
1835 e 1839, com mais de 250 gravuras. Visitar estas gravuras possibilita um
retorno no tempo em que não havia fotografia e que os documentos nem sempre
colorizavam – ou quase nunca o faziam – os homens e mulheres reais que viviam
no Brasil num tempo em que a nação começava a ser construída.
Ilustrações de Spacca. In: Debret em HQ... |
Contra-capa do livro Debret em HQ... |
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