Edição da Brasiliense do início dos anos 1980. |
O livro On The Road (Pé na Estrada) de Jack Kerouac evidenciou,
literariamente, o lado sombrio do sonho americano. O pressuposto é o desapego
da espacialidade social e familiar que domestica os sentidos e a liberdade.
Buscar na estrada a beleza e a fealdade, os personagens gratificantes e os
repugnantes, o silêncio solitário das vastidões que pode até oprimir. O desejo
de aventura e desenraizamento conduz a obra de Kerouac, escrita originalmente
em 1951 e publicada em 1957, narrando a jornada de Sal Paradise e seu amigo
Dean Mariarty, por estradas do interior dos Estados Unidos. Tema retomado
diversas vezes, inclusive no cinema, no filme “Sem Destino” (1969) no contexto
do movimento hippie. Kerouac escreve de forma espontânea as oralidades
coletadas e vividas assim como as experiências que a vida na estrada pode legar
aos passageiros. Um trecho do livro remete a esta paixão pela estrada: “Que sensação é essa, quando
você está se afastando das pessoas e elas retrocedem na planície até você ver o
espectro delas se dissolvendo? – é o vasto mundo nos engolindo, e é o adeus.
Mas nos jogamos em frente, rumo à próxima aventura louca sob o céu”.
O livro influenciou Bob
Dylan, Charles Bukowski, Jim Morrison, Lou Reed e também os primórdios do movimento
hippie. Lançou as bases do movimento de contracultura, inicialmente denominado
de beatnik, onde “on the road” se torna uma palavra mágica e também maldita. O
estilo narrativo beat é espontâneo, coloquial, com gírias, verborrágico e
impressionista.
Mas na estrada também estão às intempéries da condição humana e seus
conflitos e cruezas. Entre as tantas reflexões existenciais na busca do
sentido, este trecho do livro expressa um pouco da compreensão de Kerouac: “Algo,
alguém, algum espírito nos perseguia, a todos nós, através do deserto da vida,
e estava prestes a nos apanhar antes que alcançássemos o paraíso. Naturalmente,
agora que reflito sobre isso, era apenas a morte: a morte vai nos surpreender
antes do paraíso. A única coisa pela qual ansiamos em nossos dias de vida, e
que nos faz gemer e suspirar, sujeitos a todos os tipos de náuseas singelas, é
a lembrança de uma alegria perdida que provavelmente foi experimentada no
útero, e que somente poderá ser reproduzida (apesar de odiarmos admitir isso)
na morte. Mas quem quer morrer?”
Esta brevíssima introdução à obra busca deixar claro que o “On The Road”
é um cânone de onde se produziu muitas obras e expressões culturais e
comportamentais. Portanto, muito cuidado com a apropriação do tema...
Todos os títulos de graphic novel
que abordo é com o objetivo de divulgação desta modalidade de “arte narrativa”.
A minimalização atual do público das HQs faz com que eu busque a “agregação” e
não a “dispersão” do interesse dos leitores. Dito isto, divulgo o recém-lançado
“Mickey e Pateta – Pé na Estrada” roteiro de Fausto Vitaliano e arte de Paolo
Mottura. Edição da Panini Comics na coleção Graphic Disney (capa dura, 31,5 cm x
20,5, 84 páginas). Inicialmente, uma belíssima apresentação gráfica com formato
que possibilitou o aproveitamento da qualificada arte de Paolo Mottura. A
estética agrada já na capa e se mantém ao longo da quadrinização. A fragilidade
está no roteiro/diálogo e no não convencimento dos dois personagens centrais:
Pateta e Mickey. Pé na Estrada é adulto demais para um tratamento tão infantil,
ou para forçar um amadurecimento de dois personagens datados com certo perfil e
cuja transmutação superficial não “convence” alguns leitores: estou me
referindo a minha leitura da HQ e não a universalização desta crítica a outros
olhares. Carl Barks escrevia para um público infantil mas com tiradas
inteligentes, irônicas, debochadas e irreverentes, que fluíam naturalmente. Mas
isto é outra história! Que novos títulos venham pois estarei pronto para uma
leitura “lúdica” mas também com um olhar “crítico”.
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