Museu das Missões antes do fenômeno. Acervo: Ministério da Cultura. |
Museu das Missões e a destruição. Acervo: Defesa Civil. |
O escaldante abril de 2016, que registrou as
temperaturas mais altas dos últimos 100 anos, deixou também um rastro de
problemas ligados à chuva excessiva na metade oeste, no extremo sul do Rio
Grande do Sul e na província de Rocha (Uruguai). No dia, 15 de abril ocorreu à
formação de um tornado na cidade de Dolores, Departamento de Soriano (Uruguai)
com a categoria F3 (ventos em torno de 300 km/h) na Escala Fujita, provocando 5
mortes e 250 feridos.
Um fenômeno semelhante ocorreu em São Miguel
das Missões, atingindo a área rural do município e também parte do sítio
arqueológico, especialmente o museu missioneiro com peças barrocas esculpidas
em madeira e que foram confeccionadas pelos índios guaranis no século XVII e
XVIII. No rastro de destruição ocorreram muitos danos materiais e pelo menos 8
feridos.
A dúvida inicial é se realmente era um
tornado ou ocorrerá outro fenômeno atmosférico. Matéria da Metsul do dia 25 de
abril, assinada pelos meteorologistas Luiz Fernando Nachtigall e Estael Sias confirmaram que um Tornado F2 atingiu
São Miguel: “A análise de dados, vídeos e fotos dos danos
registrados em São Miguel das Missões evidenciam a passagem de um tornado pelo
município do Noroeste do Rio Grande do Sul. Assim como a trajetória deste tipo
de fenômeno é errática, assim também é sua intensidade e sua ocorrência. Um
funil pode descer e tocar o solo e desaparecer segundos depois para ressurgir
logo após. Isso explica a variabilidade na intensidade dos danos ao longo da trajetória
percorrida por um tornado. No caso de São Miguel das Missões, os danos que
foram observados variam na escala Fujita de tornados entre F0 (vento estimado
até 117 km/h) e F2 (180 a 250 km/h). Ao longo da trajetória foram
observados danos menores como pequenos destelhamentos e até graves como colapso
total de residência de alvenaria e o deslocamento de veículo do chão. No parque
das ruínas de São Miguel, onde houve danos no museu arqueológico e o tombamento
de muitas árvores, a intensidade estimada do tornado foi F1 (vento 118 a 180
km/h). Apesar do registro de danos localizados por vento, vídeos que tivemos
acesso não mostram tornado afetando a área urbana do município e sim vento
forte associado ao temporal, o que explica a maior gravidade de estragos no
interior (zona rural). Chamou a atenção em vários vídeos e fotos feitos por
moradores da região a presença de um mesociclone (foto), que se define como um
vórtice de ar, de aproximadamente 2 a 10 km de diâmetro em uma tempestade.
Tornados costumam estar associados a este tipo de fenômeno. As condições
atmosféricas, ademais, eram favoráveis ao fenômeno. Dados de análise por
modelagem numérica mostraram a presença de uma corrente de jato (vento) em
baixos níveis da atmosfera, um corredor de vento forte a cerca de 1500 metros,
que se origina na Bolívia com ar seco e quente e que descia até o Noroeste do
Rio Grande do Sul. Ao mesmo tempo uma frente fria avança pelo Estado. O
contraste entre os padrões de vento gerou o que se denomina de cisalhamento
(cortante de vento) e a formação de tornado”.
A Metsul também ressaltou que foram quatro
anos seguidos com ocorrência de tornados no Rio Grande do Sul ou em Santa
Catarina em abril, um mês que, historicamente, se caracterizava por ser um
período com menor instabilidade atmosférica.
Felizmente, as estruturas materiais
remanescentes da Missão de São Miguel Arcanjo não foram atingidas. Desde 1983,
este sítio é Patrimônio Mundial (UNESCO) e são as maiores estruturas do projeto
histórico missioneiro ainda presente no Rio Grande do Sul. Dos chamados Sete
Povos que retornam ao Rio Grande do Sul a partir de 1682 (e que foram
antecedidos pelos 18 Povos no Rio Grande do Sul entre 1626-1641), São Miguel foi
edificada a partir de 1687 num processo envolvendo padres jesuítas e índios
guaranis sob bandeira do Rei da Espanha. Esta experiência civilizatória se caracterizou
pela construção de cidades onde ocorria a redução de povos guaranis ao
catolicismo e a condição de cidadãos espanhóis. O projeto persistiu até 1756,
quando da ocupação da região pelas tropas luso-espanholas. No período de
florescimento, nas Missões eram realizadas atividades de olaria, escultura,
pintura, edificações arquitetônicas, obras urbanas de planificação e de captação
e escoamento das águas etc. Agricultura, pecuária e extrativismo (como o da
erva mate) eram atividades fundamentais para garantir a continuidade dos
povoados missioneiros.
O precioso acervo de peças missioneiras que
se encontrava no Museu das Missões (projetado pelo arquiteto Lucio Costa na
década de 1930) sofreu muitos danos causados por estilhaços dos vidros partidos
pelo tornado e pela destruição do telhado colonial. Contabilizar os danos, buscar
recursos para restaurar as peças e reconstruir o local, é um dos procedimentos
que está sendo feito pelo Instituto Brasileiro dos Museus.
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