Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

domingo, 10 de novembro de 2019

TORNADO EM SÃO MIGUEL ARCANJO

Museu das Missões antes do fenômeno. Acervo: Ministério da Cultura.


Museu das Missões e a destruição. Acervo: Defesa Civil.


O escaldante abril de 2016, que registrou as temperaturas mais altas dos últimos 100 anos, deixou também um rastro de problemas ligados à chuva excessiva na metade oeste, no extremo sul do Rio Grande do Sul e na província de Rocha (Uruguai). No dia, 15 de abril ocorreu à formação de um tornado na cidade de Dolores, Departamento de Soriano (Uruguai) com a categoria F3 (ventos em torno de 300 km/h) na Escala Fujita, provocando 5 mortes e 250 feridos.
Um fenômeno semelhante ocorreu em São Miguel das Missões, atingindo a área rural do município e também parte do sítio arqueológico, especialmente o museu missioneiro com peças barrocas esculpidas em madeira e que foram confeccionadas pelos índios guaranis no século XVII e XVIII. No rastro de destruição ocorreram muitos danos materiais e pelo menos 8 feridos.
A dúvida inicial é se realmente era um tornado ou ocorrerá outro fenômeno atmosférico. Matéria da Metsul do dia 25 de abril, assinada pelos meteorologistas Luiz Fernando Nachtigall e Estael Sias confirmaram que um Tornado F2 atingiu São Miguel: “A análise de dados, vídeos e fotos dos danos registrados em São Miguel das Missões evidenciam a passagem de um tornado pelo município do Noroeste do Rio Grande do Sul. Assim como a trajetória deste tipo de fenômeno é errática, assim também é sua intensidade e sua ocorrência. Um funil pode descer e tocar o solo e desaparecer segundos depois para ressurgir logo após. Isso explica a variabilidade na intensidade dos danos ao longo da trajetória percorrida por um tornado. No caso de São Miguel das Missões, os danos que foram observados variam na escala Fujita de tornados entre F0 (vento estimado até 117 km/h) e F2 (180 a 250 km/h). Ao longo da trajetória foram observados danos menores como pequenos destelhamentos e até graves como colapso total de residência de alvenaria e o deslocamento de veículo do chão. No parque das ruínas de São Miguel, onde houve danos no museu arqueológico e o tombamento de muitas árvores, a intensidade estimada do tornado foi F1 (vento 118 a 180 km/h). Apesar do registro de danos localizados por vento, vídeos que tivemos acesso não mostram tornado afetando a área urbana do município e sim vento forte associado ao temporal, o que explica a maior gravidade de estragos no interior (zona rural). Chamou a atenção em vários vídeos e fotos feitos por moradores da região a presença de um mesociclone (foto), que se define como um vórtice de ar, de aproximadamente 2 a 10 km de diâmetro em uma tempestade. Tornados costumam estar associados a este tipo de fenômeno. As condições atmosféricas, ademais, eram favoráveis ao fenômeno. Dados de análise por modelagem numérica mostraram a presença de uma corrente de jato (vento) em baixos níveis da atmosfera, um corredor de vento forte a cerca de 1500 metros, que se origina na Bolívia com ar seco e quente e que descia até o Noroeste do Rio Grande do Sul. Ao mesmo tempo uma frente fria avança pelo Estado. O contraste entre os padrões de vento gerou o que se denomina de cisalhamento (cortante de vento) e a formação de tornado”.
A Metsul também ressaltou que foram quatro anos seguidos com ocorrência de tornados no Rio Grande do Sul ou em Santa Catarina em abril, um mês que, historicamente, se caracterizava por ser um período com menor instabilidade atmosférica.
Felizmente, as estruturas materiais remanescentes da Missão de São Miguel Arcanjo não foram atingidas. Desde 1983, este sítio é Patrimônio Mundial (UNESCO) e são as maiores estruturas do projeto histórico missioneiro ainda presente no Rio Grande do Sul. Dos chamados Sete Povos que retornam ao Rio Grande do Sul a partir de 1682 (e que foram antecedidos pelos 18 Povos no Rio Grande do Sul entre 1626-1641), São Miguel foi edificada a partir de 1687 num processo envolvendo padres jesuítas e índios guaranis sob bandeira do Rei da Espanha.  Esta experiência civilizatória se caracterizou pela construção de cidades onde ocorria a redução de povos guaranis ao catolicismo e a condição de cidadãos espanhóis. O projeto persistiu até 1756, quando da ocupação da região pelas tropas luso-espanholas. No período de florescimento, nas Missões eram realizadas atividades de olaria, escultura, pintura, edificações arquitetônicas, obras urbanas de planificação e de captação e escoamento das águas etc. Agricultura, pecuária e extrativismo (como o da erva mate) eram atividades fundamentais para garantir a continuidade dos povoados missioneiros.   
O precioso acervo de peças missioneiras que se encontrava no Museu das Missões (projetado pelo arquiteto Lucio Costa na década de 1930) sofreu muitos danos causados por estilhaços dos vidros partidos pelo tornado e pela destruição do telhado colonial. Contabilizar os danos, buscar recursos para restaurar as peças e reconstruir o local, é um dos procedimentos que está sendo feito pelo Instituto Brasileiro dos Museus.

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