Plano do Rio Grande de São Pedro (1777). Biblioteca Nacional de Portugal. |
A conquista
espanhola da Vila do Rio Grande (1763-1776) sofreu um revés decisivo em abril
de 1776 quando o Exército do Sul, comandado pelo Tenente-General Johann
Heinrich Böhn, reconquistou para a Vila para os portugueses. Acontecimentos de
grandes dimensões para o período como a arregimentação de mais de 4.000
soldados no atual município de São José do Norte com o objetivo de retomar a
Vila, desdobrou-se em ataque terrestre e em combate naval. O diário e as cartas
deixadas pelo comandante Böhn é uma das principais fontes para investigar o
período.
Na
Vila do Rio Grande o efetivo de militares espanhóis era de cerca de 1.500
homens de terra, possuindo ainda 8 navios e vários fortes estendidos ao longo
do canal: Forte da Vila (Jesus-Maria-José), Ladino, Mangueira, Triunfo,
Trindade, Novo, Mosquito e Barra. Os luso-brasileiros possuíam um efetivo de
terra e mar de 4.385 homens e 12 navios, com fortificações no canal do Norte.
O ataque
começou às três horas da madrugada do dia 1 de abril de 1776 e buscava anular a
resistência dos fortes espanhóis e invadir a Vila do Rio Grande fazendo um
grande número de prisioneiros. Os espanhóis são derrotados no ataque aos fortes
e preferem uma rápida retirada na madrugada do dia 2, promovendo incêndios,
levando todo o gado e cavalhada, impedindo desta forma, que as tropas
luso-brasileiras os perseguissem em sua fuga. Na tarde do dia 2 os portugueses
reconquistavam a Vila do Rio Grande. As cartas escritas pelo comandante das
Tropas do Sul Johann Heinrich Böhn ao Vice-Rei Marquês do Lavradio possibilitam
resgatar os desafios de restabelecer a ocupação urbana e a defesa militar da
Vila do Rio Grande nos primeiros dias que seguiram a retomada do dia 1º de
abril. Um local abandonado às pressas pelos espanhóis, em grande parte destruído
e infestado por ratos foi o cenário encontrado. Böhn, assim observou estes
episódios, que serão aqui reproduzidos apenas no relato a partir do dia 1 de
abril de 17776 até o mês de junho do mesmo ano. Esta reconquista foi o marco
inicial para que o Rio Grande do Sul edificasse o atual mapa de seu território.
Vejamos um trecho do relatório:
“Abril, 1
(Dia do ataque a Vila do Rio Grande). A primeira parte foi executada
pontualmente e, com a ajuda de Deus, sem grandes perdas nem desordens, apesar
da multidão de pequenos barcos e da largura deste rio. Antes do amanhecer,
nossos granadeiros já eram senhores dos objetivos – os dois fortes. O do
Mosquito foi tomado em primeiro lugar. Ali perdemos 2 granadeiros de Estremoz e
um artilheiro e tivemos oito feridos. Os espanhóis tiveram três mortos, 11
feridos e 16 prisioneiros. Os restantes escaparam. Entre os feridos
encontravam-se o capitão-comandante, um tenente e dois cadetes. O Brigadeiro
Chichorro teve, após saltado em terra, uma contusão na coxa direita, consequência
de um tiro partido de um dos navios espanhóis que fugiam; mas sem perigo.
Na tomada da
Trindade só tivemos um soldado do Regimento de Moura, ligeiramente ferido. Os
espanhóis tiveram 1 morto e 14 feridos, entre os quais o capitão-comandante e
somente 2 prisioneiros; o restante escapou. O Tenente Joaquim Gomes fez uma
série de tiros de canhão sobre o Forte da Mangueira, de tal forma que,
apavorada, a guarnição do forte evacuou antes de 8 horas e se retirou, passando
do Forte da Mangueira para a Vila de São Pedro.
A Esquadra
espanhola vendo-se entre dois fortes, antes seus protetores, agora seus
inimigos, não esperou o dia raiar. Cortou seus cabos e se pôs à vela antes que
se pudesse ver as coisas. Procurou salvar-se pela fuga. Mas foi tão infeliz que
três de seus melhores navios se perderam num banco de areia, pouco abaixo de
seu Forte da Barra. Tentaram afastar-se demais de nossas baterias do Lagamar e
da Nova, que não ficaram inertes. (...) Viu-se, à tarde, para os lados da Vila
de São Pedro, um grande fogo. Ao pôr do sol viu-se claramente que eles puseram
fogo também no Forte do Ladino, apenas acabado. Ele queimou com violência
extraordinária. Todo este procedimento mostrava claramente que eles tinham
intenção de se retirar. A guarnição do Triunfo se foi também às 5 horas da
tarde. Depois da meia-noite, viu-se um grande fogo em seu Forte da Barra, que
durou até o amanhecer.
2 de abril
de 1776: Atravessei o rio em bote. Ao chegar ao Mosquito, às notícias que aí me
deram confirmaram a minha opinião de que o Forte da Barra havia sido evacuado.
Mandei tomar armas uma Companhia de Granadeiros e fui direto ao forte, com uma
peça de 3 libras. (...) Não encontrei espanhol algum, nem no caminho nem no
forte. Ali foi difícil entrar porque uma parte dos quartéis queimava ainda. A
casa da pólvora tinha ido pelos ares. As plataformas e as carretas ou rodas das
peças meio consumidas, exceto o bastião à esquerda de quem entra, onde o fogo
não havia pegado. Fui com o Marechal Funck e o Tenente-Coronel Ribeiro, que
tinham vindo comigo, com o Comandante Hardecastle, que veio depois, e com o
Major Manuel Soares Coimbra, até a muralha. Mesmo com dificuldade, nela
levantamos um mastro com a bandeira portuguesa. Colocamos a peça de 3 sobre o
parapeito dando a salva real.
Fique
bastante surpreso, chegando à Vila de Rio Grande, por não encontrar os
granadeiros que eu supunha lá estarem há mais de uma hora, visto que não há,
desde o lugar em que pareceram saltar em terra, até o forte, mais de um bom quarto
de légua. Mas havia algumas pontes no caminho, que os espanhóis haviam
derrubado ao se retirarem, de modo que eles não chegaram senão após o Sol
posto. Assim, durante perto de três horas, não houve para guarda da Vila e do
forte mais do que 4 oficiais de terra e 3 de ar, todos armados bem levemente.
Entretanto, passeamos pela Vila e dela fizemos fugir os ladrões vindos da
vizinhança para o saque. Chegaram desertores melhor armados que nós. Os
espanhóis haviam acampado no Forte do Arroio, a poucas léguas. Antes da
retirada, eles haviam rolado na água os barris de pólvora e destruído as rodas
dos reparos das peças do Forte da Vila com grandes golpes de machado,
encravando as peças”.
O relato de
Böhn demarca as horas iniciais da retomada da Vila do Rio Grande que passará a
ser reconstruída nos anos seguintes e voltará a ser um centro de atração para
povoadores luso-brasileiros e açorianos.
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