Beija-mão de D. João VI. Autoria do artista inglês A.P.D.G. |
Já no tempo do governo de D. João VI (1808-1821) a corrupção era moeda corrente no Brasil. No Rio de Janeiro, se debochava na imprensa com estes versos: “Quem furta pouco é ladrão; Quem furta muito é barão; Quem mais furta e esconde; Passa de barão a visconde”. No século seguinte, continuava a mesma ladainha na imprensa e os autores continuavam inflexíveis em sua prática.
O Jornal
Echo do Sul de 25 de agosto de 1905 publicou uma matéria que evidencia a
atualidade de um problema que o Brasil, historicamente, encontra muitas
dificuldades para enfrentar: a confusão entre o público e o privado; o uso do
bem público para a manutenção do poder; as práticas corruptivas por agentes
públicos; apropriações indébitas por mandatários; larapiomania voltada à
apropriação indébita do fruto financeiro da pesada expropriação arrecadatória
do povo brasileiro; a perpetuação da mediocridade da cidadania política através
de práticas da alienação assistencialista etc. A larapiomania pode apresentar
múltiplas facetas, mas o cinismo é a marca de sua perpetuação discursiva.
A matéria
fala por si mesmo e explicita que passados mais de 110 anos, continuamos na
pré-história da constituição de uma verdadeira Nação. Continuamos na “Ilha da
Fantasia” de um discurso da honestidade e de práticas nefandas e repugnantes,
já denunciadas largamente pela imprensa da cidade do Rio Grande naquela época:
“A
Larapiomania. Ignoramos se algum dos antropólogos, tanto em voga na Itália,
considera o ladrão um doente; mas quer o considerem ou não, nós estamos prontos
a afirmar que o roubo é uma doença e não raras vezes epidêmica, principalmente
entre a classe dos empregados públicos, como a afirma a autoridade do povo
brasileiro, que de há longa data vem observando o fenômeno físico e econômico,
nas repartições federais.
Sob o ponto
de vista fisiológico: o larápio público é um tipo “tout à fait” igual ao homem
honesto, sendo em geral bem aparecido, com pose de “magister”; socialmente, é “lourdement
maitre de soi meme”, supondo-se dono do tesouro público.
É por isso
que de vez em quando lança mão dos dinheiros que estão sob sua guarda,
sugestionado pela posição, esquecendo-se que aquilo é coisa de muitos embora
sejam poucos a gastá-lo.
Impressionável
até o excesso segue em tudo o exemplo dos chefes e crê que na qualidade de
membro da família dos ratos governamentais, também lhe cabe o direito de roer,
resultando que, de vez em quando, cai na ratoeira da inexperiência e, quando
menos, deixa ficar o rabo entalado, fugindo com o pequeno pedaço, que vai
acabar de trincar num cantinho escuro, menos com medo dos gatos-fiscais que das
ratazanas superiores.
A ciência
ainda não conseguiu, pelo menos no Brasil, descobrir um serum anti-larápico;
mas no dia em que o conseguir, cremos que um movimento mais terrível que o de
14 de novembro [de 1889] se reproduzirá por parte dos necessitados da sua
inoculação, visto que será o povo quem reclame a obrigatoriedade desse
preventivo, e o exército dos empregados públicos que se oponha. Aí então é que
queremos ver a atitude das câmaras.
Que miséria!
Rara é a semana que a imprensa não registra um desfalque numa repartição
pública; no entanto, os autores embora descobertos, são conservados nos mesmos
lugares, ou quando muito, são despedidos, após um simulacro de processo que só
serve para distribuir entre o larápio e o seu advogado a quantia roubada. Isso
não se passa em um ou dois Estados, é geral nos vinte de que consta a federação
brasileira, que bem poderá ser representada por um grande queijo onde os ratos
de todos os tamanhos e feitios arrancam pedaços do miolo.
Pobre pátria! Enquanto os teus filhos
laboriosos e honrados sofrem o peso de enormes dificuldades para engrandecer-te
com indústrias e progressos novos, os teus administradores cuidam no modo de te
depenarem e os ditos teus servidores locupletam-se com o produto dos impostos e
direitos que deveriam ser para embelezar-te e dar-te seiva econômica”.
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