Veranistas no Cassino por volta de 1930. Acervo: Museu da Cidade do Rio Grande. |
Revista do Globo de 1935. |
“... Hoje já se encontra por ali muita vida, muita animação, muito
ruído... Nos dias calmosos e serenos vê-se grande número de moças que estão
acomodadas com as famílias em pequenas vivendas, correndo a cavalos na areia
fina, que reluz polvilhada de sol. Enchem a grande paisagem nua e solitária com
a luz dos seus olhares brilhantes e com a frescura de rosa das suas cetinosas
faces. Com os vestidos de amazonas, as travessas gentis, galopam destemidas
soltando gritinhos agudos de expansiva vivacidade para assustarem as aves, que
ruflando as azas fogem em
debandada. A água salgada é a grande panaceia da moda, todos
querem experimentá-la por luxo ou por gosto, por necessidade ou por pendenga. A
um cura, a outro alivia; mal não consta que tenha feito a ninguém” Diário do
Rio Grande. Rio Grande 15 de
janeiro de 1891.
Duas
matérias jornalísticas exemplificam a tentativa de reprodução de hábitos
europeus no balneário Cassino nas primeiras décadas de sua existência. A crônica casinense do jornal Echo do Sul de 4 de janeiro de 1918 é
escrita por um repórter mundano que
enfatiza a vida elegante e a moda do esnobismo em vigor no balneário naquele
período.
“Chronica casinense. Do
carnet do nosso repórter do Casino: Em toda a parte ha repórteres
mundanos e no Casino também os ha. Daí surge à crônica que segue, feita por um
deles que, refugiado aqui do calor da cidade, procurou a frescura da Beira Mar,
aonde, a par das delícias que a praia oferece também quer ser snob, que é hoje a coisa mais chic na sociedade. Ser snob é coisa hoje tão fácil que todo o
mundo o é, e esta criação no Brasil foi obra da situação em que nos achamos em
relação às outras nações onde ha vida elegante.
Assim é que,
no Brasil, antigamente, não havia mundo elegante e, depois de certa época,
começou-se a falar português com palavras estrangeiras; diz-se sempre que tomar
chá é fazer-se five-ó-clock-tea; que madame Fulana apresentou-se em tal festa
encantadoramente chic em gabardine bleue;
arranjou-se os gentlemen set e vê-se
tudo up-to-date entre senhoras que,
embora com vestido de casa, usam tea-gowns,
servem o samovar e jogam lawn-tennis ou bridge. O repórter
mundano precisa, portanto, ser snob e
no Casino precisa haver snobismo para
ser uma praia verdadeiramente chic.
Este ano teremos snobismo porque o repórter mundano cá está incógnito e
fará a seção elegante do Echo. Já se
deixa ver que esta seção será feita dentro dos preceitos de snobismo, isto é, elogiará sempre as
mulheres, fará a apologia dos bolos das donas de casa nos five-ó-clock-tea, acariciará os totós das senhoras e será louvar da
cabeça aos pés para a que nos ouve e outro tanto daquela de quem se fala”.
As
referências a locais e hábitos de consumo europeus constituem a essência destas
matérias. Há construção de identidade com referenciais da Belle Époque francesa buscam um distanciamento com o espaço
regional fundado no latifúndio recém saído do escravismo, de uma sociedade
agrário-patriarcal cuja dinâmica do capitalismo na cidade do Rio Grande
(comércio de exportação/importação e indústrias e segmentos médios urbanos)
possibilita o surgimento de novos comportamentos sociais. E segue o repórter mundano em sua descrição dos
novos costumes da época:
“Chronica Casinense. Poucas notas. Quase sem notícias o repórter...
São ainda calmos os dias aqui, são poucas as diversões e procura-se matar o
tempo do modo porque se pode. Passeios pela Avenida Rio Grande e pela praia,
faz-se com isso o footing à
beira-mar, anima, consola e diverte; com os passeios ao longo do mar uma
alegria comunicativa rejuvenesce os corações.
Como
satisfaz o footing na praia, onde se
percebe agora como são bonitas as brasileiras de sociedade! A cada passo
encontramos gente bela, harmoniosa e airosa. O footing é uma necessidade e os habitantes do Casino perceberam
isso...
Eu
recordo-me com esses passeios pela Avenida e pela praia, talvez comparando mal,
do Pincio de Roma, do Bois, em Paris, da Aqua Sole, em Genova, do Hyde Park.
Quando na praia, a variedade de cores das toilettes das senhoras com a
estridência da luz, ainda mais vivamente Pompéia a apoteose das cores violentas
e faz-nos recordar, com saudade, aquela Nice encantadora com o seu já celebre
Promenade des Anglais. Anoitece e o repórter volta com alma satisfeita para os
seus penates, mas, sons esparsos de música enchem a noite enluarada, de uma
melancolia terna e complacente que se difunde no luaceiro. Estes sons partem
dos chalets habitados pelos snobs e nós paramos para ver quem toca e lobrigamos
quase sempre à satisfação e o prazer dos musicistas e dos ouvintes...
Temos ouvido
nestas ocasiões Chopin, Grieck, Beethoven e outros reis da música. Caminhamos
ainda e chegamos ao salão. Está anunciada uma bela fita no ecran do cinema teatrinho. Vamos assisti-la. parece tudo muito bem
e a fita se passa com interesse, de repente começa a subir e a descer e custa a
voltar à posição que deve manter e todos sentem que o operador se acha
embaraçado. Afinal acerta e tudo continua bem, dando o prazer dos elegantes e smarts de terem visto passar uma seção
cinematográfica... Tudo é perdoável entre a gente elegante e estas pequenas
coisas são como ligeiros incentivos ao gozo da crítica gentil e amável.
O banho de
mar tem tido uma freqüência notável nestes últimos dias. É um lindo fato a
consignar. Tudo progride neste país essencialmente elegante e o banho de mar também
teve o seu progresso... As nossas patrícias e patrícios acompanham com
interesse a moda e o banho de mar também tem moda. Não se estranhará em futuro
não muito remoto que foi lançada em Longchamps,
tal como se lança a moda para os vestidos, uma nova moda para as toilettes de banho... Em tempos que
ainda não vão muito longe as nossas banhistas tinham saias mais compridas que
as que usavam em passeio; agora as nossas banhistas têm calças curtinhas e tão
graciosas que as banhistas de Ostende, Atlantic City e Ocean View teriam inveja
de como as brasileiras, todas lindas, mostram a sua estética incomparável. Foi
um progredir de antemão justificável por que aquelas saias tão compridas, tão pesadas
e tão sem graça, eram efetivamente detestáveis, eram insuportáveis, eram como
uma terrível cortina de pesado pano sobre o mais lindo quadro que a imaginação
possa conceber.
Pela manhã e
a tarde a praia enche-se de banhistas e são todas senhoras e cavalheiros, de
uma tal elegância neste deshabillé
que não hesitamos em afirmar como um cioso do que é seu - as brasileiras são
realmente de uma elegância que chegam a ser insuplantáveis” (Echo do Sul. Rio Grande, 23 de janeiro de 1918).
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