Bento Gonçalves da Silva. Óleo sobre tela de autor desconhecido. Acervo: Museu Julio de Castilhos. |
Procuro
sempre insistir na importância do primeiro jornal editado em Rio Grande. O
Noticiador, criado em 1832, foi uma publicação que surgiu às vésperas da
eclosão da Revolução Farroupilha. Sua postura liberal radical fará com que a
publicação seja transferida para Porto Alegre após a tomada desta cidade pelas
tropas farroupilhas e que seu editor, Francisco Xavier Ferreira, tivesse um
papel de destaque no cenário inicial do processo revolucionário. Uma matéria
publicada no dia 3 de novembro de 1835, foi assinada pelo hoje legendário Bento
Gonçalves da Silva. No calor da hora, apoiando e divulgando a causa dos
farroupilhas, O Noticiador esteve engajado nestes acontecimentos que são referência
na história do Rio Grande do Sul. Com a retomada de Porto Alegre pelas tropas Imperiais,
Xavier Ferreira foi preso e levado ao Rio de Janeiro, onde morreu no cárcere no
ano de 1838. Neste texto de Bento Gonçalves, percebe-se a capacidade discursiva
daquele que se tornaria presidente da República Rio-grandense. O contexto é a
tomada de Porto Alegre e a deposição do presidente da Província Fernandes
Braga, que foge pela Lagoa dos Patos e passa a administrar o Rio Grande do Sul
a partir da cidade do Rio Grande. A proclamação é pela busca de neutralidade
dos estrangeiros frente ao confronto militar. Fica claro também que o objetivo
dos farroupilhas era o afastamento do Presidente da Província (Braga que era
natural da Vila do Rio Grande) e a indicação pelo Império Brasileiro de um
Presidente sensível as interesses das elites estancieiras do Rio Grande do Sul.
Uma ação política no sentido de concessões iniciais poderia ter evitado dez
anos de conflito e milhares de mortos. Porém, a estratégia do Império, também
usada contra outras Províncias, foi intensificar a repressão e promover a
militarização da Província. Apesar do resultado negativo no cenário econômico e
de perdas humanas, a Revolução Farroupilha acabou propiciando – através de
literatos e intelectuais, a edificação de uma complexa simbologia que
fundamenta parte significativa da identidade rio-grandense até o presente.
Proclamação do Coronel Comandante da Força
Armada
Portugueses
e mais estrangeiros residentes na Província do Rio Grande! Os acontecimentos
que acabais de presenciar não os deve surpreender, eles são os efeitos
inevitáveis de uma Administração, que havendo perdido o poder da opinião
pública, dirigia seus atos pelo espírito da facção retrógrada: armava-se da
opressão e do despotismo; e fazia de nosso Código Sagrado uma letra morta. Desde
muito tempo os sintomas do descontentamento e insurreição se hão deixado sentir
na massa do Povo em todos os ângulos da Província; e por muitas vezes, Cidadãos
amigos da ordem e esperançados em medidas salutares do Governo Central, hão
continuado sua tremenda explosão; e entre eles, como não ignorais, hei
cooperado sempre à tranqüilidade pública; mas o sofrimento geral devia então
cansar-se. Em minha
Estância , aonde me havia retirado, diariamente chegavam-me
notícias dos movimentos, que se fazia em todos os pontos da Província; e
cheguei a convencer-me que não havia força capaz de fazer parar a torrente
ameaçadora. O voto dos cidadãos armados contra a opressão me chamava à empresa;
suas exigências eram justas; eu não tenho podido recusar serviços reclamados
por minha Pátria, e deliberei voar entre eles para dar um regular andamento aos
negócios e evitar quanto fosse possível a efusão de sangue. Portugueses, nada
temeis: em vão o principal redator do Correio Oficial Pedro Rodrigues Fernandes
Chaves, corifeu dos retrógrados, e causa primária dos males que pesam sobre a
Província, tem querido alarmar-vos contra os Patriotas; apelidando-os de bárbaros,
anarquistas, salteadores, vossos fidagais inimigos e sedentos de sangue. Não: é
este um gratuito ultraje ao caráter generoso dos habitantes desta Província. Os
cidadãos que presentemente empunham as armas não se propõem a outro fim que
restabelecer o Império da Lei, e obrigar um Presidente inepto e faccioso, a
entregar o manejo dos negócios públicos a um Vice-Presidente, que goze da
opinião da grande maioria, até a chegada de outro Presidente, que nos envie o
Governo Central: a isto se limitam as exigências do partido Nacional. Se o sr.
Antonio Rodrigues Fernandes Braga lhe ficam alguns restos de amor Pátrio, se
chega a convencer-se da insuficiência de seus esforços para manter-se em um
lugar de onde o expulsa a vontade geral do Povo, se quer enfim evitar toda a
efusão de sangue satisfará aquelas justas exigências; mas se surdo à voz da
razão persiste tenaz em alimentar a tocha da discórdia e armar Cidadãos contra
Cidadãos, vereis despregar-se todo o poder de um Povo Brioso que há jurado não
depor as armas, se não depois de roto o jugo, que lhe impunha a facção, que
tantos males há causado ao Brasil; e seu triunfo é certo. Portugueses! Nesta
luta recordai-vos de vossa posição; estrangeiros a nossos assuntos não vos
intrometeis neles, guardai a mais estrita neutralidade e vossas propriedades e
pessoas estarão debaixo da salvaguarda da Honra Brasileira; vós outros não
desconheceis o caráter Hospitaleiro e generoso dos filhos desta Província e não
temeis ver entre nós outros, renovadas as cenas do Pará. Tranqüilizai-vos, os
Cidadãos, que se acham a frente do Povo armado, não permitirão que se manche
sua glória com violências e atentados que desonram as Nações Civilizadas. Eu não duvido que a prudência dirigirá vossa
conduta; mas se houver entre vós alguns iludidos, que desgraçadamente se deixam
arrastar por paixões ignóbeis, e ousem se opor a vontade do Povo, eu não
responderei das consequências de seu erro e dos males que lhe possam daí
sobrevir. O Povo é justo, e saberá discernir o inocente do culpado; e aos
Estrangeiros pacíficos servirá de escudo, o grito funesto aos tiranos de - Viva
a Liberdade! Viva o nosso jovem Monarca Constitucional! Viva a Constituição
Reformada! E vivam os corajosos rio-grandenses livres! Bento Gonçalves da Silva.
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