Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

terça-feira, 22 de outubro de 2019

O PORTO VELHO E A ECONOMIA DO RIO GRANDE DO SUL


Vista do Cais do Porto Velho repleto de embarcações no início do século XX. Acervo: Museu da Cidade do Rio Grande.


Fotografia da rua Riachuelo no início do século XX. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense.
 Todos ralham contra o local do Rio Grande e ninguém trata de o melhorar, não obstante ser patente a todas as luzes que seus defeitos naturais são remediáveis pela arte.[1] Gonçalves Chaves (1822). 

A constituição de um grupo mercantil no Rio Grande do Sul esteve relacionado aos interesses de negociantes do Rio de Janeiro neste comércio e nas transações com a Colônia do Sacramento. Segundo Helen Osório[2], as vinculações econômicas e sociais dos negociantes da praça do Rio de Janeiro com o espaço do Rio Grande de São Pedro remontam a 1737. As exportações de charque, couro e trigo, através do Porto da Vila do Rio Grande tornaram-se relevantes em nível de abastecimento interno da América Portuguesa a partir da década de 1780. Excetuando-se os couros, cujo mercado central era a Europa, os produtos oriundos do Rio Grande de São Pedro distribuíam-se pelas praças do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. Se o maior comprador de charque sulino foi à Bahia, o principal parceiro comercial foi o Rio de Janeiro, pois para esta cidade dirigia-se a maioria do trigo e produtos agrícolas, provindo do Porto do Rio de Janeiro, dois terços dos escravos importados pela Capitania do Rio Grande, além de produtos têxteis e manufaturas européias. Os principais negociantes do Rio Grande do Sul eram majoritariamente externos e foram correspondentes ou momentaneamente sócios dos homens de grosso trato do Rio de Janeiro. Manuel José de Oliveira, comerciante carioca radicado em Rio Grande possuía 135 escravos mas continuava a depender do sócio-irmão radicado no Rio de Janeiro.


       O desenvolvimento da Vila do Rio Grande nas duas primeiras décadas do século 19 esteve, vinculado estreitamente à expansão da região pelotense, mas o seu desligamento não trará efeitos sensíveis sobre a dinâmica de sua evolução. Prevalece, até o fim do período colonial, a centralização das atividades econômicas da Capitania em torno da pecuária e do charque, cujas transações comerciais eram concentradas no porto e Vila do Rio Grande. Através do porto, Rio Grande garantiu um considerável nível de desenvolvimento, que refletiu-se no crescimento da área urbana. Este desenvolvimento ganhou um vulto assombroso se consideradas as críticas condições que marcaram sua existência ao longo dos mais de setenta anos decorridos desde sua fundação e, sobretudo, se levado em conta que as suas condições físicas adversas prevalecem, ainda, nesta fase de prosperidade.[3]

        Nos primórdios do século 19, Rio Grande era o principal centro de comércio da Capitania, estando o crescimento sócio-econômico ligado diretamente ao movimento portuário, o qual repercutiu num aumento da demanda de serviços portuários e de reparos de navios o que constituiu uma fonte de geração de empregos. Surgiu uma elite comercial muitas vezes associada aos setores de produção do interior da Freguesia ou da Capitania. A formação desta elite remonta a década de 1780. John Luccock, em 1809, considerou Rio Grande como “o maior mercado do Brasil Meridional” destacando que os principais negociantes da Capitania estavam estabelecidos na Vila. O progresso e o desenvolvimento da Vila do Rio Grande adveio da sua função comercial e da ação interessada e direta de seus comerciantes, diante de seus problemas mais graves, substituindo a inércia a que a câmara local se via obrigada em razão de contar com rendimentos que não garantiam, sequer, a sua própria manutenção. 

        No ano de 1822, a Vila estava constituída por vinte e quatro lojas de fazendas, quinze armazéns de atacado, três boticas, dois ferreiros, dois tanoeiros, dois ourives, duas lojas de louça, dois latoeiros e um caldeiro, estando a maior parte destas casas comerciais situadas na rua da Praia, junto ao porto. As melhores residências construídas com tijolos, trazidos de Porto Alegre, e várias com sacadas e balcões de ferro, pertenciam aos comerciantes. Neste ano, havia seis ruas principais correndo paralelas ao porto, cruzadas por becos estreitos, inexistindo calçamento. A presença da areia dificultava inclusive o deslocamento dos pedestres ou carroças, e no caso de fortes ventos, o comércio era obrigado a fechar as portas. A população pobre, ocupando cabanas feitas de barro e cobertas de palha, habitavam o setor antigo da Vila, constituído por quatro ruas paralelas e becos. 

        Em 1823, foram concluídas as obras de construção do porto feito de madeira e a dragagem do cais, permitindo que navios com mais de duzentas toneladas, que até então só tinham acesso ao Porto de São José do Norte, ancorassem no Porto da Vila do Rio Grande. Foram obras realizadas com a participação financeira dos comerciantes da Vila, os quais estiveram envolvidos também em outras obras públicas como a edificação de um teatro. O papel comercial, nos primórdios do século 19, superou a função militar da Vila. Até o símbolo inicial da ocupação bélica, o desativado Forte Jesus-Maria-José, passou a sediar um semáforo sinalizador para os navios que navegavam pela barra. Para John Luccock, os canhões herdados dos espanhóis que ainda encontravam-se no Forte, foram montados sobre carretas que estavam colocadas num círculo suficientemente distante do canal para não causar o mínimo aborrecimento a um inimigo que se aproximasse e se desmantelariam ao primeiro disparo.

O ritmo comercial da Vila redefiniu o seu papel histórico de praça militarizada passando para centro portuário de escoamento de toda produção da Capitania dirigido ao mercado interno brasileiro. 

[1] CHAVES, Antonio José Gonçalves. Memórias Ecônomo-Políticas sobre a Administração Pública do Brasil. Rio de Janeiro 1822-23.
[2] OSÓRIO, Helen. Comerciantes do Rio Grande de São Pedro: formação, recrutamento e negócios de um grupo mercantil da América Portuguesa In: Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH, nº 39, 2000.
[3] QUEIRÓZ, Maria Luiza B. A Vila do Rio Grande de São Pedro. Rio Grande: Edfurg, 1987.

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