Corymbo. Acervo: observatoriodaimprensa.com.br |
A imprensa brasileira surgiu tendo como uma
de suas mais marcantes características, a força de sua opinião. Portanto, os
periódicos constituíram-se, como instrumentos pedagógicos divulgadores de
civilidade e moralidade, e consequentemente, como formadores de opinião
pública. Outra característica que parece ter sido comum aos empreendimentos
jornalísticos, ao menos aqueles que surgiram no século XIX, foi seu caráter
artesanal e familiar.
São algumas das
ideias desenvolvidas por Caroline Leal Bonilha em dissertação de mestrado
defendida no ano de 2010 (Corymbo: memória e
representação feminina através das páginas de um periódico literário entre 1930
e 1944 no Rio Grande do Sul. Mestrado em Memória Social e Patrimônio Cultural. Universidade Federal de Pelotas). Caroline analisou a representação da figura feminina
no Rio Grande do Sul através das páginas do periódico literário Corymbo, lançado
em 1883 e publicado até 1944 na cidade do Rio Grande.
Conforme a autora, o Corymbo é
classificado como sendo um periódico literário, ou seja, uma publicação que
mantém certa periodicidade e que se dedica não a notícias, mas a publicações de
contos, poesias, resenhas de livros e outros gêneros literários. Esse tipo de
publicação tornou-se comum no Brasil a partir da metade do século XIX. No
entanto, alguns motivos fazem com que o Corymbo mereça atenção especial.
Um deles é sua longevidade, lançado em 1883, só deixa de ser editado em 1944.
Outro elemento que chama atenção é o fato de ter sido criado e de ter mantido à
frente de sua redação, durante todo o tempo em que foi publicado, duas
mulheres, Revocata Heloisa de Mello e Julieta de Mello Monteiro. A combinação
desses elementos faz do Corymbo o primeiro periódico literário dirigido
por mulheres surgido no sul do Brasil, assim como aquele que se mantém mais
tempo sendo publicado.
Revocata
Heloísa de Melo, nascida em
Porto Alegre em 1853, além de jornalista foi professora em Rio Grande , tendo
destacada atuação no meio intelectual e filantrópico da cidade. Julieta de Melo
Monteiro nascida em Rio
Grande em 1855, atuou ao lado da irmã na imprensa literária
até a sua morte em 1928. Duas mulheres que tiveram intensa atividade literária
e social na cidade.
Durante o largo tempo em que permaneceu em
circulação, o Corymbo foi testemunha e sujeito; talvez não no sentido
ativo, mas através da divulgação de um discurso que não só fala sobre
determinadas situações como também as conforma; de grandes marcos da história
do estado do Rio Grande do Sul e do Brasil como a abolição da escravatura, a
proclamação da República, a revolução Federalista, as revoluções de 1923 e 1930, a conquista do voto
feminino e duas guerras mundiais.
O nome Corymbo tem origem na biologia e se refere
a um tipo de inflorescência onde flores que nasceram em alturas diferentes em
um mesmo ramo, se igualam as outras, na porção superior do ramalhete. A escolha
do nome do periódico parece se relacionar diretamente a seu objetivo principal:
a divulgação da produção literária feminina e de assuntos que importavam
diretamente à mulher, como o direito a educação e ao voto. Educação, trabalho e
crença na importância da imprensa são ideais constantemente promovidos pelo Corymbo.
E, apesar de nossas constatações quanto à hibridização da representação do
ideal feminino apresentado pelo periódico, o Corymbo não deixou de lado
a defesa pela igualdade feminina tendo atuado como importante meio de
divulgação, não só da produção literária feminina, mas também, da produção
crítica acerca das condições, limitações e das potencialidades da mulher. Da
mesma forma não se pode negar a importância de Revocata de Mello e de sua
persistente luta, afirma Caroline Bonilha.
A dissertação partiu da hipótese de que seriam
encontradas diferenças marcantes entre as representações de mulher traçadas
pelo positivismo e a representação de uma mulher que se supunha moderna. O
período que engloba os anos de 1889
a 1930 conforma a Primeira República no Brasil.
Fortemente marcada pelo projeto político e moral positivista, a Primeira
República delimitou e atuou na subjetivação da representação de ideais
femininos muito específicos. A mulher deveria atuar como anjo tutelar e rainha
do lar, sendo, portanto, responsável pela moralidade e pela família; pilares
fundamentais de uma sociedade que desejasse para si o progresso. Um dos meios
de maior potencia na divulgação desse ideal foi à imprensa. A hipótese de que
relevantes alterações neste referencial discursivo do jornal poderia estar
presente no pós-1930, ocorreu devido ao amplo conhecimento das mudanças
políticas profundas ocorridas desde a ascensão de Getulio Vargas ao poder até
1945. Nesse período foi notória a reconfiguração da identidade nacional
promovida pelo governo através da eleição de alguns aspectos da vida pública
brasileira. A modernização e a industrialização desejada como consequência do
primeiro elemento exigiam um novo cidadão que foi intencionalmente pensado por
políticos e intelectuais que atuaram ou não no governo Vargas. Porém, verificou-se
a permanência de diversas representações calcadas no positivismo convivendo com
outros ideais tão modernos quantos, formando um híbrido entre aquilo que as
mulheres deveriam ser, o que queriam ser e as possibilidades de que cada uma
dispunha para manifestar sua subjetividade e desejos. De qualquer forma, o Corymbo
atuou como uma vitrine de tensões, desejos e lutas. Nele estão inscritas as
memórias de mulheres que através de suas vidas colaboraram para a conformação
de uma história das feminilidades.
Com a morte de Revocata em fevereiro de 1944,
o jornal deixou de circular depois de 61 anos de existência tendo se tornado
referência para o estudo da imprensa literária brasileira.
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