Porto do Rio Grande em 1908

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quarta-feira, 30 de outubro de 2019

O CORYMBO E A IMPRENSA FEMININA

Corymbo. Acervo: observatoriodaimprensa.com.br 

A imprensa brasileira surgiu tendo como uma de suas mais marcantes características, a força de sua opinião. Portanto, os periódicos constituíram-se, como instrumentos pedagógicos divulgadores de civilidade e moralidade, e consequentemente, como formadores de opinião pública. Outra característica que parece ter sido comum aos empreendimentos jornalísticos, ao menos aqueles que surgiram no século XIX, foi seu caráter artesanal e familiar.
São algumas das ideias desenvolvidas por Caroline Leal Bonilha em dissertação de mestrado defendida no ano de 2010 (Corymbo: memória e representação feminina através das páginas de um periódico literário entre 1930 e 1944 no Rio Grande do Sul. Mestrado em Memória Social e Patrimônio Cultural. Universidade Federal de Pelotas).  Caroline analisou a representação da figura feminina no Rio Grande do Sul através das páginas do periódico literário Corymbo, lançado em 1883 e publicado até 1944 na cidade do Rio Grande.
Conforme a autora, o Corymbo é classificado como sendo um periódico literário, ou seja, uma publicação que mantém certa periodicidade e que se dedica não a notícias, mas a publicações de contos, poesias, resenhas de livros e outros gêneros literários. Esse tipo de publicação tornou-se comum no Brasil a partir da metade do século XIX. No entanto, alguns motivos fazem com que o Corymbo mereça atenção especial. Um deles é sua longevidade, lançado em 1883, só deixa de ser editado em 1944. Outro elemento que chama atenção é o fato de ter sido criado e de ter mantido à frente de sua redação, durante todo o tempo em que foi publicado, duas mulheres, Revocata Heloisa de Mello e Julieta de Mello Monteiro. A combinação desses elementos faz do Corymbo o primeiro periódico literário dirigido por mulheres surgido no sul do Brasil, assim como aquele que se mantém mais tempo sendo publicado.
 Revocata Heloísa de Melo, nascida em Porto Alegre em 1853, além de jornalista foi professora em Rio Grande, tendo destacada atuação no meio intelectual e filantrópico da cidade. Julieta de Melo Monteiro nascida em Rio Grande em 1855, atuou ao lado da irmã na imprensa literária até a sua morte em 1928. Duas mulheres que tiveram intensa atividade literária e social na cidade.
Durante o largo tempo em que permaneceu em circulação, o Corymbo foi testemunha e sujeito; talvez não no sentido ativo, mas através da divulgação de um discurso que não só fala sobre determinadas situações como também as conforma; de grandes marcos da história do estado do Rio Grande do Sul e do Brasil como a abolição da escravatura, a proclamação da República, a revolução Federalista, as revoluções de 1923 e 1930, a conquista do voto feminino e duas guerras mundiais.
O nome Corymbo tem origem na biologia e se refere a um tipo de inflorescência onde flores que nasceram em alturas diferentes em um mesmo ramo, se igualam as outras, na porção superior do ramalhete. A escolha do nome do periódico parece se relacionar diretamente a seu objetivo principal: a divulgação da produção literária feminina e de assuntos que importavam diretamente à mulher, como o direito a educação e ao voto. Educação, trabalho e crença na importância da imprensa são ideais constantemente promovidos pelo Corymbo. E, apesar de nossas constatações quanto à hibridização da representação do ideal feminino apresentado pelo periódico, o Corymbo não deixou de lado a defesa pela igualdade feminina tendo atuado como importante meio de divulgação, não só da produção literária feminina, mas também, da produção crítica acerca das condições, limitações e das potencialidades da mulher. Da mesma forma não se pode negar a importância de Revocata de Mello e de sua persistente luta, afirma Caroline Bonilha.  
A dissertação partiu da hipótese de que seriam encontradas diferenças marcantes entre as representações de mulher traçadas pelo positivismo e a representação de uma mulher que se supunha moderna. O período que engloba os anos de 1889 a 1930 conforma a Primeira República no Brasil. Fortemente marcada pelo projeto político e moral positivista, a Primeira República delimitou e atuou na subjetivação da representação de ideais femininos muito específicos. A mulher deveria atuar como anjo tutelar e rainha do lar, sendo, portanto, responsável pela moralidade e pela família; pilares fundamentais de uma sociedade que desejasse para si o progresso. Um dos meios de maior potencia na divulgação desse ideal foi à imprensa. A hipótese de que relevantes alterações neste referencial discursivo do jornal poderia estar presente no pós-1930, ocorreu devido ao amplo conhecimento das mudanças políticas profundas ocorridas desde a ascensão de Getulio Vargas ao poder até 1945. Nesse período foi notória a reconfiguração da identidade nacional promovida pelo governo através da eleição de alguns aspectos da vida pública brasileira. A modernização e a industrialização desejada como consequência do primeiro elemento exigiam um novo cidadão que foi intencionalmente pensado por políticos e intelectuais que atuaram ou não no governo Vargas. Porém, verificou-se a permanência de diversas representações calcadas no positivismo convivendo com outros ideais tão modernos quantos, formando um híbrido entre aquilo que as mulheres deveriam ser, o que queriam ser e as possibilidades de que cada uma dispunha para manifestar sua subjetividade e desejos. De qualquer forma, o Corymbo atuou como uma vitrine de tensões, desejos e lutas. Nele estão inscritas as memórias de mulheres que através de suas vidas colaboraram para a conformação de uma história das feminilidades.
Com a morte de Revocata em fevereiro de 1944, o jornal deixou de circular depois de 61 anos de existência tendo se tornado referência para o estudo da imprensa literária brasileira.

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