Cena do filme Stagecoach. Acervo: Estúdio United Artists. |
Rio
Grande também teve o seu ‘Tempo das Diligências’, quando o deslocamento de
passageiros e correspondências, além das águas, também era feito por tração animal
nestas antigas diligências. Nos Estados Unidos os filmes divulgaram imensamente
esta prática dos transportes feitos por empresas como a Wells Fargo (empresa
muito venerada pelos pistoleiros do Velho Oeste por transportarem dinheiro). Em
1939, num dos melhores anos da história de Hollywood, foi produzido um western
clássico chamado ‘No Tempo das Diligências’ (Stagecoach) com a participação de
John Wayne e direção do magistral John Ford. As dificuldades no deslocamento
entre localidades norte-americanas, evidenciadas neste filme clássico, permitem
uma reflexão sobre o movimento até o extremo-sul do Brasil no ano de 1872.
Caminhos precários e alagadiços, arroios que transbordavam e a passagem pela
atual reserva ecológica do Taim poderiam fazer parte do cenário que não foi
explicitado na matéria que será reproduzida. Ou será que o caminho também
poderia ser feito pela beira da praia?
Ao
ler a matéria publicada no jornal Diário do Rio Grande de 18 de outubro de
1872, é possível imaginar um pouco deste cenário trilhado três vezes por mês
por uma diligência que saia da cidade do Rio Grande e tinha como destino Santa
Vitória do Palmar. O relato instiga a imaginação, porém, não façam uma analogia
histórica com o filme de John Ford na parte geográfica (Arizona em comparação
com os Campos Neutrais) e do ataque dos índios: não imaginem índios minuanos
atacando a diligência ou uma carga da cavalaria dos Dragões do Rio Grande vindo
ao socorro!
RUMO AO EXTREMO-SUL
“A Assembléia provincial. As comunicações que
atualmente existem entre esta cidade e a florescente povoação de Santa Vitória.
Devendo estar funcionando a assembléia provincial, animamo-nos a solicitar
dessa corporação, um serviço em favor do município que não possui vias de
comunicação correspondentes ao estado de adiantamento a que tem atingido. Essa
bonita povoação está colocada sobre a fronteira com a República Oriental, e,
carece ela, da imediata vigilância por parte do governo, que deve cuidar de
resguardar esse ponto de qualquer invasão estrangeira, devendo ter ali forças
para esse fim. As vias de comunicação, quer terrestres que marítimas, unicamente
se facilitam quando há algum resultado; e as terrestres, na estação invernosa,
não podem encetar viagens por estarem os terrenos alagadiços, e os arroios se
enchem impossibilitando o transito. As embarcações, isto é, os poucos iates que
deste porto navegam para aquele, encontram no verão o embaraço do sangradouro,
que os demora, muitas vezes mais de mês; no inverno há os perigos da Lagoa Mirim,
com as fortes correntezas e ventos, que impedem algumas vezes, fazem essas
viagens quando se lhes garante um frete que lhes salve as grandes despesas; por
isso não admira que apareça três ou quatro vezes no ano um vapor que aporte àquelas
paragens. A comunicação pelo lado marítimo é a que demonstramos sem medo de
contestação. Resta-nos demonstrar a terrestre: essa é feita há três anos mais
ou menos por uma diligência, que regularmente faz no verão três viagens mensais
entre aquela povoação e esta cidade. Essa diligência é atualmente propriedade
do sr. Rafael Alegre, estrangeiro laborioso que tem feito grandes sacrifícios
para sustentar a sua empresa da qual nenhum lucro tem auferido, mas que a sustenta
com a mira de que sua dedicação e esforço, reunidos a sua permanência, possam
mais tarde achar compensação, pelo menos da parte do povo que, reconhecendo a
necessidade e os serviços que presta essa empresa, mais dela se utilize. E nem
pode deixar de ser esse o calculo bem fundado do sr. Alegre, desde que nas três
viagens que faz mensalmente a diligência, é difícil conseguir mais do que
custear a despesa que faz com as postas e com o grande número de animais,
piães, etc, o que atinge a quantia de 400$000 mensais. A importância das
passagens, reunida ao que pagam as encomendas que pode levar ou trazer, muitas
vezes não compensa as despesas e assim é que ele tem necessidade de equilibrar
os meses em que mais lucro possa ter, para poder sustentar essa empresa quando
ela pouco faz. No entanto essa empresa presta serviços reais ao comércio e ao
governo. Ao governo a quem dá sem a menor retribuição em todas as viagens, um
lugar de passageiro, e conduz toda a correspondência oficial. Uma empresa, que
presta os serviços mencionados, não merecerá da ilustre Assembléia Provincial
uma subvenção de 2:400$ anuais?
É esse pequeno auxílio que o sr. Rafael Alegre
pede a assembléia provincial e dessa solicitação já tomou ela conhecimento na
sessão de março deste ano. Sem dúvida que a Assembléia não negará tão pequeno
auxílio para que não feneça a única e certa comunicação que com ela pode contar
a povoação de Santa Vitória e o seu comércio com o Rio Grande. Não pedimos
auxílio para uma empresa que se não criou e para aquela parecerá justo o escrúpulo
que mostre a Assembléia em concedê-lo: pedimos para uma empresa que tem dado
provas, a custa de muitos sacrifícios, da honestidade do seu empresário e da
boa vontade com que ele cumpre os deveres que a si mesmo impôs. São pois dois
os benefícios que resultarão desse auxílio: a garantia que continuará a empresa
e a certeza de que possuiremos uma comunicação certa, durante o ano, com a
freguesia de Santa Vitória. O município do Rio Grande é aquele que arrecada
maior renda para a província: o município do Rio Grande, na proporção relativa,
é talvez aquele menos favores tenha merecido dos cofres provinciais para os
quais concorre com grandes cifras. A Assembléia Provincial que tem no seu seio representante
que conhece a justiça da solicitação que em nome dos interesses deste município
hoje fazemos, pedindo tão pequeno auxílio para a útil e necessária empresa da diligência
que viaja entre esta cidade e Santa Vitória. Temos fé que a Assembléia Provincial
prestará esse serviço ao nosso município”.
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