Planta do litoral do Rio Grande do Sul em 1726. Biblioteca Nacional de Portugal. |
O ano de 1752 é o referencial cronológico que assinala o desencadear da imigração açoriana para o Rio Grande do Sul a partir de sua chegada ao porto do Rio Grande de São Pedro. Em anos anteriores, açorianos já desembarcaram no cais da então Vila do Rio Grande, porém a política dos casais se configurou em 1752 com a chegada de grande número de ilhéus. Este capítulo épico no povoamento do Rio Grande do Sul, acarretou no surgimento de várias cidades gaúchas e a difusão de hábitos alimentares, de linguajar, de práticas agrícolas, de adaptações arquitetônicas etc, expressos nas singularidades da cultura luso-açoriana.
Na Vila do Rio Grande de São Pedro, assim denominada administrativamente a partir de 1751, os açorianos tiveram um papel colonizatório essencial para o seu desenvolvimento urbano, demográfico e econômico. Desde janeiro de 1748 os casais açorianos começaram a desembarcar no porto do Desterro em Santa Catarina, porém à Vila do Rio Grande de São Pedro eles só chegaram na década seguinte. Em setembro de 1749 um espião espanhol esteve observando a Vila e constatou que nenhuma família havia chegado à ocupação portuguesa. A expectativa da vinda dos casais açorianos está contextualizada nas tratativas do Tratado de Madri, assinado em janeiro de 1750, quando a efetiva ocupação das terras, o uti possidetis, era o desafio que a Coroa de Portugal buscou enfrentar com um povoamento planejado com os ilhéus. A consolidação dos portos do Desterro, na Ilha de Santa Catarina e do Rio Grande, na barra do Rio Grande, garantia o controle do litoral meridional, propiciando a expansão colonizatória lusa em direção ao oeste, à almejada região ocupada pelas Missões Jesuítico-Guaranis.
O deslocamento para Rio Grande ainda dependia, segundo o governador da Ilha de Santa Catarina Manuel Escudeiro em selecionar aqueles que ainda estivessem em condições de poder suportar um acréscimo de vários dias aos que já traziam de viagem e também em conseguir embarcações de pequeno calado capazes de transpor o porto do Rio Grande. O Conselho Ultramarino instruiu para que todas as embarcações que se destinassem ao Rio Grande fizessem escala em Santa Catarina para transportar os casais em condições. Esse transporte assistemático e possivelmente em grupos reduzidos dificulta uma conclusão de quantos casais vieram para Rio Grande. Conforme a historiadora Maria Luiza Queiroz (A Vila do Rio Grande de São Pedro), o primeiro assentamento de casais na Vila remonta a 22 de novembro de 1750, indicando uma pequena entrada neste ano.
Para Queiróz, a Vila do Rio Grande foi à porta de entrada da corrente açoriana que se deslocou da Ilha de Santa Catarina para o continente do Rio Grande. Atendendo ao objetivo principal de sua imigração, os casais deveriam ser deslocados em grupos para o interior e lá aguardar a ocasião para ocupar a região das Missões. Entretanto, a resistência indígena, já a partir de 1753, e a conseqüente Guerra Guaranítica, que se estendeu até 1756, tornaram impossível a concretização desses planos e determinaram à permanência da quase totalidade do contingente açoriano na própria Vila do Rio Grande. Possivelmente, entre 1752 e 1754, grupos de casais tenham apenas passado pela Vila, seguindo logo para o interior; nessa época Gomes Freire de Andrade fortificava três áreas, estrategicamente, importantes para manter acesso à região a ser incorporada: Santo Amaro, onde estabeleceu os armazéns de abastecimento do Exército; Rio Pardo, onde erguera o Forte de Jesus-Maria-José para garantir aquela fronteira; e o porto do Arraial de Viamão, base de manutenção dos outros dois pontos. O impulso da colonização açoriana está demarcado no ano de 1752, o que pode ser constatado nos batizados da população livre açoriana que em 1751 foi quatro registros e em 1752 passou para 42 registros.
A importância da imigração açoriana para a Vila do Rio Grande em termos demográficos foi excepcional. Ela representou um acréscimo, em menos de cinco anos, de pelo menos 1.273 pessoas adultas brancas (570 homens e 703 mulheres), a uma população que, incluindo todos os grupos raciais, na metade da década anterior, teria 1.400 almas. De imediato, estabeleceu-se um predomínio numérico do grupo sobre a população branca da vila e, possivelmente, também sobre o conjunto da população livre. A produção açoriana foi fundamental para afastar da Vila o espectro da fome, que a rondava desde a sua fundação. A população já não dependia apenas da carne e da importação de farinha para sobreviver, e podia contar com hortaliças, legumes e frutas que eram produzidos para o consumo interno.
Em relação ao lugar social dos açorianos na Vila do Rio Grande, o insignificante número de famílias açorianas que se tornaram proprietárias de escravos até abril de 1763 (invasão espanhola) significa claramente que nesta fase a mão-de-obra básica das pequenas propriedades – as chácaras ou sítios – que os casais açorianos partilharam com tios, primos, sogros, e outros casais, foi essencialmente livre, branca, açoriana; os açorianos constituíram a autêntica classe camponesa da sociedade rio-grandina deste período.
De acentuada relevância foi o povoamento da Vila do Rio Grande de São Pedro pelo contingente açoriano até 1763. Tanto que em abril deste ano, 76,3% dos casais da Vila eram açorianos. Porém, em outras localidades do Rio Grande do Sul, os açorianos ficaram abandonados do apoio estatal prometido. O drama épico da saída das ilhas e chegada ao Brasil persistiu nas décadas posteriores a sua chegada. O assentamento previsto na Provisão de 9 de agosto de 1747 foi protelado por décadas. Portugal neste período estava com a balança comercial deficitária. A ocupação do território missioneiro, a partir do previsto no Tratado de Madrid frustrou as expectativas dos casais pois a área continuou sobre controle da Coroa Espanhola. A economia mineradora no Brasil colonial apresentava queda na produção e a cotação internacional do açúcar era baixa. Os custos de manutenção das tropas e a reconstrução de Lisboa, que fora destruída pelo terremoto e maremoto de 1755, deixou deficitário o Erário Régio lusitano. Uma situação metropolitana e ultramarina complexa em que a colonização açoriana inseriu-se e que os colonos sentiram severamente os efeitos, inclusive com a dominação espanhola na Vila do Rio Grande.
Após a retomada lusitana e expulsão espanhola, durante os governos do brigadeiro Marcelino de Figueiredo (1769-1780) e do brigadeiro Sebastião da Veiga Cabral e Câmara (1780-1801) é que o povoamento açoriano que já havia se difundido mas que passou a ser organizado com legalização de terras em núcleos como Porto Alegre, Viamão, Osório, Mostardas, Santo Amaro, Cachoeira etc. Novas conjunturas e perspectivas abriam-se aos colonizadores dos Açores nas duas últimas décadas do século XVIII. Após a viagem marítima, o drama do abandono e do conflito com os espanhóis, novos desafios aguardavam os colonizadores açorianos nos primórdios do século XIX.
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