Igreja Matriz de São Pedro por volta de 1920. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense. |
Os trabalhos de restauração da Catedral
de São Pedro foram amplos: arquitetura, escultura, história, arqueologia etc. A
equipe da FURG coordenada pelo prof. Dr. Pedro Augusto Mentz Ribeiro realizou
escavações no interior do templo em busca de evidências históricas ligadas aos
enterramentos. As escavações estão completando 22 anos (1996) e ressaltaram a
importância deste que é o prédio (de ocupação contínua) mais antigo do Rio
Grande do Sul. O artigo com parte dos dados levantados foi publicado no livro de
Pedro Augusto Mentz Ribeiro (Org.) Escritos
sobre Arqueologia. Rio Grande: FURG, 2001, Coleção Pensar a História
Sul-Rio-Grandense, n.14.
“As escavações na catedral de São Pedro, cidade do Rio Grande, revelaram
alguns detalhes importantes. Inaugurada em 1755, é a primeira igreja no Rio Grande
do Sul. Conforme o Monsenhor Ruben Neis, algumas pessoas eram enterradas no
interior da catedral. Quando da sua restauração, particularmente no ano de
1996, realizamos dois cortes experimentais no seu interior, um na nave e outro
junto ao altar, totalizando 5 043m2 e profundidade 1,30m. O corte na
nave, da mureta para seu interior, o material encontrava-se perturbado até 1,0m
de profundidade, revelou o seguinte: a composição da estrutura do alicerce; foi
descoberto uma mureta, paralela a parede lateral e ao longo de toda a nave
(servia para suportar as traves sobre as quais se assentava o assoalho) -
alicerce e mureta foram construídos com tijolos maciços; grande quantidade de
ossos e de dentes humanos de indivíduos jovens e adultos, botões, contas de rosário,
alfinetes, fragmentos de louça (faiança, faiança fina, porcelana, cerâmica
colonial), fivelas, fragmentos de caixão de madeira, tecido (verde) de caixão,
solas e saltos de sapatos de crianças e adultos, homens e mulheres, uma moeda
do Império brasileiro (1825-1835). Entre 1,0 e 1,30m registramos a ocorrência
de dois sepultamentos estendidos, em decúbito dorsal, os braços dobrados sobre
o peito e a mão direita ultrapassando a esquerda e colocada sobre o antebraço
esquerdo, os pés voltados para o altar, um com o crânio na vertical e o outro
levemente inclinado para a direita.
A escavação entre a mureta e a parede externa da nave revelou entulhos tais como terra, areia, cascote, conchas, ossos de bovinos, aves, peixes (inclusive escamas), etc.
A escavação entre a mureta e a parede externa da nave revelou entulhos tais como terra, areia, cascote, conchas, ossos de bovinos, aves, peixes (inclusive escamas), etc.
As escavações
junto ao altar, com 1,50 x 2,05m, lado esquerdo, revelaram a mesma disposição
da nave, ou seja: junto à parede até 50cm de largura, entulhos e, após, os
sepultamentos com material: ossos e dentes humanos esparsos, até fragmentos de
caixão, tecido verde, pinos, fivelas, solas e saltos de sapatos de adultos,
botões, etc., perturbado até 1,0m de profundidade. Abaixo disto encontramos um
sepultamento articulado e outros dois atingidos parcialmente pela escavação.
Todos na mesma posição dos dois da nave, ou seja, estendidos com os pés
voltados para o altar e o crânio na vertical.
Estudos de
Antropologia Física, realizados pelo Dr. Horácio Manuel Cigliano da Silva,
legista do Hospital Universitário da FURG, revelaram o seguinte: Sepultamento
da nave: idade entre 45 e 50 anos, sexo masculino, altura de mais ou menos
1,60m, com cárie em alguns dentes (somente um analisado). Sepultamento do
altar: idade entre 50 e 60 anos, sexo masculino, altura entre 1,60 e 1,70m,
indivíduo magro, franzino; foram constatadas duas lesões ósseas na superfície
externa do frontal e exostose no osso do maxilar inferior. Conforme os dados
históricos, o governador Brigadeiro Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara
foi enterrado no altar do lado do evangelho que corresponde ao lado esquerdo do
observador.
A escolha do local da escavação foi guiada por esta informação. Tratar-se-ia
efetivamente do governador o sepultamento encontrado, uma vez que existem
outros naquela área?
Comparamos os
dados históricos com os antropológicos físicos: sexo, idade (o governador ao
falecer tinha 59 anos de idade) e “causa mortis”. Conforme a História o
governador teria morrido de diarréia, após longa (4 anos) enfermidade. Os
sinais no crânio e a exostose no maxilar revelam que ele teria morrido de uma
doença infecto-contagiosa crônica, que evoluía em estágios. Dentre as doenças
infecciosas, a sífilis é a lesão característica do esqueleto estudado. Esta
poderia ter sido adquirida por transfusão de sangue (descartada para a época:
1801) ou doença venérea. Sebastião da Câmara era solteiro, militar, português,
um homem que se deslocava muito (demarcou nossas fronteiras com o Uruguai) e
que, devido à promiscuidade, poderia ter adquirido aquele tipo de doença. A
sífilis evolui em quatro estágios, sendo que afeta os ossos no terceiro. Neste,
atinge os órgãos, produzindo lesões necróticas que levam a ulcerações na camada
mucosa dos órgãos ocos e, quando cicatrizam, diminuem o lume, produzindo prisão
de ventre e depois diarréia. Se o processo continuar pode causar a morte devido
às alterações hidro-eletrolíticas, diminuição de potássio com arritmia cardíaca”.
A
urna com os ossos do Brigadeiro Sebastião da Câmara está em exposição no
interior da Igreja de São Pedro.
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