Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

sábado, 27 de outubro de 2018

ESCAVAÇÕES NA CATEDRAL DE SÃO PEDRO

Igreja Matriz de São Pedro por volta de 1920. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense.

         Os trabalhos de restauração da Catedral de São Pedro foram amplos: arquitetura, escultura, história, arqueologia etc. A equipe da FURG coordenada pelo prof. Dr. Pedro Augusto Mentz Ribeiro realizou escavações no interior do templo em busca de evidências históricas ligadas aos enterramentos. As escavações estão completando 22 anos (1996) e ressaltaram a importância deste que é o prédio (de ocupação contínua) mais antigo do Rio Grande do Sul. O artigo com parte dos dados levantados foi publicado no livro de Pedro Augusto Mentz Ribeiro (Org.) Escritos sobre Arqueologia. Rio Grande: FURG, 2001, Coleção Pensar a História Sul-Rio-Grandense, n.14.
“As escavações na catedral de São Pedro, cidade do Rio Grande, revelaram alguns detalhes importantes. Inaugurada em 1755, é a primeira igreja no Rio Grande do Sul. Conforme o Monsenhor Ruben Neis, algumas pessoas eram enterradas no interior da catedral. Quando da sua restauração, particularmente no ano de 1996, realizamos dois cortes experimentais no seu interior, um na nave e outro junto ao altar, totalizando 5 043m2 e profundidade 1,30m. O corte na nave, da mureta para seu interior, o material encontrava-se perturbado até 1,0m de profundidade, revelou o seguinte: a composição da estrutura do alicerce; foi descoberto uma mureta, paralela a parede lateral e ao longo de toda a nave (servia para suportar as traves sobre as quais se assentava o assoalho) - alicerce e mureta foram construídos com tijolos maciços; grande quantidade de ossos e de dentes humanos de indivíduos jovens e adultos, botões, contas de rosário, alfinetes, fragmentos de louça (faiança, faiança fina, porcelana, cerâmica colonial), fivelas, fragmentos de caixão de madeira, tecido (verde) de caixão, solas e saltos de sapatos de crianças e adultos, homens e mulheres, uma moeda do Império brasileiro (1825-1835). Entre 1,0 e 1,30m registramos a ocorrência de dois sepultamentos estendidos, em decúbito dorsal, os braços dobrados sobre o peito e a mão direita ultrapassando a esquerda e colocada sobre o antebraço esquerdo, os pés voltados para o altar, um com o crânio na vertical e o outro levemente inclinado para a direita.
A escavação entre a mureta e a parede externa da nave revelou entulhos tais como terra, areia, cascote, conchas, ossos de bovinos, aves, peixes (inclusive escamas), etc.
As escavações junto ao altar, com 1,50 x 2,05m, lado esquerdo, revelaram a mesma disposição da nave, ou seja: junto à parede até 50cm de largura, entulhos e, após, os sepultamentos com material: ossos e dentes humanos esparsos, até fragmentos de caixão, tecido verde, pinos, fivelas, solas e saltos de sapatos de adultos, botões, etc., perturbado até 1,0m de profundidade. Abaixo disto encontramos um sepultamento articulado e outros dois atingidos parcialmente pela escavação. Todos na mesma posição dos dois da nave, ou seja, estendidos com os pés voltados para o altar e o crânio na vertical.
Estudos de Antropologia Física, realizados pelo Dr. Horácio Manuel Cigliano da Silva, legista do Hospital Universitário da FURG, revelaram o seguinte: Sepultamento da nave: idade entre 45 e 50 anos, sexo masculino, altura de mais ou menos 1,60m, com cárie em alguns dentes (somente um analisado). Sepultamento do altar: idade entre 50 e 60 anos, sexo masculino, altura entre 1,60 e 1,70m, indivíduo magro, franzino; foram constatadas duas lesões ósseas na superfície externa do frontal e exostose no osso do maxilar inferior. Conforme os dados históricos, o governador Brigadeiro Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara foi enterrado no altar do lado do evangelho que corresponde ao lado esquerdo do observador. 
A escolha do local da escavação foi guiada por esta informação. Tratar-se-ia efetivamente do governador o sepultamento encontrado, uma vez que existem outros naquela área?

Comparamos os dados históricos com os antropológicos físicos: sexo, idade (o governador ao falecer tinha 59 anos de idade) e “causa mortis”. Conforme a História o governador teria morrido de diarréia, após longa (4 anos) enfermidade. Os sinais no crânio e a exostose no maxilar revelam que ele teria morrido de uma doença infecto-contagiosa crônica, que evoluía em estágios. Dentre as doenças infecciosas, a sífilis é a lesão característica do esqueleto estudado. Esta poderia ter sido adquirida por transfusão de sangue (descartada para a época: 1801) ou doença venérea. Sebastião da Câmara era solteiro, militar, português, um homem que se deslocava muito (demarcou nossas fronteiras com o Uruguai) e que, devido à promiscuidade, poderia ter adquirido aquele tipo de doença. A sífilis evolui em quatro estágios, sendo que afeta os ossos no terceiro. Neste, atinge os órgãos, produzindo lesões necróticas que levam a ulcerações na camada mucosa dos órgãos ocos e, quando cicatrizam, diminuem o lume, produzindo prisão de ventre e depois diarréia. Se o processo continuar pode causar a morte devido às alterações hidro-eletrolíticas, diminuição de potássio com arritmia cardíaca”.
         A urna com os ossos do Brigadeiro Sebastião da Câmara está em exposição no interior da Igreja de São Pedro.



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