Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

1910: O FIM DO MUNDO



O poeta e o cometa: “Aos sete anos de idade imaginei que ia presenciar a morte do mundo, ou antes, que morreria com ele. Um cometa mal-humorado visitava o espaço. Em certo dia de 1910, sua cauda tocaria a Terra; não haveria mais aulas de aritmética, nem missa de domingo, nem obediência aos mais velhos. Essas perspectivas eram boas. Mas também não haveria mais geléia, Tico-Tico, a árvore de moedas que um padrinho surrealista preparava para o afilhado que ia visitá-lo. Ideias que aborreciam. Havia ainda a angústia da morte, o tranco final, com a cidade inteira (e a cidade, para o menino, era o mundo) se despedaçando - mas isso, afinal, seria um espetáculo. Preparei-me para morrer, com terror e curiosidade”. (Carlos Drummond de Andrade In: A bolsa e a vida)


A CHUVA DE METEOROS E OS COMETAS
         O fenômeno das Leonídeas, a chuva anual de meteoros que ocorre no mês de novembro quando o planeta Terra atravessa o rastro de detritos deixados pela passagem do cometa Temple-Tuttle, provocou pânico em 1833, quando milhares de objetos se dissolveram ao ingressarem na atmosfera, provocando um espetáculo aterrador na costa leste dos Estados Unidos.
         Uma chuva de meteoros é o efeito luminoso provocado pelo choque de partículas (a maioria do tamanho de um grão de arroz) com as altas camadas da atmosfera a cerca de 120 quilômetros de altitude. Esta capa que protege o planeta, não consegue deter objetos com maior peso e dimensão, os quais chegam até o solo e são chamados de meteoritos. Em 1998 um destes objetos caiu no município de Santa Vitória do Palmar, provocando um intenso rastro luminoso em sua passagem.
         Como no espaço interestelar predomina o vácuo e não as partículas, o ingresso destas na atmosfera terrestre está associado aos asteroides (fragmentos de um provável planeta que existia entre as órbitas de Marte e Júpiter) e aos cometas.
         Os cometas são objetos celestes que periodicamente percorrem uma órbita orientada pela atração gravitacional exercida pelo Sol. Sua origem está associada a uma nuvem cometaria existente muito além da órbita de Plutão, o último planeta do sistema solar. A nuvem de Oort, em teoria, teria sido formada a cerca de 5 bilhões de anos e contém mais de 100 bilhões de cometas, que apresentam no conjunto uma massa pequena (semelhante à da Lua) mas que estão distribuídos numa grande área. Se imaginarmos a Terra do tamanho de um grão de sal, a nuvem teria um diâmetro de mais de 3 quilômetros. Como a nuvem está situada a cerca de 2 anos-luz (cerca de 20 trilhões de quilômetros), da Terra, a influência gravitacional de outras estrelas como Alfa do Centauro, provocaria a precipitação de uma fração deste material em direção ao Sol, desencadeando um ciclo de passagens que podem perdurar por milênios. A cada passagem, uma parte da matéria é perdida até o completo desaparecimento.
         Um cometa é formado pelo núcleo, coma e cauda. O núcleo, é constituído por gelo, amônia, metano e outros gases, misturados com poeira e fragmentos de rocha, uma bola de neve suja. A coma ou cabeleira, é constituída por poeira e gases, que se desprendem do núcleo pela ação das radiações solares. E a cauda, é formada pela ação do vento solar (partículas subatômicas emitidas pelo Sol), que assopram a poeira e os gases que se desprendem do núcleo numa extensão de até 300 milhões de quilômetros. O espetáculo visual é promovido pela cauda, a qual é extremamente rarefeita, e por isso, é infundado o medo de uma contaminação com gases venenosos quando da passagem da cauda pela Terra, como cogitava-se até o início do século.
         O mais famoso dos cometas é o Halley, que a cada 76 anos aproxima-se do Sol e promoveu, desde os primeiros registros realizados por astrônomos chineses a mais de quatro mil anos, passagens espetaculares.
         Os cometas foram historicamente relacionados com presságios de acontecimentos funestos, numa associação com tragédias para a humanidade. Frente ao universo medieval orientado pela ideologia da Igreja Católica, os cometas foram associados a atuação demoníaca e aos malefícios, afinal, qualquer acontecimento que perturbasse a imutabilidade e harmonia do céu, significava uma ruptura com o equilíbrio celeste. Análises científicas da natureza deste fenômeno iniciaram após o renascimento do século 16 e tiveram no inglês Edmond Halley (1656-1742) o grande impulsionador no estudo da órbita e previsão de retorno dos cometas. Porém, quando da passagem do cometa Halley em 1910, o imaginário de superstições era muito intenso frente ao vacilante saber astronômico do início do século.

O FENÔMENO NA IMPRENSA RIO-GRANDINA
         A passagem do cometa Halley em maio de 1910, provocou uma comoção internacional. As mais diversificadas nacionalidades presenciaram ansiosamente o avanço do astro pelo firmamento, numa expectativa de derrocada das civilizações frente a uma força cósmica incontrolável. Em 1893, o astrônomo francês Camille Flammarion, publicou um livro que apresentava o choque de um cometa com a Terra: “O fim do mundo dar-se-ia, portanto, pelo incêndio da atmosfera. Hidrogênio e oxigênio arderiam, combinado com o carbono do cometa (...) Populações não imediatamente consumidas pelo fogo celeste morreriam abafadas pelo vapor...”. O sobrenatural, a ficção e a ciência apresentavam fronteiras tênues para a população. O medo de um choque com um cometa ou asteroide, retomado recentemente por filmes norte-americanos, se hoje pode ser calmamente assistido numa sala de projeções, no início do século, foi fator de desespero pela associação com o fim da humanidade.
         Em Rio Grande, os jornais acompanharam a evolução dos acontecimentos. Conforme levantamento realizado pela acadêmica do curso de História da FURG, Claudia Truquijo, a passagem do cometa Halley, colocou o público local em sintonia com a apreensão mundial. No jornal Echo do Sul do dia 18 de maio de 1910, é feita uma referência de que a observação em Rio Grande se constituiu num belo espetáculo: “O cometa, quando o céu está limpo, apresenta extraordinário brilho, e a cauda é de tamanho extraordinário, parecendo alcançar a metade do firmamento”. A posição do Echo do Sul foi a de acalmar a população, reproduzindo informações de astrônomos de que a cauda não iria chocar-se com o planeta nem promover o envenenamento da população. No dia 19 o jornal publica que astrônomos portugueses “garantem que o cometa Halley não causará dano algum a Terra, buscando assim tranquilizar o povo das aldeias, que está tomado de pânico”.
No jornal O Artista também se procurou a interpretação científica respaldada no saber astronômico, buscando transmitir notícias tranquilizadoras e até ironizando as manifestações catastróficas. O jornal, acredita que os cometas “passarão do domínio da lenda para o da realidade” reproduz um acontecimento na aldeia de Nagy na Hungria onde a população esperava o fim do mundo com um banquete ao ar livre, o qual se prolongou por toda a noite até o frustrante nascer do Sol (O Artista, 9 de maio de 1910).
O Diário do Rio Grande, acompanhou a passagem, respaldando-se em notas astronômicas emitidas na Europa e no Observatório do Rio de Janeiro, as quais, apontam a ausência de perigo no fenômeno. O jornal O Tempo, também fundamenta suas informações na orientação dos astrônomos incentivando a população a observar “esse grande vagabundo do espaço” que em Rio Grande apresentou um “formoso espetáculo” no firmamento (O Tempo, 14 de maio de 1910).
A imprensa local respaldou-se no saber astronômico e no incentivo à observação do espetáculo estético nos céus. Sugerindo a população levantarem na madrugada para assistirem “a singular visão”, projetou a certeza que não seria o fim do mundo o mês de maio de 1910: quem não observar o cometa “desta feita, só o poderão fazer d’hoje, a 75 anos que é quando o grande vagabundo das alturas deve estar de volta”. De fato, o Halley retornou em 1986 (76 anos depois), e o espetáculo visual não se repetiu. Uma nova chance virá em 2062... 
*Matéria originalmente publicada em 1998. 

Cartão-postal do Halley na Quinta Avenida em Nova Iorque. 

O Halley foi motivo para muitas sátiras na imprensa. Para não morrer com a passagem do cometa a solução era ir de escada, balões, aeroplanos etc para a Lua. 

Cartão-postal do Halley na cidade de El Paso. 




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