Uma
publicação de referência é o livro do inglês Reginald Lloyd “Impressões do
Brasil no século vinte: sua história, seu povo, comércio, indústrias e recursos”
- Londres: Lloyds Greater Britain Publishing Company Ltd, 1913.
No
capítulo sobre o Rio Grande do Sul um dos destaques é a cidade do Rio Grande. O
comércio de exportação e importação e o crescimento industrial estão
interligados com o espaço portuário (do Porto Velho) em meio às expectativas
pelo desenrolar das obras de construção do Porto Novo e dos Molhes da Barra.
A década de 1910 foi um período paradigmático
da história local pela atração de mão-de-obra devido às edificações portuárias da
Companhia Francesa e a produção industrial: a população em Rio Grande era de 29
mil habitantes em 1900 e aumentou para aproximadamente 40-45 mil em 1913.
O
livro de Lloyd é de cunho comercial e busca divulgar as rotas comerciais já em
vigor e explicitar o possível potencial de desenvolvimento econômico das
localidades. A venda de anúncios junto aos “capitalistas” (termo usado na época
para os comerciantes com maiores recursos) interessados em ter a sua atividade
divulgada e que garantia a publicação do livro. Ou seja, não é uma obra de
análise histórica e sim uma fonte para o estudo da história econômica, das
sociabilidades/vínculos dos comerciantes/industriais. Esta leitura é relevante
para a análise dos atores e das representações criadas para justificar os seus
negócios e sua identidade na sociedade.
Lloyd
também contextualiza a organização política local, a disponibilidade tecnológica
(bondes, energia elétrica, fornecimento de água etc) e as materialidades do
pertencimento local: espaços públicos da memória.
Vejamos
quais a impressões da cidade do Rio Grande em 1913:
Cenários urbanos: Praça Tamandaré, Câmara do Comércio e Porto Velho. Acervo: Lloyd, 1913. |
“A cidade do Rio Grande do Sul, situada na
extremidade meridional da Lagoa dos Patos e o Oceano, é o principal porto
marítimo do Estado e o porto de passagem obrigatório para os navios que se
dirigem a Pelotas e Porto Alegre. O Llhoyd Brasileiro e a Companhia Costeira
mantém um serviço semanal entre este porto e o Rio de Janeiro, sendo que os
navios da primeira dessas companhias transbordam os passageiros, neste porto,
para navios menores, que os levam a Porto Alegre. Além destes navios, muitos
outros, costeiros, fazem escala no Rio Grande. Alguns dos navios da Hamburg Amerika fazem também escala
neste porto, conquanto o enorme banco de areia a entrada da barra tenha sido
empecilho ao desenvolvimento do comércio marítimo estrangeiro. Atualmente,
porém, estão os poderes públicos empenhados na abertura duma passagem cômoda
através do banco, com 33 pés
de profundidade e permitindo assim a entrada de grandes navios em qualquer
época do ano.
O Município tem uma população total de 45.000
habitantes, dos quais 25.000 residem na cidade e subúrbios, ligados por linhas
de tramways (bondes). Falando de modo geral, as ruas da cidade são estreitas, a
antiga maneira dos Portugueses; estão, entretanto, bem calçadas e muito bem
considera a mais bela em todo o Estado, é margeada de ótimos edifícios. Entre
os mais importantes prédios notam-se a Intendência e o Quartel, o Correio, a
Alfândega, a Beneficência Portuguesa e a Biblioteca Pública. Esta última contém
cerca de 40.000 volumes e é provavelmente a melhor coleção que no Brasil se
encontra para o Sul de São Paulo. As igrejas, escolas e institutos de caridade
ocupam edifícios espaçosos e de boa arquitetura.
O progresso industrial da cidade tem sido
muito notável durante estes últimos anos, salientando-se principalmente as
fábricas de lãs que são das mais importantes do Brasil. O desenvolvimento da
lavoura tem também merecido a atenção do Governo, e a Municipalidade fundou um
Posto Zootécnico, por intermédio do qual podem os fazendeiros melhorar o seu
gado. A estatística rural feita em 1911 mostrou existirem dentro dos limites do
município, 10.093 cabeças de gado bovino, 105.552 carneiros e 60.762 porcos. A
produção agrícola do município em 1910 foi de 73.020 sacos de milho, 711 sacos
de feijão, cerca de 2.000.000 de tomates e 2.591.146 quilos de cebolas. O
matadouro municipal está otimamente instalado, sendo a matança de gado
fiscalizada com rigor.
Intendência Municipal. Acervo: Lloyd, 1913. |
À medida que passam os anos vai à cidade do
Rio Grande recebendo melhoramentos constantes. Atualmente estão em via de
execução as obras do porto e a extensão das linhas de tramways. Naturalmente,
para que se empreendam melhoramentos, torna-se necessária a presença de homens
de boa vontade e energia à testa dos negócios públicos; e no atual Intendente
Tenente Coronel Trajano Augusto Lopes, tem o município um dirigente ao qual se
podem atribuir muitos dos melhoramentos executados e que continua a esforçar-se
pelo progresso material da cidade.
Alguns destaques:
Banco da Província do Rio Grande do Sul. Este importante estabelecimento possui na
cidade do Rio Grande uma sucursal instalada em edifico apropriado e faz
avultado número de transações.
Banco da Província. Belíssimo prédio que ficava na esquina da Marechal Floriano com Benjamin Constant. Acervo: Lloyd, 1913. |
London & Brazilian Bank,
Limited. Considerável número de
transações bancárias são efetuadas por intermédio deste banco, cuja sucursal no
Rio Grande fica situada a rua Marechal Floriano Peixoto, 43.
Banco do Comércio de Porto Alegre. A sucursal na cidade de Rio Grande foi fundada em 1899 e faz
transações bastante avultadas.
Compagnie Française du Port de Rio Grande do Sul. O contrato para a construção do porto do
Rio Grande do Sul foi primitivamente dado ao engenheiro americano E. Corthel, a
12 de setembro de 1906. A
9 de julho de 1908, foi pelo Governo Federal transferido este contrato a Compagnie Française du port de Rio Grande.
O capital desta empresa é constituído por 20 milhões de francos em ações ordinárias
e 10 milhões de francos em ações preferenciais. A Companhia, devido à
importância dos trabalhos a realizar, emitiu também uma série de obrigações,
sendo que, devido a condições especiais do contrato, o juro e amortização desse
empréstimo está garantido pelo poderoso grupo financeiro Sociéte Générale de Construction que é, ao mesmo tempo a principal
empreiteira das obras: esta última, por sua vez, sub-empreitou os trabalhos a
firma Enterprise Daydé et Pillé,
Fougerolles Fréres et J. Groselier. Os trabalhos cuja responsabilidade por
contrato assumiu a Compagnie du Port de
Rio Grande, consistem em trabalhos na barra e trabalhos no porto
propriamente dito. Os trabalhos a executar na barra consistem na construção de
dois quebra-mares, revestimento dos bordos do Canal do Norte, de modo a terem
eles estabilidade, e retenção, por meio de plantações de árvores, das areias,
na costa leste do Canal do Norte. Os trabalhos a executar no porto consistem na
dragagem dum canal de acesso entre o Canal do Norte e o porto, e dragagem do
último; terraplanagem a noroeste e a este do porto, com material proveniente
das dragagens; construção em alvenaria duma muralha a oeste do porto, de modo a
aí poderem atracar navios do calado de 10 metros ; aparelhamento
deste cais com armazéns, linhas férreas, guindastes, etc; construção duma
muralha a leste do canal de acesso, para proteger o porto contra a invasão das
areias; outros trabalhos anexos, tais como balizagens, iluminação,
abastecimento de água, calçamento do cais e anexos, construção de depósito
frigorífico, depósito para inflamáveis, edifício para correio e telégrafo, doca
fixa ou flutuante, conservação do canal da barra, etc. As obras vão já bem
adiantadas e para a sua rápida execução dispõe a Companhia de instalações
completas. A pedra é fornecida por duas pedreiras, Monte Bonito e Capão do
Leão. Os processos empregados para a extração da pedra são dos mais modernos.
Possui a Companhia, em torno de cada pedreira, verdadeiras vilas operárias, com
uma população de 3.000 almas.
Obras da Companhia Francesa do Porto do Rio Grande. Construção dos Molhes. Acervo: Lloyd, 1913. |
Companhia de Conservas Rio-grandense. A fábrica Tullio, fundada pelo sr. Major Tullio Martins
de Freitas, no ano de 1906, foi a 10 de agosto de 1911, transferida a Companhia
de Conservas Rio-grandense, constituída na mesma data, com o capital de
Rs600:000$000, dividido em 3.000 ações do valor nominal de Rs.200$000. Ocupando
atualmente 112 pessoas, inclusive o pessoal dos seus escritórios, eleva, por
ocasião das safras, ao dobro o seu pessoal operário. A sua exportação no ano de
1910 atingiu a Rs 800:000$000, inclusive as vendas efetuadas para o interior
deste Estado. Além de muitas e variadas conservas de doces, carnes, peixes,
etc, das quais tem presentemente um stock de cerca de Rs300:000$000, refina
também banha de porco. A Companhia, independente do fabrico de conservas,
possui também secções especiais para a completa confecção de todas as latas e
caixas necessárias ao acondicionamento com máquinas movidas a vapor. O seu
horário de trabalho é o seguinte: das 7 as 11ª.m. e meio dia as cinco p.m. O
seu corpo administrativo compõe-se dos srs. Major Túlio Martins de Freitas e
Afonso H. Faveret, diretores; e o seu Conselho Fiscal, do Banco da Província do
Rio Grande do Sul, Banco do Comércio de Porto Alegre e o sr. Romeu José
Andreassi.
Albino Cunha. O Moinho Rio-grandense foi fundado em 1894, pela Companhia Sul Brasil, sendo o
sr. Albino Cunha um dos fundadores. A empresa ocupa-se exclusivamente da
fabricação de farinha, de que produz 45 toneladas diariamente, em três
qualidades. O trigo é importado da Argentina e descarregado em ponte própria,
sendo transportado em vagonetes para o moinho. Entre a ponte e o
estabelecimento, há uma pequena linha de trilhos, que muito facilita os
trabalhos de carga e descarga. A sua marca de farinha Primor é muito conhecida e apreciada em todo o Estado do Rio Grande
do Sul, onde tem uma enorme procura. A usina é montada com maquinismos de E. R. e F. Furrer, Ipswich, Inglaterra e
compreende o que há de mais moderno em Roller Miller ,
etc; e está aparelhada para produzir
artigos de primeira ordem no seu gênero de indústria. O capital da empresa é de
Rs 600:000$000. O edifico tem 4 andares, com vários depósitos para trigo e
farinha, e incluindo o terreno onde fica situada, tem cerca de 100 metros quadrados .
O número dos empregados é de 68. O sr. A.J. da Cunha nasceu em Portugal em
1850, vindo para o Rio Grande em 1864. Aí praticou o comércio em casas
exportadoras e importadoras, fundando mais tarde o seu próspero estabelecimento;
tem visitado a Europa por várias vezes. O sr. Cunha é também sócio comanditário
da firma Cunha, Freitas & Cia,
importadora de secos e molhados da Bahia, Pernambuco e Europa, que negocia em
vinhos, açúcar, etc, vendendo esses gêneros por todo o Estado.
Vistas do centro da cidade e do Porto Velho (Santa Casa em primeiro plano). Acervo: Lloyd, 1913. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário