A
Santa Casa atua em Rio Grande desde 1835, tendo lançado a pedra fundamental do
atual prédio no ano de 1850. O Regimento Interno do Hospital da Santa Casa
de Misericórdia da cidade do Rio Grande do Sul foi editado em 1860, pela
Tipografia Comercial-Rua da Praia 111, e traz interessantes informações sobre
como ocorria o atendimento dos pacientes.
Um personagem se destacava na administração do hospital era o Mordomo
Interno. A seguir, foram reproduzidos alguns artigos deste Regimento
referentes às atribuições deste Mordomo suscitando um exercício de imaginação
de como funcionava este estabelecimento hospitalar em 1860.
O MORDOMO
“O
mordomo do interno é o chefe do serviço econômico e administrativo do hospital,
debaixo, da superintendência suprema do provedor e mesa, com as atribuições e
limites designados neste regimento. (...) O mordomo do interno é obrigado a
residir no hospital desde o amanhecer até as nove horas da noite. (...)
Compete-lhe fazer manter a maior ordem nas enfermarias e em todo o
estabelecimento, não consentindo rixas ou alterações, nem mesmo conversas em
tom tão alto que incomodem a qualquer enfermo que seja. Os infratores serão
punidos com repreensão, ou com pena de prisão por vinte e quatro horas, se
nesta convier o médico assistente, em cujo caso será notada na papeleta. Os
ofendidos haverá recurso para o mordomo do mês, que ouvirá os funcionários que
as referidas penas tiverem inflingido; fazer observar nas enfermarias e demais partes
do estabelecimento a maior limpeza e bom arranjo, fazendo lavar as enfermarias
e pátios todos os oito dias, purificando o ar por meio de substâncias
prescritas pelo facultativo, e ventilando diariamente as enfermarias em caso de
necessidade; designar um lugar onde os enfermos possam fumar, sem prejuízo dos
que o não puderem, e a tal distância que se não altere o ar das enfermarias;
não consentir que por pretexto algum os doentes vão à cozinha nem conservem
outras luzes além das enfermarias; bem como proibir o uso de fósforos e fumigações
dentro das enfermarias e mesmo do estabelecimento; não permitir que enfermo algum saia a passeio sem prévio
consentimento do facultativo, que lhe dará uma nota assinada, em que designe à
hora da saída e da entrada; com tanto que à hora das dietas estejam no
hospital, e uma vez de volta não tornarão a sair, ainda que não se tenha
esgotado o tempo marcado; examinar com todo o cuidado que os gêneros comprados
sejam da melhor qualidade possível, fazendo-os recambiar, caso encontre alguma
diferença que prejudique a Santa Casa; acompanhar os médicos nas visitas que
fizerem aos doentes, a fim de poder tornar efetivas as obrigações que tem os
enfermeiros e a enfermaria, de cumprir exatamente as prescrições que aqueles
marcarem; assistir à distribuição das dietas de maneira que não haja alteração
alguma no que for ordenado pelos respectivos médicos; examinar se as referidas
dietas, depois de distribuídas, são trocadas com outros enfermos ou com gente
de fora, ou se ajuntam outras substâncias como sejam condimentos, vinhos,
espíritos, frutas, etc, não marcadas na papeleta; combinar com os médicos o
meio mais adequado, que se levará a efeito imediatamente, de separar os
enfermos, já segundo a natureza das moléstias, já segundo a sua condição, de
sorte que o escravo não fique na mesma enfermaria do homem livre; proibir que
entre para as enfermarias qualquer substância comestível, sólida ou líquida,
que não tenha sido prescrita pelos médicos, e não venham pessoas disso
encarregadas; não consentir visitas aos doentes, senão às quintas-feiras e
domingos, da 1 a 5 horas da tarde; examinar os enfermos que entrarem para o
hospital, a fim de arrecadar o dinheiro ou jóias que trouxerem consigo, as
quais passarão às mãos do mordomo do mês, sendo do valor de dez mil réis para
cima e este as do irmão tesoureiro; entregar ao enfermo um vale com a sua
assinatura, para, a todo o tempo que sair da Santa Casa, ou antes, disso por
ordem do irmãos provedor, ser-lhe restituída a soma a que tiver direito. Se,
porém, trouxerem em moeda ou em jóias importância menor de dez mil réis,
guardar-se-á, com número que corresponder ao enfermo, em cofre de duas chaves,
das quais terá uma o mordomo do mês e outra o do interno; os comandantes de
barcos, os senhores de escravos, os maridos e mulheres, que tiverem no hospital
marinheiros, escravos, mulheres e maridos, serão acompanhados nas vistas que
poderão fazer extraordinariamente, pelo mordomo interno ou pessoa que este
designar, tendo previamente consentido os médicos, a quem cumpre marcar à hora
dessas visitas, que nunca deverá ser na ocasião da distribuição das dietas ou
na visita médica; haverá no hospital um quarto, sala ou corredor, seco e
arejado, para nele serem recolhidos os objetos que os enfermos trouxerem, sem
exceção de pessoa; os referidos objetos serão reunidos sob os números que
correspondem aos doentes, a quem serão entregues quando saiam com alta do
hospital; ou a quem direito tiver, no caso de falecimento; todas as pessoas
livres que pagarem o seu tratamento, não são obrigadas a vestir as roupas do
hospital, sujeitando-se, porém em tudo mais ao regime da Santa Casa; no
princípio de todos os semestres dará balanço às roupas do hospital, verificando
a sua existência à vista das que se acharem no depósito geral e em serviço das
enfermarias; igual balanço dará nos móveis de todo o hospital e nos utensílios,
louça e vasilhame das enfermarias, despensa e cozinha, procedendo-se em tudo na
forma do artigo antecedente, e bem assim para se lavrar auto de consumo dos
objetos que se acharem inutilizados ou inservíveis; não consentirá que algum
objeto do hospital seja dele destraído, ou empregado em serviço alheio,
ainda que seja dentro do mesmo hospital; cuidará em que se faça com
regularidade e pela forma mais conveniente, o serviço da condução e arrumação
dos cadáveres dos que falecerem no hospital, dando as providências necessárias
para que os falecidos nas enfermarias sejam, ao sair destas, colocados nos
próprios caixões em que tem de ir para o cemitério, etc.”
Fica evidenciado, que este personagem do
hospital da Santa Casa do Rio Grande no século XIX o Mordomo do Interno,
estava repleto de atribuições fiscalizadoras e de possível conflito com os
pacientes ou familiares. Se a pessoa entrava para tratamento e saía curada, ou
entrava para tratamento e saía num caixão vendido pela Santa Casa, o Mordomo
deveria acompanhar cada passo e prestar contas ao provedor. O Regimento
ainda previa que o seu ordenado não poderia ser aumentado “nem mesmo a titulo
de gratificação, senão de quatro em quatro anos ou mais”.
Cartão-postal da Santa Casa de Misericórdia (1900-1910). Acervo: papareia. |
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