A presença de pastores
protestantes no Brasil recua ao ano de 1824, quando Friedrich Osvald Sauerbronn
chegou ao Rio de Janeiro junto com 300 colonos alemães. A sua missão foi
promover o povoamento de Nova Friburgo. No Rio Grande do Sul, o primeiro pastor,
Johann Georg Ehlers, chegou no mês de novembro de 1824, na recém fundada Colônia
de São Leopoldo. O primeiro culto foi celebrado no natal de 1824 dando início a
presença dos pastores nas comunidades evangélicas alemãs criadas no Rio Grande
do Sul ao longo do século XIX. Quando da vinda do segundo pastor Carl Leopoldo
Voges à Província, evidenciando os perigos da navegação naquela época, ocorreu
um naufrágio quando da viagem entre o Porto do Rio Grande e Porto Alegre. Era o
mês de janeiro de 1825 quando o bergantim Flor
de Porto Alegre naufragou nos bancos de areia na altura de Mostardas. Dois
colonos alemães não conseguiram nadar até à praia vindo a falecer.
Entre
os inúmeros naufrágios ocorridos nas proximidades da Barra do Rio Grande, vamos
recordar de um sinistro que envolveu colonos alemães no mês de janeiro de 1868.
O que se evidencia no relato é a total falta de ética náutica por parte do
comandante da embarcação. O navio chamava-se Eitea e trazia imigrantes alemães do Porto de Hamburgo para o Porto
do Rio Grande.
Dentre os passageiros estava o pastor Heinrich Wilhelm Hunsche
que atuou no Vale do Caí até 1908. Quando do naufrágio, estava em Rio Grande Jacob
Rheingantz que desejava que o pastor fosse atuar na Colônia de São Lourenço.
Hunsche não aceitou o convite e foi morar em Linha Nova , entre Nova
Petrópolis e São José do Hortêncio onde residiu na casa de Georg Heinrich
Ritter comerciante e o criador da primeira cervejaria no Rio Grande do Sul. As
técnicas de produção de cerveja que foram aprendidas por este imigrante na
Alsácia-Lorena faziam nascer à produção da cerveja na Província do Rio Grande
do Sul no mesmo ano em que ocorreu o naufrágio que será relatado.
O pastor Hunsche é o
autor da descrição dos acontecimentos (In: HUNSCHE, Carlos H. Pastor Heinrich Wilhelm Hunsche e os começos
da Igreja Evangélica no Sul do Brasil. São Leopoldo: Rotermund, 1981) ocorridos
quando a embarcação adentrou na Barra do Rio Grande após uma longa viagem de 90
dias. Irresponsabilidade e o stress
da longa jornada poderiam ter levado a morte de centenas de pessoas que estavam
a bordo. Como o calado da Barra Diabólica
normalmente estava comprometido pela pequena profundidade, o exercício de
paciência era fundamental aos navegadores. Os navios poderiam ficar vários dias
ou até semanas esperando pela entrada no canal de acesso ao Porto do Rio
Grande. O que exigia um controle emocional rigoroso, pois, as dificuldades de
acesso a Barra mexia com o psíquico de todos. A longa viagem, associada ao
consumo de álcool pela tripulação, construíram mais um episódio de
naufrágio.
“Finalmente, no dia 19 de janeiro, à
tarde, enxergamos a tão esperada costa do Brasil, após 90 dias de viagem. Era
domingo, o mar calmo e tranqüilo. Já havíamos celebrado o culto. Não foi
possível entrar, neste mesmo dia, no porto, altamente perigoso, de Rio Grande;
mas, no outro dia, entraríamos com toda certeza. Este dia, 20 de janeiro,
aniversário do meu colega Brutschin, tornou-se desastroso para nós; naufragou o
navio há três horas e meia ao sul de Rio Grande. A manhã rompeu calma, tranqüila
e risonha, enchendo os nossos corações de júbilo e alegria. O vento, o tempo, a
proximidade da terra - tudo prometia uma feliz entrada ao porto. Às nove horas
avistamos o farol. A primeira saudação fez-se por meio de sinais. Que alegria:
enxergávamos clara e nitidamente, as casas de Rio Grande! (*de fato não era Rio
Grande mas a localidade da Barra onde ficava o farol). Mas, ai de nós! O
capitão queria livrar-se do seu navio obsoleto. Bêbado, como toda a sua
tripulação, sinalizava, propositadamente mal, que teríamos 11 pés de calado, quando, na
verdade eram só 8 a
7. O farol, mesmo assim, respondeu que não haveria água suficiente na barra e
que não poderíamos entrar. Visivelmente irritado, o capitão voltou para o mar.
Algumas horas depois, aproximou-se novamente. Como deixara o sinal em 11 pés de calado, avisaram,
outra vez, do farol: Pouca água! Voltaram a beber e, em aparente indignação pela
negativa da barra, o capitão dirigiu o navio para o sul, a toda vela. Pouco
depois, nos encontrávamos entre os bancos de areia. Passamos arrastando sobre
os primeiros bancos. O próprio capitão havia pegado o leme e, cambaleando para
lá e para cá de embriagues, comandava, com voz de causar pavor: Colham as
velas! e fez com que o veleiro encalhasse diante da arrebentação, apesar do
vento e do tempo bom...
Do farol tinham observado as manobras do
capitão e haviam previsto que o navio iria naufragar. Foi a nossa sorte! Depois
de muito temer e ansiar, notaram, perscrutando apreensivamente a redondeza, a
aproximação de um bote salva-vidas tripulado por seis homens corpulentos.
Provinha de uma embarcação fundeada a cerca de uma hora e meia do nosso local,
o paquete Proteção. Fincaram uma
estaca na duna perto do nosso veleiro e, depois de atar na estaca um cabo,
vieram de bote para o navio e firmaram nele a outra ponta do cabo. Ao longo
deste cabo iniciaram a operação de resgate: Às costas de um mulato forte cheguei
a terra sem sequer molhar os pés. Em honra aos brasileiros, seja dito, estes
tripulantes prestaram um serviço de auxílio bom e inesquecível para nós. O
desembarque em solo brasileiro efetuou-se apenas com as roupas que vestíamos na
ocasião. O restante, como bagagem, lembranças, presentes etc, permaneceu a
bordo da escuna que a todo instante afundava mais”.
Tendo sobrevivido e começando a superar as
horas de pânico, os dois pastores Hunsche e Brutschin, passaram a primeira
noite a bordo do paquete Proteção, onde
foram tratados com a maior cordialidade e pela primeira vez provaram um prato
tradicional no Brasil: o feijão e o arroz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário