Recentemente participei de uma banca de
defesa de Doutoramento em Letras da Universidade Federal do Rio Grande (área de
concentração em História da Literatura). Marcelo França de Oliveira defendeu a
tese “O Cronista Maragato: literatura e história nas crônicas de Ângelo Dourado
publicadas no Eco do Sul
(1896-1902)”. A tese está voltada ao campo da história política do Rio Grande
do Sul, o pensamento liberal maragato e a atuação de Dourado enquanto militar e
cronista na imprensa rio-grandina.
Ângelo Dourado (Salvador, 1857; Jaguarão,
1905) foi coronel-médico na coluna de Gumercindo Saraiva e um dos fundadores do
Partido Federalista (1892). Projetou-se politicamente nos municípios de Bagé,
Jaguarão, Santa Vitória do Palmar e Rio Grande (onde residiu), estabeleceu-se
profissionalmente e participou da elite política e intelectual dessas
localidades. Com a eclosão da Revolução Federalista (1893-1895) participou como
médico ao lado dos federalistas e combateu os castilhistas até o final do
conflito. Ele efetuou o registro de suas
observações e visões da guerra sob forma de cartas dirigidas à sua esposa. Este
precioso material foi organizado por Dourado e publicado enquanto
diário-epistolar no livro “Voluntários do Martírio – fatos e episódios da
guerra civil” (publicado em Pelotas pela Livraria Americana em 1896),
tornando-se uma das mais importantes fontes para conhecer a “revolução da
degola”.
O médico baiano (que realizava operações e
era oftalmologista) escreveu mais do que cartas sobre o conflito: uma vasta
produção de crônicas foi publicada em jornais.
Inclusive no jornal da cidade do Rio Grande Eco do Sul (fundado em
1858). Dourado era um típico intelectual de fins do século XIX: erudito,
costuma citar, em seus escritos, passagens célebres de autores clássicos da
Literatura universal como Dante Alighieri, Camões, Miguel de Cervantes,
Shakespeare, Lord Byron, Milton, Rousseau, Victor Hugo, além dos brasileiros
José de Alencar e Visconde de Taunay. Ele manteve a sua inclinação à atividade
da escrita, campo em que atuava nos mais variados segmentos, desde os trabalhos
específicos concernentes à sua atividade profissional, os diversos artigos
publicados na imprensa, e até mesmo obras literárias. Em decorrência do modelo
estabelecido de medicina social, a figura do médico e do cientista social, nas
faculdades de Medicina do século XIX, se confundem, dando origem a um tipo de
intelectual com intervenção política e social. Dourado defendia princípios
liberais (iluminismo-liberalismo) contra o positivismo que caracterizou os
republicanos de orientação fundada em Júlio de Castilhos. Na perspectiva
liberal, o Estado existe para garantir a segurança, a propriedade e a liberdade
dos cidadãos, neste caso, a resistência contra a opressão era legítima para
Dourado, que acusava o governo castilhista de tirânico, opressor e cerceador
das liberdades. Fiel às suas convicções, afirmava não seguir homens, mas
ideias, ao passo que sempre destacava, ao longo de seus escritos, valores como
honra, dignidade, honestidade, que serviam de contraponto aquilo que criticava.
A tese de Marcelo França de Oliveira desenvolve
uma análise histórico-literária das crônicas do médico maragato publicadas no
jornal Eco do Sul. As crônicas escritas por Dourado após os reveses sofridos na
Revolução Federalista revelam certo desencanto, em decorrência da derrota,
armistício e anistia. Com o tempo, o desencanto foi transformando-se em solidez
discursiva, outros objetos colocaram-se à sua frente, prontos para serem
analisados. O modo mais formal, sisudo, erudito, aos poucos foi ganhando novas
cores e o estilo foi abrandando, adquirindo até mesmo um tom coloquial, mais
ameno, no decorrer das crônicas publicadas no diário rio-grandino, mas sem
perder o modo extenso, detalhistas e com críticas ao projeto de poder de Júlio
de Castilhos.
A tese permite revisitar e descobrir outras
facetas, a partir de escritos inéditos, de um dos personagens mais destacados
nos primórdios da República no Rio Grande do Sul.
Ilustrações: Ângelo Dourado (de barba). Acervo: Museu Benjamin Nogueira.
Tenho dúvidas sobre o ano da morte do Dr. Ângelo Dourado. E qual o ano que veio p o RS.
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