Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

quinta-feira, 22 de março de 2018

UM JANTAR COM SAINT-HILAIRE


UM JANTAR COM SAINT-HILAIRE

O Tenente-General Manoel Marques de Souza convida o Governador da Capitania de São Pedro do Rio Grande do Sul “Conde de Figueiras” e o botânico francês Auguste de Saint-Hilaire para um jantar no dia 6 de agosto de 1820 em sua residência a rua Direita próxima a Igreja Matriz de São Pedro.


O Edifício Galeria Conde foi construído no espaço que foi outrora ocupado pelo casarão da família Marques de Souza. O avô, o pai e o filho, tiveram uma trajetória militar e administrativa de projeção nos quadros do Brasil Colonial e Imperial, sendo o casarão, uma referência no cenário urbano da cidade até a sua demolição.

O botânico francês Auguste de Saint-Hilaire foi recebido na casa de Manoel Marques de Souza (o “avô”, o primeiro dos “três centauros”), nascido em 1743 e que em setembro assumiria o cargo de Governador. Saint-Hilaire foi um dos mais importantes cientistas a visitarem e pesquisarem no Rio Grande do Sul. O naturalista esteve em outras residências, mas, não deixou pistas que permitam localizar estes lugares diferentes da atual Galeria Conde.

Saint-Hilaire chegou a Rio Grande no dia 6 de agosto a Rio Grande. Na mesma noite foi convidado para um jantar na residência de Manoel Marques de Souza. Estava acompanhado do Governador do Rio Grande de São Pedro o Conde de Figueiras que deixaria em breve o cargo que passaria a ser ocupado pelo anfitrião do jantar. Ao chegarem à cidade foram recepcionados pela Câmara de Vereadores, autoridades e populares. Assim como era lugar comum quando da chegada a Rio Grande, os visitantes foram até a Igreja do Carmo (a antiga) para assistirem a missa. Conforme registrado no diário do naturalista francês: “Após a prática, o padre deu a bênção, e o conde dirigiu-se à casa do Tenente-General Marques, para onde o seguimos. Fomos recebidos num lindo salão e, em seguida, levados para uma sala de refeições onde nos serviram um esplêndido jantar. A mesa estava coberta de uma quantidade de travessas, guisados e ensopados de toda qualidade. Um segundo serviço, composto de assados, saladas e massas, sucedeu ao primeiro; retiraram a carne e acrescentaram novas massas às primeiras. Depois, levantamo-nos da mesa e fizeram-nos passar a uma outra sala, onde encontramos uma sobremesa magnífica, composta de uma variedade de bombons e doces. De fruta só havia laranjas de uma qualidade deliciosa, chamada laranja-de-umbigo ou laranja-da-bahia. Após a sobremesa nos serviram café, seguido de licores. Durante o jantar, foram trocados vários brindes, repetidos agora com os licores. A reunião prolongou-se até alta madrugada e a maioria dos convivas estava de pileque quando se retirou. Não pude deixar de admirar a mulher do tenente-general que, com setenta e quatro anos, respondeu a todos os brindes, comeu e bebeu mais que todos e conservou perfeita lucidez, mostrando uma vivacidade rara, mesmo entre pessoas jovens. Os portugueses e os brasileiros costumam beber o vinho puro, e nos grandes banquetes, o nocivo hábito de erguer brindes excita-os a tomarem em excesso”.

         Após este jantar com carnes e massas, muitos brindes e doces e frutas (como a laranja-de-umbigo), no dia seguinte, 7 de agosto “todos estavam tristes e fatigados. Visitei a senhora do tenente-general, talvez a única de todos os convivas do jantar de ontem à noite que não demonstra cansaço. Além dessa visita, fiz uma ao cura do Rio Grande, que conhece francês e não é absolutamente estranho à história natural. Tem ele em sua companhia uma sobrinha, também apreciadora dessa ciência, e que aprendeu a falar sem mestre a nossa língua”.

          Saint-Hilaire deixou este relato do jantar ocorrido há quase 200 anos na noite do dia 6 de agosto de 1820. Pena que o seu olhar rigoroso de naturalista não tenha dado mais detalhes sobre a gastronomia e indicações sobre como foram preparadas as massas e as carnes: receitas criadas local ou regionalmente ou inspiradas em pratos europeus?

Ilustração: folha e selo filatélico emitidos em homenagem a Auguste de Saint-Hilaire em 1953 (centenário da morte do botânico francês). 





Nenhum comentário:

Postar um comentário