UM JANTAR COM SAINT-HILAIRE
O
Tenente-General Manoel Marques de Souza convida o Governador da Capitania de
São Pedro do Rio Grande do Sul “Conde de Figueiras” e o botânico francês
Auguste de Saint-Hilaire para um jantar no dia 6 de agosto de 1820 em sua
residência a rua Direita próxima a Igreja Matriz de São Pedro.
O Edifício Galeria Conde foi construído no espaço que
foi outrora ocupado pelo casarão da família Marques de Souza. O avô, o pai e o
filho, tiveram uma trajetória militar e administrativa de projeção nos quadros
do Brasil Colonial e Imperial, sendo o casarão, uma referência no cenário
urbano da cidade até a sua demolição.
O botânico francês Auguste de Saint-Hilaire foi recebido
na casa de Manoel Marques de Souza (o “avô”, o primeiro dos “três centauros”),
nascido em 1743 e que em setembro assumiria o cargo de Governador. Saint-Hilaire
foi um dos mais importantes cientistas a visitarem e pesquisarem no Rio Grande
do Sul. O naturalista esteve em outras residências, mas, não deixou pistas que
permitam localizar estes lugares diferentes da atual Galeria Conde.
Saint-Hilaire chegou a Rio Grande no dia 6 de
agosto a Rio Grande. Na mesma noite foi convidado para um jantar na residência
de Manoel Marques de Souza. Estava acompanhado do Governador do Rio Grande de
São Pedro o Conde de Figueiras que deixaria em breve o cargo que passaria a ser
ocupado pelo anfitrião do jantar. Ao chegarem à cidade foram recepcionados pela
Câmara de Vereadores, autoridades e populares. Assim como era lugar comum
quando da chegada a Rio Grande, os visitantes foram até a Igreja do Carmo (a antiga)
para assistirem a missa. Conforme registrado no diário do naturalista francês:
“Após a prática, o padre deu a bênção, e o conde dirigiu-se à casa do
Tenente-General Marques, para onde o seguimos. Fomos recebidos num lindo salão
e, em seguida, levados para uma sala de refeições onde nos serviram um
esplêndido jantar. A mesa estava coberta de uma quantidade de travessas,
guisados e ensopados de toda qualidade. Um segundo serviço, composto de
assados, saladas e massas, sucedeu ao primeiro; retiraram a carne e
acrescentaram novas massas às primeiras. Depois, levantamo-nos da mesa e
fizeram-nos passar a uma outra sala, onde encontramos uma sobremesa magnífica,
composta de uma variedade de bombons e doces. De fruta só havia laranjas de uma
qualidade deliciosa, chamada laranja-de-umbigo ou laranja-da-bahia. Após a
sobremesa nos serviram café, seguido de licores. Durante o jantar, foram
trocados vários brindes, repetidos agora com os licores. A reunião prolongou-se
até alta madrugada e a maioria dos convivas estava de pileque quando se
retirou. Não pude deixar de admirar a mulher do tenente-general que, com setenta
e quatro anos, respondeu a todos os brindes, comeu e bebeu mais que todos e
conservou perfeita lucidez, mostrando uma vivacidade rara, mesmo entre pessoas
jovens. Os portugueses e os brasileiros costumam beber o vinho puro, e nos
grandes banquetes, o nocivo hábito de erguer brindes excita-os a tomarem em
excesso”.
Após este jantar com
carnes e massas, muitos brindes e doces e frutas (como a laranja-de-umbigo), no
dia seguinte, 7 de agosto “todos estavam tristes e fatigados. Visitei a senhora
do tenente-general, talvez a única de todos os convivas do jantar de ontem à
noite que não demonstra cansaço. Além dessa visita, fiz uma ao cura do Rio Grande,
que conhece francês e não é absolutamente estranho à história natural. Tem ele
em sua companhia uma sobrinha, também apreciadora dessa ciência, e que aprendeu
a falar sem mestre a nossa língua”.
Saint-Hilaire deixou este relato do jantar ocorrido há quase 200 anos na
noite do dia 6 de agosto de 1820. Pena que o seu olhar rigoroso de naturalista
não tenha dado mais detalhes sobre a gastronomia e indicações sobre como foram
preparadas as massas e as carnes: receitas criadas local ou regionalmente ou
inspiradas em pratos europeus?
Ilustração: folha e selo filatélico emitidos em homenagem a Auguste de Saint-Hilaire em 1953 (centenário da morte do botânico francês).
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