Porto do Rio Grande em 1908

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quinta-feira, 8 de março de 2018

FRANKENSTEIN: 200 ANOS

No dia 1 janeiro de 1818 foi lançada a primeira edição do livro “Frankenstein, o Moderno Prometeu”. O livro foi escrito por Mary Shelley (escritora inglesa (Londres 1797-1851) e que nesta época ainda mantinha o nome de solteira Mary Wollstonecraft Godwin) consistindo num romance de horror gótico com inspiração no movimento romântico personalizado em Lorde Byron. A história foi escrita entre 1816 e 1817 quando Mary tinha apenas 19 anos. O tema tratado é a história do estudante de ciências naturais Victor Frankenstein que constrói um monstro em seu laboratório a partir de cadáveres retirados de cemitérios, ou seja, ele teria descoberto o segredo da geração da vida. A repulsa e abandono do criador em relação à aparência sepulcral da criatura acarretam na explosão de violência da criatura quando rejeitado por Victor. O livro trata de questões éticas dos limites da ciência na interferência do ciclo da vida e da morte e do poder exercido pela humanidade sobre a natureza através da ciência e da tecnologia. É considerada a primeira obra de ficção científica que se desdobrou em leituras teatrais e cinematográficas que chegam até o presente.
Um tema tão complexo foi criação de uma mulher que sequer pode assinar a autoria da primeira edição: seu marido, o poeta Percy Shelley. A sociedade inglesa não aceitava a escrita feminina em temáticas pesadas e em polêmicas sobre o confronto do homem (cientista) com Deus. Na edição de 1831, Mary Shelley explica a elaboração da obra na “introdução”. Alguns trechos são reproduzidos e contribuem para pensar o cenário da criação de um dos principais ícones da cultura ocidental.  

Os editores de romances, ao decidirem publicar Frankenstein para uma de suas séries, ficaram curiosos para que eu lhes contasse sobre a origem da história. Aceitei com muito boa vontade, pois isso me dá a oportunidade de responder de um modo geral à pergunta que freqüentemente me fazem — como é que eu, então uma jovem, pude pensar e discorrer sobre um assunto tão horrível. Por ser filha de duas personalidades de notável celebridade literária (filósofo William Godwin e da escritora Mary Wollstonecraf), não é surpresa alguma que eu pretendesse escrever ainda no início de minha vida.
No verão de 1816, nós (Mary e Percy) visitamos a Suíça e tornamo-nos vizinhos de Lord Byron. Aquele, entretanto, estava sendo um verão muito desagradável, e as chuvas incessantes nos obrigavam a permanecer em casa durante vários dias. Caíram em nossas mãos alguns volumes das histórias de fantasmas, traduzidas do alemão para o francês. “Cada um de nós vai escrever uma história de fantasmas", disse Lord Byron, e sua proposição foi aceita. Éramos quatro. Concentrei-me para criar alguma história — uma história que rivalizasse com as que nos tinham incitado a realizar aquele trabalho. Uma história que falasse aos misteriosos medos de nossa natureza e despertasse um espantoso horror — capaz de fazer o leitor olhar em torno, amedrontado, capaz de gelar o seu sangue e acelerar os batimentos do seu coração. Se eu não conseguisse isso, minha estória de fantasmas seria indigna do seu nome. Pensei e ponderei, mas em vão. Senti aquela total incapacidade de invenção que é a maior desgraça dos autores, quando um estúpido nada responde às nossas ansiosas invocações. "Já encontrou a história?", perguntavam-me todas as manhãs, e eu era obrigada a responder com uma mortificante negativa.
A invenção consiste na capacidade de julgar um objeto e no poder de moldar e arrumar as idéias sugeridas por ele. Muitas e longas eram as conversas entre Lord Byron e Shelley às quais eu assistia como ouvinte devota, mas silenciosa. Talvez se pudesse reanimar um cadáver; as correntes galvânicas tinham dado sinal disso; talvez se pudesse fabricar as partes componentes de uma criatura, juntá-las e animá-las com o calor da vida. A noite se estendeu nessa conversa, e até mesmo a hora das bruxarias há muito havia passado, quando nos retiramos para repousar. Coloquei a cabeça sobre o travesseiro, mas não consegui dormir, nem podia dizer que estivesse pensando. Minha imaginação, solta, possuía-me e guiava-me, dotando as sucessivas imagens que se erguiam em minha mente de uma clareza que ia além dos habituais limites do sonho. Eu via — com os olhos fechados, mas com uma penetrante visão mental —, eu via o pálido estudioso das artes profanas ajoelhado junto à coisa que ele tinha reunido. Eu via o horrível espectro de um homem estendido, que, sob a ação de alguma máquina poderosa, mostrava sinais de vida e se agitava com um movimento meio-vivo, desajeitado. Deve ter sido medonho, pois terrivelmente espantoso devia ser qualquer tentativa humana para imitar o estupendo mecanismo do Criador do mundo. O sucesso deveria aterrorizar o artista; ele devia fugir de sua odiosa obra cheio de horror. Ele esperaria que, entregue a si mesma, a centelha de vida que ele lhe comunicara extinguir-se-ia, que aquela coisa que recebera uma animação tão imperfeita mergulharia na matéria morta, e ele poderia então dormir na crença de que o silêncio do túmulo envolveria para sempre a breve existência do hediondo cadáver que ele olhara como berço de uma vida. Ele dorme; mas é acordado; abre os olhos; avista a horrorosa coisa de pé ao lado de sua cama, afastando as cortinas e contemplando-o com os olhos amarelos, vazios de expressão, mas especulativos. Horrorizada, eu abri os meus. Aquela idéia tanto se apossou de meu cérebro que um arrepio de medo percorreu meu corpo, e eu desejei substituir a horrenda imagem da minha fantasia pelas realidades que me rodeavam. Ainda as vejo: o próprio quarto, o assoalho negro, as cortinas fechadas, através das quais a luz da Lua lutava para entrar, e a sensação de que a superfície vítrea do lago e os cumes dos Alpes brancos de neve estavam longe. Não pude livrar-me facilmente do meu tétrico fantasma; ele ainda me assombrava. Na manhã seguinte, anunciei que já havia encontrado uma história. Comecei a escrevê-la naquele mesmo dia com seguintes palavras: "Era uma sombria noite de novembro", transcrevendo apenas os lúgubres terrores do meu sonho acordado. No princípio pensei apenas em escrever algumas páginas, um conto curto, porém Shelley incitou-me a estender a idéia. Devo esclarecer que não devo a sugestão de um só incidente nem a menor orientação dos meus pensamentos ao meu marido e, no entanto, não fosse pela sua insistência, ele jamais teria tomado a forma sob a qual foi apresentado ao mundo. Dessa declaração devo excetuar o prefácio. Tanto quanto me recordo, foi inteiramente escrito por ele. Desejo mais uma vez que minha hedionda criação prossiga e prospere. Tenho afeição por ela, pois foi o fruto de dias felizes, quando a morte e a dor não eram senão palavras que não encontravam eco em meu coração. Suas várias páginas falam de muitos passeios, de muitas conversas, quando eu não estava sozinha; e quando meu companheiro era um que, neste mundo, eu jamais verei”. Londres, 15 de outubro de 1831.

Primeira edição do livro em 3 volumes com tiragem de 500 exemplares.

Edição de 1831.




Frankenstein clássico interpretado por Boris Karloff (1931) da Universal Pictures.  


Manuscritos de Frankenstein de 1816.

 
Mary Shelley em 1839. National Portrait Gallery.


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