Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

AS PRAIAS DE PORTUGAL



         Quando no ano de 1890 surge em Rio Grande à publicação Guia dos Banhistas buscando divulgar e orientar os veranistas do Balneário Cassino, outra publicação em língua portuguesa tivera anteriormente êxito editorial na Península Ibérica e também no Brasil: o livro de Ramalho Ortigão As Praias de Portugal: guia do banhista e do viajante (Porto: Livraria Universal, 1876). O autor fez um levantamento das principais praias portuguesas colaborando para a difusão do hábito do banho de mar e a de valorização de uma cultura voltada ao Oceano. Ele alterna informações científicas da época com uma linguagem literária bastante despojada e irreverente, muitas vezes irônica e picante do cotidiano lusitano.
Para Ramalho Ortigão, o mar foi o primeiro guia da humanidade, sendo que foi na Grécia e na Fenícia que as primeiras expedições marítimas iniciaram os domínios sobre as forças da natureza. “Amorável e austero, foi ele que primeiro embalou o berço do homem e que em seguida o acordou para os nobres trabalhos, sugerindo-lhe as primeiras noções do universo. O desenvolvimento dos estudos naturais tem progressivamente modificado a opinião inculta supersticiosa e aterrada de que o mar é o insondável abismo tenebroso e deserto. Guia dos homens, promotor das civilizações, revelador do universo, progenitor das ideias que determinaram o abraço fraterno da humanidade em todo o mundo, o mar é ainda o mais poderoso foco, o mais abundante manancial da vida”.
         Ressaltando os aspectos terapêuticos do banho de mar tão difundidos pela medicina do século 19, o autor enfatiza: “Tudo aquilo de que precisa o teu abatido organismo, a tua imaginação, o teu caráter, a tua alma, o mar possui para te dar. Ele tem o fosfato de cal para os teus ossos, o iodo para os teus tecidos, o bromureto para os teus nervos, o grande calor vital para o teu sangue descorado e arrefecido. Para as curiosidades do teu espírito ele tem as mais interessantes histórias, os mais engenhosos romances, os mais comoventes dramas, as mais prodigiosas legendas”.
         Buscando a identidade lusitana nas viagens marítimas dos séculos 15 e 16, quando os portugueses pioneiramente desenvolvem as técnicas para viagens oceânicas as quais seriam referência para outras nações, o autor cita a frase de Camões ‘A minha alma é só de Deus, E o meu corpo é do mar!’ ressaltando que “tal é o grito valoroso e sublime da alma de um povo que a Providencia destinou a ter no mar a sua historia, a sua inspiração artística, a melhor, a mais bela, a mais gloriosa parte da sua existência, finalmente, a sua segunda pátria”.
São descritos com maior ou menor brevidade as praias da Foz do Douro, Leça da Palmeira e Matosinhos, Pedrouços, Povoa de Varzim, A Granja, Cascaes, Vila do Conde, Espinho, A Ericeira, A Nazaret, Figueira da Foz, Setubal e as Praias Obscuras (denominação para praias de menor frequência).
Para Ramalho Ortigão, a Praia de Setubal é bastante freqüentada pelos banhistas da província do Alentejo e da Extremadura Espanhola. A exposição de Setubal, na foz do Sado, cercada de magníficos pomares e dos celebres vinhedos de Moscatel, que se estendem ao longo de graciosas colinas, é extremamente risonha e pitoresca. A população, quase toda empregada no comércio do sal, na exportação da laranja, no fabrico dos vinhos, é ativa e trabalhadora.
A Praia de Espinho é de todas as praias a mais estimada por aqueles que a freqüentam. Os banhistas de Espinho tomam-se todos por este sítio de uma espécie de exaltação patriótica, exclusiva e intransigente. Não admitem o paralelo da sua praia com qualquer outra, e consideram os que tomam banho noutras regiões do globo como adversários, quase como inimigos...
Sobre Cascaes: “se queres dar, leitor, o mais belo dos passeios permitidos ao habitante de Lisboa, faz o que eu ontem fiz. Levanta-te às 5 horas da manhã, num domingo, veste-te a luz do candieiro, porque em setembro ainda não é bem dia a essa hora, pega na tua bengala e no teu binóculo e vai à ponte dos vapores ao cais do Sodré. Tomamos um bilhete de ida e volta no vapor de Cascaes por dez tostões”.
Vila do Conde é talvez a menos freqüentada pelos banhistas, o que não obsta a que seja uma das mais pitorescas e mais belas povoações marítimas de Portugal.
         A praia da Granja a meia hora do Porto, atraíra sucessivamente os banhistas e a fizeram o que ela é hoje: a mais graciosa, a mais fresca, a mais aceiada das estações de recreio em Portugal.
Pedrouços é a mansão oficial da vilagiatura burocrática de Lisboa. Chefes de secretaria, oficiais, amanuenses, tabeliães, guarda-livros, caixeiros de escritório, escrivães, retemperam anualmente em Pedrouços a sua pálida e sedentária fibra plumitiva. Por isso, Pedrouços, a uma légua de Lisboa, tem um pouco o aspecto de uma secretaria do Estado—ao ar livre.
O grande defeito de Leça de Palmeira é que a sua vida objetiva é quase exclusivamente mineral e vegetal. Entre tantas casas, tantos quintais, tão belas arvores, o animal desaparece, o cão esconde-se, o homem sepulta-se, a mulher some-se.
Na Figueira da Foz a convivência era tão pouca, que toda a gente comia salada de alho, francamente, sem receio de vir a falar com outrem que não fosse à família. “Na minha casa, o teor era este: de manhã, depois do banho, às oito horas, almoçava-se café com leite, pão com manteiga fresca, que vinha das terras de minha avó. Ao meio-dia jantava-se. Às oito horas e meia, quando os tambores e as cornetas do Castelo tocavam a recolher, comia-se peixe cosido, bifes, enormes quantidades de melão; procedia-se á operação de ir cada um para o seu quarto queimar os mosquitos; e todos se deitavam em seguida. Alta noite acordava-se por via de regra uma vez. No grande silêncio da terra ouvia-se o mar bramir e rebentar na costa com um eco solene e triste. Muita gente vinha do Porto, de madrugada, tomava banho e regressava à cidade”.
Para finalizar esta breve seleção de visões do autor, o olhar crítico também recaiu na influência francesa na alimentação: “Nos grandes restaurantes de Lisboa, a preocupação francesa desnorteia os cozinheiros e leva-os a envenenar-nos com burundangas asquerosas, cujos efeitos gástricos levam muitas vezes a vítima a lamentar que, em vez de terem vendido a sua alma ao estrangeiro, os cozinheiros a não tivessem vendido ao diabo, para não manipularem para mais ninguém as suas mixórdias execrandas e traidoras. Na tasca da feira de Belém, a caldeirada de mexelhão e de ruivo, os camarões, as saladas de alface ou de pimentos, o linguado frito, constituem a lista do que Portugal pôde oferecer de mais perfeito na ordem dos simples e honestos acepipes nacionais”.

Ilustrações: Praias portuguesas em desenhos do livro de Ramalho Ortigão (1876).




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