A prática
dos banhos de mar no Brasil recua a alguns milênios antes do presente com as
populações indígenas que habitavam o litoral brasileiro. Diga-se: antes da
existência da unidade político-administrativa “Brasil” e dos “brasileiros...”.
Banhos assistemáticos realizados por europeus chegados ao nosso litoral
certamente ocorreram mesmo que não fosse uma prática generalizada. Sabemos que
banho de mar, rio, arroio etc, ou água em si, não era propriamente o “costume
radicado em tempos idos” entre os europeus. A medicina social, ao longo do
século XIX, buscou reduzir as causas de muitos problemas de saúde que eram
causados pela insalubridade: inclusive a falta de higiene corporal.
Banhos
sistemáticos no Rio Grande do Sul podem ter sido trazidos, pela historiografia
que abordou o tema, por comunidades alemãs radicadas no litoral norte e que já
tinham esse hábito do banho de mar enquanto prática corriqueira dos estados de
que eram oriundos e que constituíram a partir de 1871 a “Alemanha”. Porém, o deslocar de algumas famílias em suas
carroças até à beira mar não significava ter sido difundida uma lógica
discursiva dos benefícios do banho de mar para a saúde e concomitantemente uma
razão empresarial capaz de construir uma infra-estrutura balnear que buscava se
espelhar nos centros balneares europeus (Biarritz, Dieppe etc) e do Uruguai
(Pocitos).
Este início
de um processo racional de formação de gerações de veranistas fundados na
prática de banhos do mar se deu, inicialmente, no Balneário Vila Sequeira
(Cassino) no ano de 1890. Ressalte-se: não é a primeira planificação dos banhos
de mar em termos de Rio Grande do Sul, mas, de todo o Brasil! O famoso
cartão-postal brasileiro/tropical que é Copacabana começa a ser desenhado tremulamente
a partir de 1892... O Cassino já existia em uma prancheta desde 1885 com o
planejamento de ruas, do trem ligando com Rio Grande, hotel, casas de veraneio,
casas para aluguel (quadro), coleta de esgoto, restaurante a beira-mar (Chalet
dos Dois Bicos), venda de produtos de banho importados da Europa,
disciplinarização do banho de mar, infra-estrutura à beira mar etc. A estrutura básica nasceu antes do
processo ter início o que é uma raridade num país como o Brasil em que primeiro
os passos vão sendo dados e depois se busca amenizar ou disciplinar os
resultados e desequilíbrios. O litoral brasileiro é, infelizmente, um exemplo
vigoroso de ocupações irregulares, destruição de dunas e vegetação, aterramento
de mangues ou alterações profundas no ecossistema praial (sem excluir o Cassino
destas práticas antiecológicas, em especial, a partir do final da década de
1950...).
Entre erros
e acertos, o Cassino “deveria” ocupar um lugar especial na historiografia dos
balneários brasileiros pelo seu pioneirismo e a busca de aplicar toda a
tecnologia disponível no final do século XIX para criar um “espírito de
veraneio à beira mar”. Este cotidiano do contato com as águas do Oceano
Atlântico foi ritualizado a cada nova geração e como num túnel do tempo, a
sociedade humana e a tecnologia foram se modificando – e muito- nestes últimos
128 anos. Foram guerras mundiais, telefone e meios de comunicação que
encurtaram e até tornaram as distâncias uma fração simultânea de segundo: a
informação sobre o evento é imediato e o excesso de informações chega a sufocar
a razão! Foram as modificações das relações sociais que produziu novas
expressões culturais que passaram, inclusive, pelas modificações do vestiário à
beira-mar (inclusive chegando ao quase desaparecimento do vestuário...).
Precisamos não esquecer que foi no extremo
sul do Brasil, num balneário de inspiração européia e uruguaia, no Balneário
Cassino, que começaram a ser gestadas as “sociabilidades praiais” envoltas pela
justificativa dos banhos de mar medicinal (justificar a redução das roupas e a
exposição dos corpos...). A fronteira entre a areia, as águas e horizonte, ao
longo das décadas, foi sendo preenchido por personagens e tecnologias de várias
épocas: roupas pesadas ou leves para o banho; vestidos da “bellé époque” ou
saídas de banho transparente contemporâneas; culinária francesa nos primórdios
ou churrasco com cerveja à beira mar nas práticas do último meio século.
O balneário
Cassino está repleto de histórias, de gerações que convivem e enxergam diferentes
imagens na areia e na água. De olhares nativos críticos e de turistas despojados, estes últimos,
passageiros de uma viagem multifacetada que busca eternizar lugares para
guardar lembranças vívidas e prazerosas frente à inexorável transitoriedade das
experiências civilizatórias.
Ilustrações: cartões-postais do Estúdio Fontana nos primórdios do século XX.