No ano de 1912 não foi somente o Titanic que
afundou! Também os fundamentos da ordem do domínio rural fundado no coronelismo
em Rio Grande
foram abalados com um crime acontecido na cidade. Neste ano, os moradores do
município do Rio Grande muito comentaram a notícia da chacina de uma família na
Fazenda Passo da Estiva, localizada nos Banhados, 4° Distrito do Rio Grande (Taim).
A brutalidade do fato e as suas conseqüências são um paradigma definidor de
mudanças políticas na cidade em que a visão modernizadora burguesa passa a
assumir a liderança política em nível de Intendência Municipal.
O Jornal Echo do Sul de 30 de abril de 1912
assim registrou o impacto inicial do crime: “Abril não quis deixar-nos sem que
se arquivasse nos anais do crime um monstruoso caso que veio roubar a sociedade
não um indivíduo ou dois, mas uma família inteira, o que é mais triste. Até
parece lenda. Uma família inteira, pai, mãe e filhos numa totalidade de oito
indivíduos, barbaramente assassinada, sem que o menor indício possa dar a
polícia o fio dos acontecimentos! (...) A horrorosa hecatombe deu-se no Passo
da Estiva que faz divisa com campos dos capitães Joaquim Silveira de Azevedo e
Franklin Batista Taveira e fundos com o banhado da Estiva. (...) Sabe-se que o
interior da casa onde se deu o crime apresenta aspecto horroroso. Em cima de
uma cama acham-se quatro crianças completamente nuas em adiantado estado de
putrefação e na outra d. Clementina e os dois filhos menores. A casa não mostra
vestígios de arrombamento nem que houvesse luta. A porta e as janelas da frente
estão todas fechadas”.
O Crime dos Banhados foi tema do Trabalho de Conclusão de Curso de
Pós-Graduação em História defendido por Cledenir Vergara Mendonça (“Banhados:
versões, construções discursivas acerca de um crime – a tradição oral”. Curso
de Especialização em História –FURG, 2007). O relato aqui apresentado foi
retirado da monografia de Cledenir.
A
descoberta dos corpos ocorreu em 29 de abril de 1912 mas os assassinatos devem
ter ocorrido aproximadamente duas semanas antes desta data devido ao estágio de
putrefação dos corpos e de outras evidências. A família inteira foi
assassinada, sendo a mesma composta por seis crianças entre 13 meses e 9 anos
de idade, juntamente com a mãe e o pai. A mãe, que sofria de distúrbios mentais
e estava novamente grávida, foi executada junto com as crianças. Vestígios de
violência sexual e massacre em circunstâncias de extrema brutalidade
caracterizaram a chacina que ficou conhecida como o “Crime dos Banhados”, sendo
que o corpo do pai, Manoel Silveira de Azevedo, não foi encontrado, nem mesmo
reconhecido como desaparecido pela Justiça.
A
investigação do crime pelas autoridades locais foi morosa e inconclusiva o que
levou o governador Borges de Medeiros a enviar em fevereiro de 1913 o Coronel
Ramiro de Oliveira, agora como Chefe da 4ª Região Policial, na missão de
desvendar o Crime dos Banhados que começava a macular a própria transparência
republicana. O jornal O Tempo de 27 de fevereiro de 1913 afirmou: “na
interferência tardia da polícia, não sendo justificável, predispôs desde logo o
espírito público ao descaso dos mesmos em descobrir os autores da selvagem
hecatombe (...) e se diz agora confiante que autoridade superior possa agir
libertada das (...) conveniências inconfessáveis”. Começaria lentamente a
intromissão de Borges de Medeiros no mundo da política rio-grandina. Ramiro de
Oliveira significava a tentativa do governo estadual de moralização,
solucionando, assim, um crime que adentrava em demasia nos prazos legais e,
perigosamente, na esfera política.
Como resultado do intenso trabalho de Ramiro
de Oliveira, são indicados três autores do crime. Os acusados em nenhum momento
confessaram o crime, a indignação popular era enorme. Sob conivência de
elementos locais, os três, já presos, fogem pela porta da frente da cadeia o
que leva a uma intervenção estadual em Rio Grande. Edmundo
Reis, um dos acusados, mais tarde acaba morto em tiroteio com policiais.
O crime dos Banhados constituiu um fenômeno
histórico que anunciou uma série de movimentos heterogêneos quanto à sua
amplitude de ação na sociedade rio-grandense com o seu envolvimento direta ou
indiretamente no campo político, social, cultural e econômico.
Passaram-se 20 meses do episódio e começou a
ser produzido o filme de Francisco Santos (produtora Guarani de Pelotas), “O
Crime dos Banhados”, baseado na tragédia ocorrida em 1912. Estavam sendo
transportados para o mundo mágico do nascente cinema, as provas e as
contradições do mistério sobre a chacina. Também surgia o primeiro longa
metragem produzido no Rio Grande do Sul. Infelizmente não se conhece mais
nenhuma cópia do filme e nem o conteúdo integral desenvolvido por Francisco
Santos, que foi ferido por um tiro disparado por uma arma que foi utilizada
durante as filmagens.
Cledenir Vergara Mendonça conclui que o Crime
dos Banhados e a sua inserção no cinema identificam uma linha divisória entre o
capitalismo internacional, com um investimento de maior porte na cidade nos
anos de 1910 a
1918, e a resistência das oligarquias rurais dentro de uma nova órbita
econômica, pela qual estavam sendo absorvidas. O crime e o filme foram usados
como manuseio político, com os interesses de uma burguesia em ascensão na
tomada do poder político em Rio Grande. O
confronto entre a visão administradora urbana - marítima e litorânea -, e a
visão coronelística da zona rural, onde questões de terra poderiam encontrar
outras demandas de solução (inclusive o uso de pistoleiros) chegava a um ponto
crucial de confronto. O meio rural representado pelas oligarquias construiu seu
mundo à parte, referendado por um domínio político na cidade, mas que aos
poucos, vai se afunilando em perspectivas, diante dos novos paradigmas
econômicos aos quais o governo estadual estabelecia como prioridade para a
inserção do Rio Grande do Sul nos moldes capitalistas. Porém as oligarquias não
representavam mais o pensamento inovador para gerenciar os novos rumos
propostos. É um debate ferrenho dentro do republicanismo local, mas aos poucos
o espaço rural e agrário, por mais embates que pudessem acontecer, cairia
diante da imposição dos votos e um duro jogo da arte política.
Fotografia publicada pela Revista Kodak em 1912 (Porto Alegre). |
Boa noite!
ResponderExcluirComo poderia ter acesso a monografia citada?
Sou aluno do curso de Cinema da UFPEL e estou realizando uma pesquisa sobre o crime e o filme do Francisco Santos.
Eram primos da minha mãe, nessa narrativa falta o mandante do crime, pessoa muito influente na época, não falaram do cachorro que ficou louco, teve que ser sacrificado, o papagaio que nunca mais falou, a menina que fugiu em direção a banhado e recebeu um tiro de escopeta pelas costa.
ResponderExcluirEu em 1952 passei no local onde acorreu a tragédia, lugar sinistro, era como se as almas pedissem ajuda, tétrico, difícil de falar
Oi tudo bem? Gostaria de fazer um vídeo sobre o crime dos banhados e estou a procura de mais detalhes, poderia me dizer? Ficarei muito grata
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