O
ano de 1937 foi marcado em Rio Grande por grandes festejos comemorativos do
bicentenário de fundação da cidade. No dia 19 de fevereiro de 1937, o jornal Rio
Grande reproduziu a matéria de um jornal carioca que evocava Rio Grande
como a Noiva do Mar. Neste mesmo ano, há dez de novembro, teve inicio o
Estado Novo. A matéria ressalta Getúlio Vargas, mas critica o centralismo
político-administrativo no Império brasileiro, o que deve ter causado um grande
constrangimento quando do início do centralismo estadonovista. Passados setenta
anos destas comemorações, é interessante observar o discurso do jornal a
respeito do momento histórico vivido pela cidade do Rio Grande.
O OLHAR
CARIOCA
“A Gazeta de Notícias do Rio
de Janeiro que projeta na história do jornalismo brasileiro a glória de 63 anos
de uma vida de atuação, de brilho e valimento altíssimos, dedicou ao Rio Grande
do Sul, a 17 de janeiro (1937) findo, uma edição especial de 88 páginas,
repletas de texto escolhido de atualidade e interesse, e nítidas e variadas
ilustrações, além daquelas que figuram no suplemento, ótimo trabalho de
rotogravura.
Ali figura a cidade do Rio Grande,
evocada numa larga página sob todos os seus aspectos políticos, econômicos e
sociais, com clichês ilustrativos, além daqueles que lhe cabem numa página do
suplemento. É a seguinte a introdução dessa brilhante reportagem da velha e
conceituada folha carioca sobre a nossa cidade: ‘A cidade do Rio Grande é para
o Rio Grande do Sul o que a cidade de Santos é para São Paulo. Porto marítimo
de primeira grandeza, com extenso cais acostável, aparelhado modernamente, o
Rio Grande pode satisfazer perfeitamente a todos os requisitos de sua
finalidade como o porto marítimo mais setentrional do nosso território. O Rio
Grande é, além disso, uma cidade formosa e encantadora muito bem construída,
possuindo belas praças e avenidas arborizadas.
Os gaúchos a chamam com muita
propriedade, a Noiva do Mar. A população rio-grandense tem a exata consciência
de semelhantes responsabilidades, e por isto mesmo apóia moral e materialmente
com justo zelo citadino, as iniciativas de inteligência e boa vontade dos seus
administradores e servidores, no sentido de por a cidade à altura daquela
missão que não é histórica, mas é geográfica.
O Rio Grande sabe que é e procura
sê-lo condignamente, a sala de espera do Rio Grande do Sul. A frase não é, de
certo, nova, mas é nossa porque é de toda gente. Ao dizê-la, ali em 1928,
agradecendo o banquete da cidade ao presidente eleito do Estado, já o sr. Getúlio
Vargas repetia uma velha frase, fazendo-o, embora, por motivo novo, e muito
grato aos locais, pois, o fez para afirmar que semelhante circunstância impunha
à localidade a atenção especial do governo estadual. Os filhos do Rio Grande e,
pois, duplamente rio-grandenses, como amavelmente lhes dizia, daquela mesma, o
hoje eminente chefe do Governo da República, se tem, de feito, esforçado, em
bom êxito, no duplo objetivo de servir a cidade e ao Estado, por manter aquela
dentro do ritmo do progresso acelerado e incessante de toda a vasta extensão do
pampa brasileiro.
Nos
primeiros tempos da sua quase bi secular existência, o Rio Grande teve de
desenvolvimento moroso, como era, aliás, natural, e irregular, ao sabor das
campanhas que encheram as eras primevas do Rio Grande do Sul e outros fatores
históricos. No primeiro reinado, e princípio do segundo, viu, como todas as
cidades brasileiras, o seu progresso obstado, ou dificultado grandemente, pelo
menos, no defeito do regime da centralização. Nos últimos tempos da monarquia,
quando a influência dos partidos começou a atenuar os males daquele sistema,
obrigando-se mutuamente a, quando no poder, fazer alguma coisa o Rio
Grande, em que atuavam influentes chefes conservadores e liberais, como os
médicos Vieira de Castro e Pio Ângelo da Silva, aproveitou a sua fatia. Homens
cultos e esforçados passaram, então, pela vereança da cidade, sendo elevados
por seus pares a presidência da Câmara Municipal como Marcolino da Rosa,
Antonio Mostardeiro, Antonio Chaves Campello, cada qual trazendo uma nova
conquista, calçamento, iluminação, cais etc.
Com a República, a velha, é que
começou, o Rio Grande novo. A transformação fez-se paulatinamente, mas,
seguramente. Sem saltos, sem desequilíbrios. Sacudia-a, de quando em quando,
uma política local vivaz, irrequieta. Até 1916 nenhum dos seus intendentes
chegara ao fim do mandato. Às vezes, verdade é, a causa não era a política.
Eram outras fatalidades... inclusive a morte... A intendência ganhará, até, a
má fama de cadeira fatal. Mas isto, hoje, é história antiga. Como quer
que seja, nenhum intendente deixou a função por desonesto, pois, todos foram
guardas fiéis dos dinheiros públicos e cada qual trouxe a sua pedra à
construção da ampla e bela cidade que é o Rio Grande, onde se tem essa grata
sensação de desafogo, de poder de expansão que é característica das cidades que
detém portos marítimos. O Coronel Augusto Álvaro de Carvalho, transformando, em
1895, o lagoão da Geribanda nesta praça admirável que é, hoje, a praça Visconde
de Tamandaré. O dr. Juvenal Octaviano Miller, criando o Ginásio Municipal Lemos
Júnior e fazendo o estudo e a primeira tentativa para dotar a cidade do serviço
de esgoto. O dr. Trajano Lopes, retificando ruas, modernizando praças, etc.
O período intensivo da transformação
urbana do Rio Grande começou, porém, com a administração municipal dos drs.
Alfredo Soares Nascimento, que cuidou da higiene e da instrução dotando o
notável estabelecimento de ensino secundário que é o Lemos Júnior do
edifício e instalações modelares que ora o serve, e pondo em execução o plano
de saneamento da cidade, deixando pronta grande parte central do serviço de
água e esgotos; João Fernandes Moreira, que ativou a ação de todos os ramos da
administração pública, continuou e ampliou as obras de água e esgotos, iniciou
a construção do grande canal de drenagem do boulevard Carlos Pinto,
iniciou a construção da estrada de rodagem Rio Grande-Cassino e construiu uma
nova cadeia civil; e Antonio Rocha de Meireles Leite, último intendente e atual
prefeito do Município, que tem mantido, desdobrando-a em novos e numerosos
melhoramentos urbanos, a ação realizadora dos seus antecessores imediatos.
O trabalho fecundo desses últimos
administradores permitiu que a República nova viesse encontrar o Rio Grande já
novo, com as finanças equilibradas, com relativo desafogo econômico. O repórter
que ali chega, como chegamos, com olhos de querer ver, é o que vê, desde logo.
E se leva cem tiras e mão disposta a dar ao lápis, pode prová-lo, facilmente. É
o que vamos fazer.”
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