Porto do Rio Grande em 1908

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sexta-feira, 20 de junho de 2025

A ENCHENTE E O FANTÁSTICO

 

Ponte do Fandango em Cachoeira do Sul. Nesta enchente de 2025, está a poucos centímetros da marca da Enchente de 1941. Fotografia: Cristiano Pontes Dias.  

Eu trabalho com Literatura Fantástica. Com cenários construídos fora da realidade e que são tão convincentes que trazem a dúvida sobre sua existência ser real. 

As manchetes sobre a enchente de 2025 me deixam num limbo desnorteante: meu cérebro assiste as imagens de um ano atrás ou realmente as imagens são do presente? Não pode estar se repetindo um ano depois as experiências mórbidas que tivemos na grande enchente de 2024! 

É real estas notícias ou estou preso num lapso temporal dos fatos ocorridos a um ano no passado?

Não há El Niño, não houve um bloqueio atmosférico, não ocorreu um domo de calor... Como alguns municípios tiveram 400 a 500 mm de chuva em poucos dias? 

Somos sobreviventes que vagam entre as ocorrências fantásticas que nos tragam em busca de referenciais de estabilidade cotidiana: após a epidemia de covid e a grande enchente de 2024 navegamos num mundo de guerras convencionais, ameaças nucleares e hipocrisias discursivas. 

E o cérebro vai derretendo, enquanto as gotas que caem demarcam uma trilha no chão. Cada gota é um fragmento da insanidade vivida e um acervo da memória dos dias. Como num enredo fantástico imagino que cada gota que cai nos deixa mais leve e areado. Até que a última gota perdida nos trará apenas o apagamento completo do caleidoscópio de formas e cores que constituem a existência.     

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