Porto do Rio Grande em 1908

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segunda-feira, 29 de julho de 2024

INNOCENT

 

Innocent n.1, Panini, março de 2018. 

Terminei a leitura do manga Innocent com texto e arte de Shin'Ichi Sakamoto. 

São nove volumes e cerca de 1.800 páginas publicadas no Japão entre 2013 a 2015. No Brasil a publicação foi da Panini a partir de 2018. 

Conforme texto publicado na orelha da primeira edição: "No século XVIII, baseada nos princípios da "liberdade, igualdade e fraternidade", ocorreu a Revolução Francesa, ponto de partida da sociedade atual. Charles-Henri Sanson viveu nessa época nefasta e foi o quarto chefe da família Sanson, uma linhagem de carrascos reais de Paris. É revelada a biografia histórica desse personagem que enfrentou com nobreza e inocência um destino cruel". 

Na França do século XVIII, a Inocência dos personagens (especialmente Charles) vai sendo perdida no turbilhão de tradições e mudanças na sociedade do Antigo Regime. Sakamoto traz a história de personagens reais (construídos com liberdade literária) que acompanham um período de questionamentos sobre a estrutura social e políticas das monarquias absolutistas e dos lugares sociais inquestionáveis. E o desenrolar dos eventos busca acompanhar o crescendo rumo ao eclodir da Revolução Francesa em 1789. 

Nestes nove volumes a temporalidade avança até 1772. Ainda distante do eclodir revolucionário que se deu como uma construção discursiva de revoltas e de ações políticas. Porém, traz o clima das ruas de Paris, de outras cidades e locais da França onde a brutalização se expressa de várias formas. Uma delas é a execução de condenados em espetáculos macabros que causavam furor na plebe. Os executores eram tidos como personagens repugnantes e temidos, porém, eram essenciais para manter a teatralidade da dialética "crime e castigo" punido de forma visceral e publicizado para o consumo das massas e deleite dos sádicos.  

Muito é possível aprender sobre as raízes históricas da Revolução Francesa com a leitura desta obra. Excelente material de apoio, porém, bruto e visceral. Tanto que na capa está um selo de "Impróprio para Menores de 18 anos". Cairia muito bem como material complementar, numa disciplina de História Contemporânea num Curso de História.  

Sakamoto utilizou o livro de Masakatsu Adachi "O Carrasco Sanson" como fonte principal para elaborar Innocent. Outra fonte foi Memoires Sanson publicado em 1830 e parcialmente escrito por Honoré de Balzac que era amigo da família Sanson. Amplo glossário foi arrolado no manga enriquecendo a contextualização histórico-geográfica. 

Uma família marcada pela brutalização de fato se revela não como os criadores e sim como os executores do sadismo emanado da sociedade e da legitimação do poder das autoridades. A psicopatia que vai se desenvolvendo é coerente com a contextualização em que a Inocência vai sendo despedaçada com a historicidade de vida dos personagens.  Esta é uma parte marcante: os personagens se movimentam dentro do contexto da estrutura e das mentalidades do período buscando desafiar os lugares já definidos. O exercício da revolução pessoal vai deixando marcas profundas numa analogia dos caminhos da própria Revolução Francesa. 

A expressão andrógina do personagem principal Charles, o questionamento da ordem de submissão feminina pela personagem Marie, a tensão entre tradição e modernidade, entre acomodação e mudança, o sadismo legitimando a opressão dos não nobres, o espetáculo da morte em público evidenciando a violência do cotidiano, vários temas podem ser tratados acompanhando as gerações desta família de executores que teve início em meados dos anos 1600 e foram responsáveis pela execução do Rei Luiz XVI e de Maria Antonieta. E milhares de outros condenados... 

A narrativa visual é um dos ponto altos. A arte é coerente com cenários históricos de tortura, execuções, povo nas ruas de Paris, Palácio de Versalhes etc. É abstrata e repleta de representações, por vezes, de difícil interpretação com Sakamoto sondando a livre leitura individual dos fortes apelos visuais que ele produz. 

O volume 9 destoou em ritmo e uma certa superficialidade, porém, era o preparativo para a continuidade de mais 12 volumes publicados no Japão a partir de 2015 (até 2020): Innocente Rouge. Porém, não há qualquer previsão de ser lançado no Brasil e a Revolução Francesa terá de esperar por aqui. 

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