Porto do Rio Grande em 1908

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terça-feira, 4 de junho de 2024

ONÇA OU TIGRE?

A confusão de nomenclatura entre onça e tigre está sendo esclarecida nesta matéria publicada na Brasiliana Iconográfica (28-02-2024).  

Para facilitar o acesso do leitor ao conteúdo, estou reproduzindo a matéria que pode ser acessada no seguinte endereço: https://www.brasilianaiconografica.art.br/artigos/24011/os-muitos-nomes-da-temida-onca.

O assunto instigou minha atenção por outro aspecto: nos primórdios da ocupação militar e civil em Rio Grande, havia referências a onças atacando o gado e as peles de onças nas casas. De fato, tratava-se de pumas que são coerentes com o pampa gaúcho. 

Mas vamos ao texto e a iconografia:

"A onça, o maior felino das Américas, classificada como Panthera onca pelo cientista sueco Carlos Lineu (1707-1778), ficou conhecida no Brasil e no mundo por muitos nomes diferentes. A palavra onça vem do francês once, que deriva do latim. Mas na França a onça brasileira é chamada de jaguar, palavra que veio do tupi Iauar. Os primeiros estrangeiros costumavam se referir ao felino como tigre, porque tinham como referência o animal de origem siberiana e que só é encontrado em regiões da Ásia, como a China, a Coréia, os Himalaias e em parte da Índia.

Foi assim que um dos primeiros registros de que se tem notícia sobre o Brasil, o do aventureiro alemão Hans Staden (c.1525-1576), anunciou a presença da onça: "Há também naquelas terras muitos tigres que despedaçam gente e causam grandes danos, e ainda um tipo de leão, a que chamam de leopardo, que significa algo como leão cinza, e muitos outros animais estranhos". Em 1557, Staden publicou na Alemanha seu livro A verdadeira história dos selvagens, nus e ferozes devoradores de homens, encontrados no Novo Mundo, a América, que acabou conhecido como Duas Viagens ao Brasil, por ele ter vindo para cá duas vezes seguidas, entre 1547 e 1554.
[Porto de Superagui]

Na ilustração acima, do livro de Staden, é possível ver no alto o desenho de uma onça e um outro animal junto ao porto de Superagui, onde hoje fica o estado do Paraná. Apesar de cometer esse equívoco comum na época, o de chamar onça de tigre, Staden também registrou em seu relato a maneira como os indígenas se referiam a esse animal. Em um acampamento de Tupinambás, perto de São Sebastião, no litoral paulista, Staden conversou com o líder indígena Cunhambebe e lhe perguntou se ele não se incomodava de comer um homem. Segundo o relato do alemão, o líder lhe respondeu: "Jauára ichê (sou uma onça)".

O termo indígena foi registrado de muitas maneiras pelos colonizadores e estudiosos estrangeiros que estiveram no Brasil até chegar à palavra jaguar, que os franceses adotaram. Em seu artigo Nomes populares conferidos à Panthera onca (linnaeus, 1758) (mammalia, carnivora, felidae) no Brasil, o pesquisador Nelson Papavero escreve: "Pero Lopes de Souza, em 1531, foi o primeiro a conferir à Panthera onca do Brasil o nome de onça, designação até então dada ao leopardo (Panthera pardus, Linnaeus, 1758) do Velho Mundo, uma espécie muito semelhante. Desde esse tempo, autores lusófonos e estrangeiros cunharam 92 nomes básicos para a Panthera onca. Levando-se em consideração as variantes, as transcrições errôneas e as alterações desses nomes, como visto no texto, foram aplicados a esse animal 352 nomes" (Revista Arquivos de Zoologia, vol. 48, 2017. p.37-93). Entre esses nomes, o pesquisador registra anguê e mingué, os dois de origem africana.
[Ilustrações zoológicas]

Na gravura acima, do livro Historia Naturalis Brasiliae (1648), do biólogo e cartógrafo alemão Georg Marcgraf (1610-1644), temos a ilustração da onça apresentada como Jaguara Brafilienfibus, Nobis Tigris, Lufitanis Onça. Marcgraf veio ao Brasil a pedido de Maurício de Nassau, como ajudante do médico Willem Piso (1611-1678), com quem divide esse livro, a primeira obra científica sobre a natureza brasileira, que se tornou referência para estudiosos por mais de um século. Ali podemos ler os três termos: jaguara, tigre e onça.
Chasse au tigre, dans la plaine

Mesmo com os registros desses diferentes nomes, ainda podemos ver as onças brasileiras sendo chamadas de tigres dois séculos depois. Como na gravura (acima), intitulada Chasse au Tigre, do francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848), publicada em 1835, em seu livro Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil (São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2016), em que mostra a caça ao animal, que ele chama genericamente de tigre: "De todos os animais ferozes do Brasil, o tigre é aquele que o indígena combate mais sistematicamente, tanto para aproveitar a pele como para livrar-se de sua terrível vizinhança". Apesar de se referir aos indígenas, Debret retrata a caça executada "com tanto de bravura quanto de destreza" por soldados brancos e por cães, quando a onça é perseguida na floresta.
Chasse de l´Onze / Manière de charger les Mulets pour le voyage

Um pouco antes de Debret, Maximiliano Alexandre Felipe (1782-1867), também conhecido por Príncipe Maximilian zu Wied-Neuwied, publicou em seu livro Viagem ao Brasil nos anos de 1815 a 1817, o mesmo desenho dos cães cercando o animal, mas intitulado Chasse de l'Onze, o termo francês que originou once (francês) e depois onça (português).
Chasse au tigre

O pintor alemão Johann Moritz Rugendas (1802-1858) também deixou registrada sua caça ao tigre (acima), mas desta vez o caçador é o indígena, assim como na gravura (abaixo) do botânico Carl Friedrich Phillipp von Martius (1794-1868), em que o indígena, a onça e a cobra mostram o contexto amazônico em que cresce a palmeira mumbaca.
Astrocaryum gynacanthum. Bactris pectinata. Bactris hirta

Por ser o maior predador da América, a onça foi respeitada e temida por todos os habitantes e sua caça era vista como um ato de bravura. Além disso, sempre foi perseguida pelos pecuaristas que querem proteger seu gado dos ataques do felino. A destruição de seu habitat também contribuiu para que a onça seja hoje uma espécie vulnerável, já tendo desaparecido da América do Norte e do nordeste brasileiro".

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